domingo, 27 de dezembro de 2009
Retrospectiva 2009
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
Meu Presente de Natal

Uma réplica perfeita da Moscou de 1917 está sendo vendida na Rússia por US$ 3 milhões. A cidade em miniatura foi feita em 1977, para marcar os 60 anos da revolução Bolchevique, e está exposta na capital desde então.
O responsável pela construção da maquete foi o artista Efim Deshalyt, que comandou uma equipe de 300 pessoas que trabalharam na construção da cidade de cerca de 38 metros quadrados.
No prédio onde a detalhada maquete está exposta, há luzes especiais para criar efeito de dia e de noite sobre a pequena cidade.
Todas as janelas, tanto das casas quanto a dos barcos, têm luzes que podem ser acesas ao anoitecer.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009
Notas Sobre o Natal - Lourival Holanda
Notas sobre o Natal
Estamos sob a pressão do presente, do imediato. No entanto, há pouco tempo, ainda o período que precedia o Natal chamava-se Advento (o que deve vir) : preparava-se uma espera. A velocidade vertiginosa das mudanças, varreu a expectação; ficou só o espetáculo do Natal. O Cristo, convidado em função qual se fazia a festa, fica esquecido no barulho das preparações. Um aniversário com a casa cheia, os convivas invadindo todos os espaços, expondo modas endomingadas – que ninguém compromete com abraços ou amassos muito fortes; os contatos são de convenção; os beijos, os apertos de mão, desses sociais que apenas afloram a superfície do outro.
No entanto, Natal terminava com a Epifania – quando algo se manifesta, uma presença perturba o ritmo do mundo e o acorda da letargia com que o cotidiano ameaça o verdor da vida. O movimento frenético do ano leva cada qual a se proteger; e findamos mais individuais e cansados no final do ano. E vem a festa, como compensação. Mas, quem, de fato encontramos? Quem é ainda para nós um encontro epifánico – em encontrão, a partir do qual renasce em nós a vida, quem? Um encontro assim padece de longa espera; travessia de deserto, com os Reis Magos míticos e elucidadores. (Aliás, o Natal já foi festejados no dia 6 de Janeiro, na festa da Epifania).
Não digo há que um excesso de luz na feeria das festas, das praças que a Prefeitura enfeita para o Natal. O público se sente mais convidado ainda, nesse tempo de luz. E, no entanto, cada um carece também de certa penumbra, no espaço interior, que facilite o encontro consigo mesmo. Essa, talvez seja uma dimensão em desaparecimento, no mundo contemporâneo – e não é menos importante que o desaparecimento do mico-leão-dourado. Porque era uma das dimensões que nos definiam. Do Homo Sapiens ao Homo Quaerens: aquele que busca, aquele que deseja algo para além de si mesmo; o que deseja o futuro. Mas o futuro perdeu a credibilidade. Basta ver esse Natal com o frio desencantamento de Copenhagen; ali, o lugar de um medo – traduzido em indiferença – abortou o compromisso real com o futuro. É simbólico demais que isso se passe no Natal. Sinal dos tempos, desses tristes tempos – quando já não pensamos com o olho nas gerações futuras, porque as negociatas fazem pender para o lucro imediato os interesses reais.
Na raiz do Natal sempre houve um desejo de renovação. (Antes, essa renovação ia além da do guarda-roupa...). Há quem diga Natal vindo da novidade, na quebra do cotidiano com o anúncio do novo – a novella, desde a Idade Média. Outra origem possível: o natalis dies – a palavra teria ido se transformando e reduzindo até a forma atual: Natal. Com menos ou mais fantasia etimológica, há quem veja a origem na palavra do gaulês Noio Hel – novo sol. Sempre esse apoio na renovação efetiva.
Mas nossas renovações se fazem como as do asfalto: sobre o chão comido das rodagens semi-abandonadas, o zelo político passa uma camada fina de piche; isso basta a contentar o olho do passante apressado. Natal é assim também. Uma espiritualidade festiva, de circunstância. E esconda-se a dureza do dia-a-dia, a violência, o desprezo. Ponha-se a cordialidade à mesa. (Debaixo da mesa, sob o tapete, nossos pequenos rancores se destilam em silêncio; nossas covardias esperam; agora é uma hora de festa, hora anestesiante). Natal era tempo de reconciliação. Com o mundo e consigo mesmo. Mas essa reconciliação só se dá no silêncio, na penumbra. Não temos tempo.
As três religiões ditas do Livro (Judaismo, Islamismo, Cristianismo) sempre celebraram o momento inaugural de um silêncio. Carregaram a marca de um deserto – com o que há de fecundo nessa espera. O poeta Carlos Pena, filho amoroso dessa Recife mais madrasta que mãe de seus melhores poetas, em dado momento anuncia sinal desse silêncio:
-- Sino, claro sino,
tocas para quem?
-- Para o Deus menino
que de longe vem.
-- Pois se o encontrares
traze-o ao meu amor.
-- E o que lhe ofereces,
velho pecador?
-- Minha fé cansada,
meu vinho, meu pão,
meu silêncio limpo,
minha solidão.
O Natal, como coroamento do ano, era um momento de encruzilhada, decisivo, redefinidor. Lugar de reconciliação de si. Reconciliação com as razões de vida – norteadoras. Mas, hoje, é como se rodopiássemos entorno do mesmo círculo; dança de dervixes descrentes. Cumprimos um ritmo empurrados pelo calendário como um movimento cego. E chamamos festa à balbúrdia conjunta.
Importa menos a origem de Papai Noel, se seu mito agregou alegria ao longo de tantas infâncias. São Nicolau, de origem turca, se difundiu, correu mundo, atravessou os trópicos. Como o Orkut: à medida que avança seu efeito, perde-se seu “começo” – quem lembra daquele rapaz que criou a rede que tomou seu nome ... e despersonalizou o dono? Agora famoso e anônimo? Ele, Orkut, esteve em São Paulo. Porque lembro isso? Primeiro, porque há uma coincidência engraçada: ambos são turcos; segundo, o Cristo do Natal, sobretudo nesses tempos nossos, de pessoa, passou a instituição, de instituição a mito, e no mito desfez-se da força de presença real.
Natal é hoje uma emoção epidérmica. Apenas. A beleza das praças iluminadas talvez nos comova ainda. Mas, o que nos comove difere daquilo que nos move. Se o Natal fosse, de fato, renovação de um amor mobilizante, isso seria mesmo epifânico. Encontro alguém que me faz recarregar as reservas de afeto: eis um natal. O que há de cristão nisso? Tudo o que nos retira da sensação mediana do viver, ah, já vale. Tudo o que é busca da alegria tônica do viver, vale ser celebrado. Uma forma de o natal ser lembrado. Se o Natal, de fato, for ainda a renovação do melhor em nós, ah, então nem tudo está perdido.
Se houver um espírito de Natal, confundido com a concessão fácil de rede e rebanho, esse espírito não deveria dispensar a atenção. Às vezes na noite, em boîte ou missa de meia noite, uma presença passa – como uma aurora boreal, surpreendente e natural. Mas nossa desatenção perde, no entanto, o que seria um novo norteio de vida. Um natal, todo possível, virtual, ali. Aquela seria uma hora-natal. Hora de renascimento da alegria num encontro. Como poderia ser ímpio que Deus tomasse a forma de um amor, se o Amor tomou a de um Deus? Todo o que faz nascer em nós amor é divino. Mas, pena: no mais das vezes, o excesso de solicitações aborta em nós a plenitude de um encontro real. O que fica, num Natal esvaziado de seu sentido profundo é essa insatisfação que nenhuma festa supre. E quando já nem mais o desejo do poeta Bandeira basta, Pasárgada vai ser revisitada pelo poeta contemporâneo – Hagner Hyngner – como desejo de outra coisa, outro lugar. Talvez na secreta esperança de que, lá, ao menos, algo de novo nasça – e plenifique e cumpra a espera. Ouçamos o poeta:
Vou-me embora pra... só Deus sabe onde.
Aqui não tenho amigo nem rei , Nem a mulher que quero
Na cama que me deitei
Vou-me embora pra... só Deus sabe onde
Vou-me embora pra... só Deus sabe onde
Aqui eu não sou feliz , onde eu moro a existência é uma falácia
de todos os modos inconsequentes que qualquer garçonete, rainha ou demente
Pode ser até parente dos filhos que já tive
O que eu queria era um carro ao invés de uma bicicleta
queria uma rede, ao invés de tanto trabalho
mas, só me sobrou o mar
E depois de tanto cansaço sento na mesa de um bar mando chamar Irene pra me contar umas histórias
Que no tempo de menino Neide não teve tempo de contar.
O poeta atual, ainda que muito moço, parece envelhecer de desesperança, mas salta adiante levado pela espera. Não saber aonde vai, não saber o que vai encontrar, tudo isso é um risco. Mas o novo só se dá sob essa condição. A conformação é o mofo social; a poesia, seu antídoto. Por isso, ele prossegue:
Tem prostitutas bonitas
Ah, como tem... Pra gente se endividar
É assim que ando, triste, que triste assim não tem jeito
E de noite me dá vontade de matar -
Aqui não tenho amigo nem rei -
Aí sim, terei a mulher que quero
pra cama que me deitei
Vou-me embora pra... só Deus sabe onde
Peraí... E tem Deus?
O poeta pergunta se há Deus – mas, e se Deus mesmo já começar a se desenhar nessa forma interrogante?
domingo, 20 de dezembro de 2009
Constantin Liêvin
Constantin Liêvin
O romance Anna Karenina narra a história de uma mulher que venceu os preconceitos sociais para viver um amor. O que constituía um escândalo, tendo em vista o abandono de seu esposo, um homem da alta nobreza petersburguesa. O romance vai detalhando os meandros dessa nobreza russa citadina: os bailes, os costumes, os chás da tarde, a fofoca dos grandes salões, as preocupações e namoricos que se desenrolam com a trama. Mas, um personagem parece se afastar de todas essas relações “fúteis” (assim Liêvin julgava a vida citadina). Constantin Liêvin era defensor de uma nobreza tradicional russa, de raiz agrária, latifundiária, que exercia um papel moral na formação do povo russo.
Liêvin viaja para Moscou na tentativa de se casar com Kitty, uma moça da alta nobreza, de beleza e educação refinadas. É nesse momento que ocorre a grande epifania de Liêvin. Ao ser rejeitado na primeira proposta pela moça, resolve voltar para a aldeia, triste com o excessivo barulho da cidade, as opiniões furtivas: “deixou de querer ser outro que não ele próprio e apenas desejou ser melhor do que fora até ali.” (TOLSTOI, 1971; 95) Então, Liêvin vai se dedicar ao bom aproveitamento da sua propriedade, para honrar a tradição de sua família e vai construir uma série de discursos morais em que os pomechtchiki (latifundiário nobre) deveriam se incluir.
Na Poética do Espaço, Gastón Bachelard vai estabelecer uma série de análises sobre a relação do homem com a casa, enquanto espaço físico e os seus significados semânticos. Bachelard vai dizer que a casa é o local do ser que se defende, onde cria raízes e identidades. “O espaço habitado transcende o espaço geométrico.” (BACHELARD, 2008; 62) O cosmos transforma o homem em representante de sua localidade, é o homem do rio, das colinas, da ilha, da cidade. A casa remodela o homem. A volta para casa de Liêvin após um período de infortúnio na cidade, vai aumentar sua relação de intimidade com a casa da família, com a propriedade herdada. A solidão que faz pensar, que nos lembra Octavio Paz na Dialética da Solidão. O homem solitário é aquele que pensa, inclusive no sentido de pesar, a sociedade, que fornece um novo olhar sobre o que está fora do lugar. Assim, Liêvin passará a observar os desacertos em sua propriedade, nas relações com os vizinhos e desta força criativa que é a solidão, virá a execução de suas obras que vão coincidir com a chegada do verão.
A casa é um espaço de simplicidade e, como diz Bachelard, esse conforto da simplicidade gera a sensação de segurança. Reparemos na descrição de Tolstoi sobre a casa de Liêvin e sua relação com a tradição familiar:
“A casa era grande e antiga e, ainda que Liêvin vivesse só, ocupava-a inteiramente e aquecia- de ponta a ponta. Sabia que aquela vida era absurda, contrária aos seus novos planos e inclusive que não estava certa, mas aquela casa representava todo um mundo para ele; o mundo onde tinham vivido e morrido seus pais. Ali haviam levado uma existência que se lhe afigurava ideal e era com isso mesmo que ele sonhava: voltar a viver com a mulher essa mesma vida ideal.” (TOLSTOI, 1971; 97)
Para Liêvin, o casamento constituía-se como a ato mais nobre da existência. Portanto, a rejeição de Kitty causou um abalo extremo em seu planejamento de vida. A partir de então, o tempo em sua casa será todo direcionado para a chegada do verão e, consigo todo o trabalho que traz em seu bojo. A presença do trabalho no campo é bem realista e se comunica com as novas técnicas empregadas no século XIX. Durante o inverno, Liêvin vai se dedicar aos estudos de economia rural, visando atingir uma boa produtividade quando da chegada do verão, após o derretimento da neve espessa. Enquanto o verão não chegava ia estabelecendo relações mais próximas com os mujiques, passa a freqüentar a realidade deles, vai fazer longas caminhadas pela propriedade e entrará em contato com a realidade do campo que aparecerá de forma diversa aos seus olhos.
Na primavera, com o derretimento do gelo, é chegado o tempo de ceifar o mato. Um trabalho inglório para um pomechtchik que possuía tantos mujiques pra fazê-lo. Mas, Liêvin faz questão de se misturar aos camponeses e ser um deles. Para Liêvin, a aldeia era o local onde se vivia, se gozava, se sofria e se trabalhava. (idem; 227) Sua relação com os mujiques ganhou ares de irmandade. Vejamos:
“E cada vez se repetiam mais amiúde aqueles momentos em que lhe era possível não pensar no que estava a fazer. A gadanha ceifava por si. Momentos felizes esses. E mais feliz ainda aqueles em que, ao aproximar-se do rio até onde chegavam os regos, o velho limpava a gadanha com a erva úmida, passava a folha de aço na água fresca do rio e, enchendo o cantil, oferecia-o a Liêvin e dizia-lhe, com um momo trocista: _ Quer beber um trago do meu kvas[1]? É bom, não é?
E, efetivamente, Liêvin nunca bebera nada que se parecesse com aquela água morna onde flutuavam ervas e que sabia a ferro oxidado.” (idem; 240-241)
Essa aproximação de Liêvin junto aos camponeses vai de encontro ao que as relações capitalistas sugerem, onde a figura do patrão adquire ares de superioridade super-humanos. Ainda mais numa Rússia que fazia questão de ressaltar as diferenças entre as quatorze classes sociais existentes em meados do século XIX. Raymond Williams vai desanuviar esse cenário:
“Não só a terra mas também as pessoas eram consideradas propriedade; a maioria dos homens via-se reduzida à condição de bestas de carga, presos pelos tributos, pelo trabalho forçado, ou então ‘comprados e vendidos como animais’; ‘protegidos’ pela lei e pelos costumes apenas no sentido em que os animais e os rios são protegidos, para gerar mais trabalho, mais alimentos, mais sangue; uma economia voltada, em todas as suas relações de trabalho, para uma dominação física e econômica de caráter totalizante.” (WILLIAMS, 1989; 59)
Liêvin consegue romper com essa tendência à medida que se aproxima do cotidiano dos camponeses e, passa a enxergar outra perspectiva de vida, mais simples, em oposição ao freneticismo da grande cidade. Ao final do dia de trabalho, ao invés de regressar pra grande e confortável residência, Liêvin quis ficar com os camponeses e compartilhar de suas experiências:
“_Patrão, quer provar da minha tiurka[2]? . Perguntou ele, pondo-se diante da tigela.
A tiurka estava tão boa que Liêvin desistiu de ir a casa comer. Comeu com o velho, e enquanto comia aquele repasto frugal deixou que o velho lhe contasse coisas da sua vida, que muito o interessavam, falando-lhe, por sua vez, de alguns de seus projetos, que esperava despertassem a curiosidade do bom mujique. Sentia-se mais perto dele do que do irmão e sem querer sorria de afeto por aquele homem.” (TOLSTOI, 1971; 242)
Encontramos um certo bucolismo em Liêvin, na medida em que este sai da cidade e se refugia no campo. Uma idealização da natureza, do camponês. Mas, ao segundo olhar, vemos que sua relação não se dá de forma inocente. Seus estudos de economia rural visavam melhorar a produção da fazenda. Liêvin não esconde as dificuldades e vícios da vida do campo. Ele mescla uma perspectiva pré-capitalista herdada da tradição familiar com as novas técnicas de produção apreendidas nos estudos de economia rural. Sobre a visão pré-capitalista convém-nos remeter a Schiller e sua Poética da Autenticidade, quando este dizia que os pré-capitalistas tinham uma visão mais autêntica da natureza, porque era intuitiva, não alienada. (GARRARD, 2006; 70)
Raymond Williams vai traçar um perfil do proprietário de terras e de sua responsabilidade com os que o rodeiam, desde a família e os camponeses, até a natureza: “O homem não é dono da terra e não está autorizado a fazer com ela o que bem quiser. Ao contrário, deve tratá-la como um administrador responsável para o seu próprio bem e para o bem de outras espécies que também tem direito à vida.” (idem; 71)
Liêvin vai levantar diversas críticas aos outros proprietários de terras russos, relembrando suas obrigações enquanto administradores e até rememorando suas obrigações cívicas para com a posição social que ocupam. Nesse caso, ele também vai revelar um preconceito imbricado da sociedade russa do século XIX, quanto à posição social ocupada por cada membro:
“Podes tratar-me de retrógrado ou de qualquer outro nome tão ridículo como esse; mas não posso deixar de deplorar o empobrecimento geral desta nobreza, à qual, apesar da fusão das classes, eu me sinto feliz de pertencer. Ainda se se tratasse de uma conseqüência das nossas prodigalidades, estava certo: levar uma vida larga é privilégio dos nobres e só eles o sabem fazer. Não me dá engulhos ver os camponeses comprarem as nossas terras. Como o proprietário não faz nada, o camponês, que trabalha, toma o lugar dos ociosos. Está na ordem natural das coisas, e acho que deve ser assim. Mas, o que me vexa é verificar que a nossa nobreza se está deixando despojar por... como é que hei de dizer?... sim, é isso mesmo, por inocência! Aqui é um lavrador polaco que compra pela metade do preço, a uma dama que vive em Nice, uma propriedade magnífica. Acolá é um negociante que arrenda por 1 rublo a diessiátina que vale dez. Hoje és tu que, sem mais nem menos, dás de presente a esse malandro trezentos mil rublos.” (TOLSTOI, 1971; 165)
Em seus discursos, Liêvin demonstrava um interesse comum e uma preocupação nacional pelo desuso da terra, pelo abandono da economia rural em detrimento dos novos fomentos da cidade. De certa maneira, sua revolta é compreensível. A economia agrícola foi o sustento da Rússia até a virada para o século XX. Liêvin estava disposto a iniciar, à partir de sua epifania, uma revolução que se alastraria pelos confins da nação-continente:
“Vale a pena o esforço. Não é interesse pessoal meu, trata-se do bem comum. A economia agrícola e sobretudo a situação do povo devem mudar por completo. Em vez de miséria haverá riqueza e bem-estar geral; em vez de hostilidade, união e interesse comum. Numa palavra: será uma revolução sem sangue, mas uma revolução magna, uma revolução que, irradiando do nosso distrito, se espalhará pela província, por toda a Rússia, pelo mundo inteiro. Uma idéia justa não pode ser estéril. Por um objetivo tão grandioso valem a pena todos os esforços. Ora, que o autor desta revolução seja este pateta do Constantin Liêvin, habituado a ir ao baile de gravata preta e a quem a Princesa Tcherbatskaia negou a mão, isso não tem importância absolutamente nenhuma. Estou convencido de que Franklin, quando se dava a examinar-se a si próprio, também não confiava em si e não se julgava melhor do que eu me julgo.” (idem; 322)
Liêvin como um típico russo dos meados do século XIX, era um homem confundido pela tradição pré-capitalista e os fenômenos da modernidade que afloravam. A revolta de Liêvin contra o mau uso da terra por parte dos pomechtchiki nos faz lembrar Thomas Morus na Utopia, quando este vai criticar o desuso da terra por parte dos zangões latifundiários. O discurso de Liêvin fica num meio do caminho os ideais de comunidade (gemeinschaft) e sociedade (gesselschaft). Onde a primeira carregaria os ideais do período pré-capitalista, a Kultur, a aldeia; enquanto a segunda representaria a cidade e a Zivilisation.
quinta-feira, 17 de dezembro de 2009
Dostoevsky-Trip
quarta-feira, 16 de dezembro de 2009
A Solidão e Sua Porta
terça-feira, 15 de dezembro de 2009
Morreu na Ucrânia o DJ Portanov


segunda-feira, 14 de dezembro de 2009
I Came to Believe

I Came to Believe (Johnny Cash)I Came To Believe
Johnny Cash
I couldn't manage the problems I laid on myself
And it just made it worse when I laid them on somebody else
So I finally surrendered it all brought down in despair
I cried out for help and I felt a warm comforter there
And I came to believe in a power much higher than I
I came to believe that I needed help to get by
In childlike faith I gave in and gave him a try
And I came to believe in a power much higher than I
Nothing worked out when I handled it all on my own
And each time I failed it made me feel twice as alone
Then I cried, "Lord there must be a sure and easier way
For it just cannot be that a man should lose hope every day."
Yes, I came to believe in a power much higher than I.
video no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=BtW-KB5T83A
download da música: http://www.4shared.com/file/172501230/9e1cdd18/07_-_Johnny_Cash_-_I_Came_To_B.html
domingo, 13 de dezembro de 2009
Tempo de Despertar
terça-feira, 8 de dezembro de 2009
Medo de Avião
sexta-feira, 27 de novembro de 2009
Ausência?
Hoje é sexta-feira e, que raro, não sinto vontade de sair. Hoje, comprei uma passagem de avião para São Paulo, vou assistir as palestras da semana sobre Dostoiévski no Centro Cultural Banco do Brasil, com os maiores nomes do universo dostoievskiano do Brasil e da Rússia. Uma ótima oportunidade pra fazer contatos, conhecer professores e alunos que, como eu, pesquisam sobre o escritor, falar um pouco em russo, quem sabe. Viajar. Quando viajo, minha cabeça adquire outra velocidade de raciocínio, o estranhamento oferece novas interpretações. E, se não escrevi recentemente, é porque o mundo já não me era tão estranho como de costume. Voltar a São Paulo vai ser bom, faz cinco anos que não ando por aquelas ruas cinzentas, cheias de pessoas apressadas, organizadas, cheias de objetivo. Eu gosto de São Paulo. Também será a oportunidade de perder o medo, ou não, de avião. Conheço várias cidades do Brasil, de norte a sul, sempre viajando de ônibus ou carro. Tenho medo de altura, de velocidade, de avião. Mas, vamos nessa. Talvez, por isso, resolvi falar um pouco de mim, sempre acho que se pode morrer mais facilmente numa viagem de avião do que em qualquer outra ocasião, embora as pesquisas e a opinião pública sugiram o contrário. Vou enfrentar esse medo. Moro no caminho para o aeroporto desde que nasci. Os aviões passam em cima da minha casa, habitam meus sonhos de madrugada, me acordam, me ninam, me espantam quando passam naquelas imensas alturas em que observamos aquele pequeno pássaro de prata a riscar a imensidão celeste. Que visão não deve ter um cidadão naquela janela. O mar imenso, a terra que divide as águas, o homem que sonha no quintal de sua casa.
Sabe, hoje não quero falar de algo que está externo a mim. Sei que uns dirão que o sujeito morreu. Que o homem é como um rosto desenhado na areia da praia, esperando a maré subir e apagá-lo num esquecimento desmemoriado. Mas, quero dizer coisas simples, que brotam dessa confusão que compõe meu pequeno universo. Quero dizer que acredito no amor. Mais do que nunca! Porque pude vê-lo de perto. Ó vida, faze desse escravo o que decidiste antes mesmo de existir! Arremessa-me pra fora do pássaro de prata. Faze-me voltar. Destina-me pra quem desejo tanto. Rouba-me sorrateiramente o ar enquanto durmo. Dize-me que o tempo já passou e não há nada que se possa ser feito perante à foice que se cobre de preto. Continuarei ausente. Estou indo pra São Paulo estudar aquele homem que me inspira há tantos anos, aquela fonte clara que jorra do âmago do mais impuro dos animais, o conflituoso mestre que soube captar essa roda gigante de sentimentos.
No Centro Cultural Banco do Brasil acontece, entre os dias 01 e 04 de dezembro, o Seminário “Dostoiévski Ontem e Hoje”
01/12 “Dostoiévski, nosso contemporâneo” – com Igor Vólguin (Rússia), Boris Schnaiderman e Paulo Bezerra. Mediação de Bruno Gomide
02/12 “O Universo das Ideias na obra de Dostoiévski” – com Déborah Martinsen (EUA), Fátima Bianchi e Bruno Gomide. Mediação de Elena Vássina
03/12 “Dostoievski x Teatro e Cinema – Uma atração irresistível” – com Elena Vássina, Aury Porto e Cibele Forjaz. Mediação de Ruy Cortez
04/12 “Dostoiévski e a Vanguarda Russa na arte do século XXI: convergências contemporâneas” – com Frank Castorf (Alemanhã), Aurora Bernardini e Arlete Cavaliere. Mediação de Silvana Garcia
quinta-feira, 19 de novembro de 2009
A cidade de Petersburgo nas primeiras novelas de Dostoievski.
A cidade de Petersburgo nas primeiras novelas de Dostoievski.
Autor: Odomiro Barreiro Fonseca Filho*
Para Max Weber, a modernidade, inseparavelmente, se caracterizava pelo Espírito de Cálculo (rechnenhaftgkeit), pelo Desencantamento do Mundo (Entzauberung der Welt), pela Racionalidade Instrumental (zweckrationalität) e pela dominação da burocracia(LOWY E SAYRE, 1995; 35). As cidades ficarão repletas, porque também a população se multiplicava, de indivíduos fatigados e reduzidos à rotina uniforme e enfadonha da exploração industrial, do funcionalismo público e do culto ao dinheiro. Os escritores românticos vão problematizar esta visão de mundo, oferecendo uma reação contra essa racionalização. O olhar do escritor tem uma função histórica, de resgatar uma multidão que está omitida e excluída, desconhecida da burocracia do Estado e tornar-se companheiro de jornada dos que vivem o deserto afetivo da vida urbana. Dostoievski vai fazê-lo de maneira arrebatadora já em seu romance de estréia, Gente Pobre, onde dois personagens do subúrbio de Petersburgo, Várvara Dobrossiulova e Makár Devutchkin, vão dissecar seu cotidiano através da troca de correspondências, narrando toda sorte de desgostos e pequenas esperanças em um ambiente insalubre, delicado e sensível às dificuldades climáticas do inverno, inclusive.
A década de 1840 é marcada por uma mudança radical na maneira como os literatos observavam o cotidiano nas cidades, e isto, vai ser reparado por Walter Benjamin no texto sobre o flâneur, quando os escritores deixarão de fazer uma observação fisiológica da cidade e passarão a se interessar pelos problemas sociais que rodeavam seu universo. Esta mudança de olhar tem a ver com a contextualização do escritor em seu presente. Analisar o contexto histórico do narrador, não diminui a literatura em relação à história, nem vice-versa, mas serve para “armar” o leitor em sua relação de interação com o texto. Sobre esta mudança, dizia Benjamin: “A literatura muda porque a história muda em torno dela. Literaturas diferentes correspondem a momentos históricos diferentes.”(COMPAGNON, 2001: 196)
A relação entre literatura e o espaço geográfico, se não é de primordial interesse para o aprendizado do texto, serve para que melhor situemos a ambiência onde o escritor elevou seu desejo de deixar para o mundo algo que precisasse ser narrado. Assim, o sertão está presente na obra de Guimarães Rosa além de uma simples paisagem a ser relatada, esse sertão que não se encontra nas estatísticas do IBGE. O Rio de Janeiro, se não é parte fundamental para entendimento da obra machadiana, é nos meandros daquelas esquinas e morros cariocas que as tramas e comentários se desenrolarão. Diversos exemplos podem ser citados da relação entre o espaço geográfico e a literatura, como a Bahia de Jorge Amado, a zona da mata de José Lins do Rêgo, o Rio Grande do Sul de Érico Veríssimo. Mas, o que leva o escritor a dar importância, reparar no local a ser narrado? O que faz desse espaço algo digno de ser relatado?
Para Judith Grossman, o espaço conhecido precisa ser estranhado para que se torne familiar (GROSSMAN, 1993: 18). Ou seja, algo precisa estar em desacordo entre a realidade e a visão do escritor para que se possa atribuir um sentido à vivência naquele ambiente. Na grande cidade, a voz do narrador vai resgatar essa multidão omitida pela burocracia, pelos governantes. O escritor vai emprestar sua mão ao serviço dos sujeitos esquecidos nesse deserto afetivo que é a cidade moderna.
A modernidade para os viventes do século XIX correspondia a um imenso choque entre o que aparecia de novo e a tradição, entre o sentido de comunidade e de sociedade. Baudelaire soube muito bem sintetizar o que se passava no seu tempo. Dizia ele: “A modernidade é o transitório, o efêmero, o contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável.”(COELHO, 1988: 174). Em que lugar o transitório vai se sentir mais à vontade do que na grande cidade!? Posicionando no meio da multidão que se atropela, nas construções que se sobrepõem, na avenida alargada ou no boulevard iluminado, o homem da cidade se confunde nesse universo construído para si pela força dos próprios homens, onde as convenções não mais seriam impostas pela natureza, mas pela razão, a lei motriz da cidade. Essa idéia de estar na multidão, encantava Baudelaire: “Estar fora de casa, e contudo sentir-se em casa onde quer que se encontre; ver o mundo, estar no centro do mundo e permanecer oculto ao mundo.”(COELHO, 1988: 170) A grande cidade é um palco em eterna montagem, estranho aos olhares mais sensíveis. Michael Löwy e Robert Sayre, no livro Revolta e Melancolia vão sintetizar essa reação à mecanização das qualidades humanas: “Com efeito, os românticos sentem dolorosamente a alienação das relações humanas, a destruição das antigas formas ‘orgânicas’, comunitárias da vida social, o isolamento do indivíduo em seu eu egoísta – que constituem uma dimensão importante da civilização capitalista do qual o mais importante espaço é a cidade.”(LOWY E SAYRE, 1995; 68)
A visão do romancista sobre a transformação da cidade mostra muito do sentimento nostálgico da destruição de sua realidade em face ao surgimento de uma civilização moderna. Michael Löwy e Robert Sayre, em Revolta e Melancolia, vão analisar este embate entre a comunidade (Gemeinschaft) e a sociedade (Gessellschaft), em que a primeira representa os elementos da Kultur: como a família, aldeia, concórdia, costumes, religião e ajuda–mútua; vai se chocar com uma Zivilisation baseada nos preceitos do cálculo, lucro, da grande cidade, do Estado nacional, da luta de todos contra todos.
Uma cidade que na década de 1840 possuía 14 classes (DOSTOIEVSKI, 1967: 217-218) para diferenciar os nobres funcionários dos ministérios dos trabalhadores do baixo escalão, além dos servos que ainda não haviam sido libertados e constituíam a base da economia do país. A Rússia talvez fosse o país onde havia a maior discrepância entre nobres e plebeus, e este abismo vai se refletir nas relações sociais que eclodiam com maior rispidez nas ruas de Petersburgo, especialmente na Perspectiva Névski. Aliás, a agitação cultural e social nesta avenida foi motivo de uma análise aprofundada do pensador Marshall Berman no livro Tudo que é Sólido Desmancha no Ar. A diferenciação entre as classes produzia, naturalmente, um fortíssimo preconceito entre os moradores de Petersburgo. Vejamos uma passagem de O Duplo, quando o personagem principal do romance, Iákov Petrovitch Goliádkin, resolve passear pela Gostini Dvor, uma espécie de “shopping center” de Petersburgo, um centro de compras freqüentado pela alta nobreza. Goliádkin é surpreendido por dois jovens funcionários que se espantam de o encontrar naquele ambiente:
“- Iákov Petrovitch, Iákov Petrovitch! O senhor aqui?! Que cousas acontecem nesse mundo!...
Goliádkin sentiu-se confuso e ofendido pela ousadia dos moços. Estava quase indignado contra a confiança que tomavam, mas decidiu no seu íntimo enfrentar a situação com tolerância, e respondeu:” (DOSTOIEVSKI, 1962: 215)
O diálogo continuou entre o herói e os dois moços, onde os jovens desatavam a rir da situação perturbadora em que Goliádkin se encontrava e este, cada vez mais embaraçado em ter sido descoberto num lugar onde sua presença não era comum, tentava por fim à conversa sem chamar a atenção dos freqüentadores: “Até aqui os senhores não me conheceram. Este não é o lugar adequado, nem a ocasião oportuna para entrarmos em explicações prolixas.”(DOSTOIEVSKI, 1962: 216)
A importância dado ao posto ocupado pelo funcionário em sua repartição parece ter uma distinção mais elevada em Petersburgo. Essa observação não se restringe ao romance de Dostoievski, mas encontraremos situação semelhante em O Capote de Nikolai Gogol, onde o baixo funcionário, Akaki Akakievitch, parece hipnotizado pela necessidade de se aparentar mais decentemente nas ruas do centro de Petersburgo. Até o dia em que compra um capote novíssimo, reluzente, que o faria um homem distinto. Não seria mais aquele “oculto” na multidão, como dizia Baudelaire. Mas, no dia da estréia do caríssimo capote, ele é furtado quando Akaki voltava para casa, tarde da noite, depois de ter saído para tomar chá na casa de um funcionário de um escalão mais alto. A decepção foi tão grande, que o herói enlouquece e morre absorto em seu leito. Por que era tão importante se aparentar de forma garbosa no centro de Petersburgo?
Acredito que essa distinção de classes não era privilégio da capital européia da Rússia, poderíamos encontrar semelhante situação em Paris ou Londres. Mas, esse tipo de preocupação envolvendo funcionários públicos russos, será motivo central de pelo menos três grandes obras da literatura russa na década de 1840: O Capote (1843); Gente Pobre (1844); e O Duplo (1846). Todas elas narravam as dificuldades financeiras dos funcionários públicos do baixo escalão e suas relações com a pobreza numa cidade que fora criada para refletir o brilho da riqueza e pujança russa.
A cidade de Petersburgo aparece nessas histórias quase como um personagem-fantasma, que enuvia os sentidos dos personagens reais. Estar em Petersburgo é mostrar-se altivo e poderoso. Era a cidade dos grandes palácios, das grandes construções e jardins, da Avenida Névski, do Palácio de Inverno, das terras do Tsar como a propriedade de verão em Tsarskoie Selo. A vida da nobreza petersburguesa é mostrada com todos os detalhes no romance Anna Karenina de Lev Tolstoy. Dostoievski vai na contramão da nobreza. Chegou a se mudar do centro de Petersburgo para o subúrbio, para observar de perto o cotidiano das pessoas que viviam em águas-furtadas e em pensionatos. Dessas observações, surgirão as páginas de seu primeiro romance, Gente Pobre.
Em O Duplo, o personagem Goliádkin, em sua ânsia por ser aceito na alta sociedade, termina por enlouquecer. Mas, ao ensandecer-se, não escolhe o calor do seu quarto, uma sala aconchegante para derramar as lágrimas, Goliádkin vai para o centro de Petersburgo, numa noite rigorosa de inverno, com um temporal a castigar o único que se atrevera a enfrentar a gélida escuridão. Percebam que o clima da cidade, as ruas, as pontes, são mais do que um pano de fundo da cena, mas participantes no sofrimento do personagem. O narrador faz questão de relatar o cenário, nomeando cada detalhe e cada circunstância em que o personagem alucinado se encontra. Vejamos:
“No relógio da Municipalidade soavam as doze badaladas da meia-noite quando Goliádkin chegou ao cais do canal de Fontanka, nas imediações da Ponte Ismaílov. Vinha fugindo de seus inimigos e perseguidores; dos protestos das velhas indignadas; das exclamações de espanto das moças; dos olhares fulminantes de Andrei Filíppovitch.”
Dostoievski continua:
“Fazia um tempo horrível; uma característica noite de novembro em Petersburgo: úmida, nebulosa, escura, com essa chuva e essa neve que trazem aos habitantes das margens do Neva os presentes de novembro sob a forma de resfriados, reumatismos, bronquites, gripes, pneumonias e todas as outras moléstias do frio. O vento ululava pelas ruas desertas, fazendo tremeluzir a luz dos lampiões e agitando de modo sinistro as águas do canal. Era aquele vento que suscitava com o seu sopro álgido, leves ruídos, sussurros e rangidos que se confundiam para formar o concertante choroso que conhecem todos os que vivem em Petersburgo. Chicoteadas pela ventania, a chuva e a neve zurziam o pobre Goliádkin, crivando-lhe o rosto de mil alfinetadas.” (DOSTOIEVSKI, 1962: 233)
Mais adiante, Goliádkin parte enlouquecido percorrendo as ruas do centro da capital. Volto a sublinhar que Dostoievski faz questão de nomear cada caminho que seu personagem percorre pela região central. Em outras obras, o escritor russo simplificaria o nome das pontes com o primeiro nome desta (ex: Ponte K, Avenida J), mas em O Duplo, ele faz questão de sublinhar que aquele desespero causado pelo repúdio da nobreza a um pequeno funcionário ocorria em Petersburgo. Notemos:
“Continuou correndo tanto quanto as suas pernas lhe permitiam, sem olhar para trás. Ofegava; tropeçou várias vezes; quase caía; perdeu a outra galocha. Por último, exausto, afrouxou o passo para respirar, volveu a vista em torno e percebeu que havia deixado para trás o canal de Fontanka, sem notar; tinha atravessado a Ponte de Anítchikov e cruzado a Perspectiva Névski e a Litéinaia.” ( DOSTOIEVSKI, 1962: 237)
Em outros momentos da obra de Dostoievski, vamos encontrar a cidade de Petersburgo como cenário de suas obras. Em O Diário de um Escritor, ele vai estranhar a arquitetura da cidade, sua ávida busca por novidades e a falta de um estilo próprio, onde tudo parece estar emprestado de outras civilizações. Em O Idiota, no capítulo em que o príncipe Michkin está prestes a sofrer um ataque epiléptico, ele percorre as ruas do centro de Petersburgo com o mesmo ar ensandecido que Goliádkin naquela obscura noite de novembro. Mas, por enquanto, nos ataremos a trabalhar as duas primeiras obras da longa carreira do escritor.
quinta-feira, 5 de novembro de 2009
Pequeno Delírio Épico e Pós-Moderno
criatura em silêncio.
Refém do despotismo das coisas,
filho da retórica moderna.
É poeta, pranto pronto, essência.
Lágrima em desvelo que escorre por face árida.
Plúmbeo olhar ante a desértica fome do consumo.
Este tropel espírito é o herói da pós-modernidade.
Da distante colina, observa o presente em sua conspecta falácia.
Como Cipião Emiliano, chora a dor do futuro,
conspurcando as tradições em seu inevitável caminho para a morte!
Urra, homem! Constrói tua nação no labirinto do teu ser!
*escrevi esse curto pensamento após o término do trabalho sobre Epopéia ministrado pelo professor Saulo Neiva.
quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Futebol do Nordeste



