terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Hipérion a Belarmino

"Ah! Se jamais tivesse freqüentado as suas escolas. A ciência que segui até o fundo do poço, da qual esperei, jovem tolo, a confirmação de minha alegria pura, ela arruinou tudo em mim.
Com vocês, tornei-me tão sensato, aprendi a me distinguir fundamentalmente daquilo que me cerca e eis que vivo, então, isolado neste belo mundo, fui expulso do jardim da natureza onde cresci e floresci, ressecando ao sol do meio-dia.
Oh, o homem quando sonha é um deus, mas quando reflete é um mendigo; e quando o entusiasmo acaba, ele fica ali parado, como um filho desgarrado, expulso da casa paterna, observando o miserável centavo que a compaixão jogou em seu caminho."

Friedrich Holderlin


Feliz 2009.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Счастливого Рождества - Feliz Natal


Oi, meu povo. Feliz Natal para vocês. Hoje gostaria de presentear-vos com uma obra magnífica. Esse ano de 2008 foi um fiasco, financeiramente falando, então presentes desses que se compram em loja, nem minha sobrinha vai ganhar. Mas, acredito que essa oferenda que deixarei pra vocês pode ser útil e engrandecedora em suas vidas. Trata-se dos "Sete Portões de Jerusalém" do compositor polonês Krzysztof Penderecki, que ainda atua nos dias de hoje e esteve no Brasil recentemente. A obra, como um todo, desse compositor polonês é muito versátil. No início da sua carreira trabalhava com música erudita moderna aproximando-se de seus contemporâneos: Ligeti, Varèse e Messiaen. Entretanto, quando todos imaginavam que ele ia continuar trabalhando na estética moderna, eis que ele resolve se aproximar do pai da matéria, o velho Johann Sebastian.

Nosso mundo moderno nos obriga a cada vez mais buscar a originalidade escondida, o novo traço, o talento individual inédito. Mas, corremos o risco de esquecermos daqueles que fundaram as bases de nossas experiências. E como é grandioso nosso descobrimento das coisas do passado! Por vezes, temos a soberba de nos autoidentificarmos como sendo o ápice da civilização ou, num sentido mais progressista, que estamos caminhando para esse apogeu. Aí, nos deparamos com a grandeza dos antigos, com a força mítica da tradição. Assim, Santo Agostinho ainda é bastante atual aos nossos olhos. A Ilíada e a Odisséia, são tão audaciosas quanto as aventuras de Senhor dos Anéis e por aí vai. Os grandes homens do passado precisam ser conservados.

Assim, a virada de Penderecki em direção ao trabalho realizado por Bach, um barroco tardio, merece nosso louvor. Não que o nosso polonês esteja fazendo uma imitação barata de sua obra, mas contribuindo e expandindo uma tradição encantadora. Os Sete Portões de Jerusalém é o meu presente de Natal pra vocês. Destaque para o primeiro e o sétimo atos que são extraordinários. Beijo para todos e que aproveitem este Natal. Mesmo para quem não tem fé nem religião, o Natal é um período iluminado, pois sua mensagem é otimista e pacífica e não existe estado de espírito melhor para encarar a vida. Schopenhauer que o diga.

Seven Gates of Jerusalem (Penderecki):
http://rapidshare.com/files/173984601/PQP_Krzysztof_Penderecki_Seven_Gates_Of_Jerusalem_1999.rar

domingo, 21 de dezembro de 2008

Apolônio


Acho que o brasileiro é povo que dá mais valor a utilização do automóvel. O carro é um símbolo de status quo e está intrínseco em nossa cultura como elemento facilitador de namoro (como diria Tom Zé), como utensílio de elegância e mobilidade. Em nossas grandes cidades, a violência pode inibir a locomoção pedestre por determinadas áreas da urbe. Por exemplo, quem teria coragem de passar por debaixo do viaduto Joana Bezerra às 3 horas da manhã, dispondo apenas de suas habilidades de correria? O carro é uma figura muito útil em nossa sociedade, de fato. Eu também sempre tive vontade de ter um carro, inclusive pelos motivos antes mencionados. Em 2008 adquiri um fusquinha, meu primeiro carro.


Tá bom, não vou fazer desse meu texto um daqueles quadros de Gugu ou Luciano Huck. Meu carro foi roubado e não quero falar disso, mas sim das experiências alucinantes que tive durante os seis meses em que convivi com meu volkswagen, Apolônio (nome proposto por Hannah Montana): um fusca branco pérola, com motor 1600, jogo de rodas, bancos de fazer inveja a muito gol quadrado (hahaha), vidro fumê, farol de milha, som que toca CD, dois adesivos do Náutico e o charme do condutor. Por nunca ter tido grana pra comprar um carro, nunca me interessei em aprender a dirigir, mas no começo desse ano as coisas mudaram. Em fevereiro estava fazendo meu teste do DETRAN e com o carro em casa. Imaginem minha aflição, com um fusquete todo equipado em casa e sem poder dirigi-lo porque não tinha carteira. Numa quarta-feira fiz o teste e passei, só que minha carteira de motorista só estaria entregue na outra quarta. Vocês sabem como essas coisas são: a mulher trai o marido, caboclo faz coisa errada, uma cerveja a mais... essas coisas são trabalho do tinhoso, sujeito muito conhecido em nosso balneário. Pois bem, numa noite de quinta-feira ia rolar show do Trio Pouca Chinfra lá no Quintal do Lima e eu decidi que iria de todo jeito e também iria estrear meu fusca. Não dei ouvidos aos conselhos da minha mãe, para que esperasse só mais uma semana (olha o castigo!) e me arrumei todinho para a noite de estréia. Gravei um disco de Neil Young (Rusts Never Sleeps - 1979), me perfumei e pensei comigo: "É hoje!"


Na ida, dirigia com todo o cuidado, nenhum carro da polícia me avistou, o som tava bem alto, fumava um cigarrinho e de vez em quando passava por cima de algum buraco, coisa inevitável em nossa cidade. Chegando no show do Pouca tomei umas cervejas e mesclava com uma água ou refrigerante pra não "pegar" muito. Saí do recinto umas três horas da manhã, uma forte chuva caía no Recife, daquelas que as ruas ficam com um palmo d'água. Entrei no carro, fiz todos os procedimentos necessários. Apesar do autopoliciamento, tava um pouquinho biritado. Saí pela Rua do Lima, dobro na Rua da Aurora e pego a Av. Mário Melo indo na intenção de chegar no Derby. O para-chuvas do fusca é muito lento e o vidro frontal não dava para enxergar muita coisa. Então, eu ficava parecido com aquelas velhinhas dos filmes de Sessão da Tarde, com o peito no volante. O carro se locomove com cuidado, parando no semáforo que cruza com a Cruz Cabugá e seguindo. Mais à frente um barulho constante começa a crescer vindo da parte de trás do carro. Pensei que o pneu tivesse furado, mas não, os parafusos voaram e a roda estava se soltando. Parei o carro na Mário Melo e fui tentar fazer alguma coisa, com a cabeça confusa. Abri o capô e não tinha a chave de roda e o step era maior que o pneu original. Ah, o macaco também não funcionava. Olhava para um lado e para o outro e nenhuma pessoa passava pelo local, apenas a chuva forte estava ali para anuviar meus óculos. Eu me sentia que nem aquela cena do Jurassic Park quando o cientista atola numa cachoeirinha. Enfim, tava fudido!


O cenário era desolador e pra completar não podia nem imaginar uma possível ajuda da polícia, pois eu tava todo errado. Tinha bebido e estava sem a carteira. Ainda não tinha passado o carro pro meu nome, embora já tivesse até pagado. Só tinha o recibo registrado em cartório da compra. Estando nessa situação perturbadora, eis que passa um cara que só conhecia de vista, até então. Humberto, amigo de Izidoro, que frequenta o famoso Bar do Bigode. Humberto deu uma força, me emprestou a chave de roda, mas a roda não entrava (até então, não tinha me dado conta que o step era maior que o pneu original). Apareceu no meio daquele nada, um cidadão nobilíssimo que estava voltando pra casa na sua bicicleta e uma maleta cheia de ferramentas Devia estar se divertindo em algum recinto, também. Esse homem ajeita o pneu, resolve o problema dos parafusos tirando um de cada roda e todas voltaram pra casa com três pinos. Humburto vai embora e o cara da bicicleta diz: "Vai devagarzinho que tu chega no Engenho do Meio". Depois de quase uma hora de agonia, finalmente, estava indo embora pra casa. O prazer dionísico já tinha se esvaído e a alegria agora era em voltar para a segurança do lar.


Acontece que depois de alguns poucos quilometros, o problema torna a me apoquentar. Um barulho vindo da roda traseira. Penso comigo mesmo: "P.Q.P., não é possível." Dessa vez, resolvi estacionar o carro antes que a roda voasse. Parei perto de um ponto de táxi pra pedir ajuda. Fiquei uns vinte minutos tentando conseguir ajuda, só que todos os taxis eram da marca FIAT e a chave de roda não servia para Fusca. Não tinha outra escolha, liguei pra casa, acordei minha mãe e pedi socorro ao meu cunhado. Vem logo aquela sensação terrível de quem já tava com quase 27 anos e tava dando trabalho ao povo de casa. Mas, não tinha outra escolha. Cheguei em casa dizendo que já sabia que tava errado, ouvi alguns sábios conselhos que quase nunca seguimos e por aí vai.


Essa foi minha primeira experiência ao volante. Durante os meses que estive com Apolônio, outras situações como essa se sucederam, tais como ter batido na entrada de casa duas vezes, dar marcha a ré num poste, girar a 70km/h perto do forte do brum e et cetera. Ao final, ele foi roubado e a essa altura, deve ter virado um buggy. Há quem diga que foi até bom, pois talvez não tivesse aqui pra contar estórias. Mas, se alguém achar um fusca bonitinho como esse da foto e com a placa KGU 2389, é meu porra! Ah, se meu fusca voltasse...

sábado, 20 de dezembro de 2008

Mostar Sevdah Reunion

Quando convidei meu amigo Hugo Perez pra visitar meu blog, o danado me saiu com a seguinte frase: "teu blog parace um sarapatel de bode". Eu adoro esse prato da culinária nordestina e sei que ele também gosta, então vou encarar como um elogio. Na verdade, a minha principal idéia ao lançar esse blog é a de poder comentar todo tipo de coisa que me surge à cabeça, sem muita preocupação com a sequência dos fatos. Hoje, por exemplo, me deu na veneta escrever sobre a cidade de Mostar, que fica na Herzegovina. Mas, antes de chegar nesse belíssimo destino, gostaria de falar poucas palavras sobre um filme muito mentecapto que acabei de assistir, chamado Viagem a Darjeeling. Nesse filme, três americanos vão viajar pela India num trem velho, cheio de coisas espalhadas e todas as loucuras que vocês podem imaginar. Talvez o trem seja até muito quadradão, porque nossos três yankees foram expulsos e obrigados a descer numa parada no meio do deserto. Isso me faz lembrar uma temporada na pousada do Rai em Maracaípe, onde eu, Jeovah, Mauro e Antonioni (só peça boa) íamos sendo expulsos do recinto por estarmos pertubando tarde da noite, ouvindo Ramones nas alturas, bebendo vinho e discutindo aos berros. Então, não tenho muito o que falar sobre Darjeeling e a India, pois não conheço a cultura indiana em quase nada, exceto que os ciganos migraram daquela terra no século XV. No final da postagem vou deixar a trilha sonora desse filme que é arretada e se puderem, assistam.









Falando sobre os ciganos, dizia eu que esse povo migrou da India no Século XV e esses mesmos foram muito importantes para a formação cultural de quase todos os países do leste europeu. O que seria da música popular russa sem a influência cigana? Tem uma passagem muito viva na minha cabeça no romance dos Karamazov, quando Dmitri viaja tresloucado atrás de Katarina Ivanovna e ao chegar em sua residência, manda conclamar os ciganos, oferecendo dinheiro e champagne em troca de uma legítima festa e, os ciganos fizeram como só eles são capazes. Atualmente, o país com a maior população cigana é a Romênia e onde esse povo introduz sua cultura, enriquece o mosaico artístico, porque eles bebem de diversas fontes, desde suas "origens" indianas.









Existe uma cidade na Bósnia e Herzegovina chamada Mostar (opa, o que isso tem a ver com os ciganos?), que possui quase 200 mil pessoas, divididos entre bósnios (muçulmanos), croatas e sérvios (esses dois últimos se diferem pela religião, os croatas são católicos e os sérvios, ortodoxos). A cidade tem esse nome por causa da ponte que corta o rio Neretva. Não sei como se chama em bósnio, mas em russo a palavra ponte é "most - мост", então é provável que seja alguma coisa parecido com ponte. Essa belíssima ponte, que foi destruída na época da guerra na Iugoslávia (93 e 94) e reconstruída após o fim do conflito, serve de ligação entre os dois lados da cidade que na época medieval eram duas cidades chamadas Nebojša e Cimski grad. Me faz lembrar de Budapeste, que no passado era duas cidades: Budá e Pest, a primeira de população magiar e a segunda de comerciantes alemães, separados pelo Danúbio. Salve Zóltan, onde quer que esteja, foi ele que me explicou isso.









Nessa cidade bósnia existe um grupo de música folclórica muito bom chamado Mostar Sevdah Reunion, com inegáveis e explícitas influências da música cigana. Uma riqueza para quem gosta de conhecer músicas de locais diferentes. À frente do grupo encontra-se Shaban Bajramovich, conhecido como a "lenda cigana". Em alguns momentos parece que estamos ouvindo jazz, mas não, é música cigana. Espero que vocês tenham coragem de tentar conhecer, pode ser prazeroso, meus amigos, embora entender o que se canta em bósnio não é nada fácil. Então, minha sugestão para essa noite de sábado é a trilha sonora de Viagem a Darjeeling e dois discos do Mostar Sevdah Reunion, o primeiro com Shaban Bajramovich nos vocais e o segundo com Ljiljiana Butler, uma daquelas cantoras bem gordas, com cara de bolacha maria, mas que bota pra quebrar! Obrigado pela visita e aproveitem as sugestões.









links (cliquem com o botão direito do mouse):









1) Darjeeling Soundtrack, parte 1 e 2: http://rapidlibrary.com/index.php?q=darjeeling+soundtrack&filetype=0









2) Mostar Sevdah Reunion, a gipsy legend: http://rapidlibrary.com/download_file_i.php?qq=mostar%20sevdah&file=4690197&desc=Mostar+Sevdah+Reunion+-+2001+-+A+Gypsy+Legend+.rar









3) Mostar Sevdah Reunion com Ljiljiana Butler: http://rapidlibrary.com/download_file_i.php?qq=mostar%20sevdah&file=4690200&desc=Mostar+Sevdah+Reunion+-+2002-+The+mother+of++Gipsy+soul+.rar









Ah, e se alguém cobrar, bota na conta de Edir Macedo (ninguém quer me dar 10% não?)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A Vida de Leno

No início desse ano de 2008, entre janeiro e maio, eu trabalhei num projeto do Governo do Estado que visava recuperar jovens desacreditados de comunidades carentes e direcioná-los para o mercado de trabalho. O nome do projeto é Centro da Juventude. Lá eu trabalhava de instrutor de cidadania e na maioria das vezes não tinhamos uma sequência de atividades propostas pela direção e nós, instrutores, que ficávamos na sala de aula tínhamos que usar de nossa habilidade argumentativa para tornar o período de aulas interessantes.

Eu trabalhava em Santo Amaro, um dos bairros mais violentos do Recife, no coração da cidade, perto da Boa Vista, do Recife Antigo, caminho pra Olinda... um lugar privilegiado geograficamente. Entre meus alunos havia todo tipo de personalidade, moças agressivas, outras tranquilas e carentes, que nos surpreendiam em nossa sonolência matinal com um pulo de bom dia com os braços agarrados no pescoço. Entre os rapazes, muitos com potencial para as artes, interessados em levar um vida honesta, dentro de nossa visão cordeira de cidadão pacato. Outros com passagens pela polícia e que buscavam um novo caminho, bem mais árduo. Ainda haviam os que estavam na ativa, que assaltavam e matavam. O mais interessante foi que depois de dois meses de relação com os alunos, em que eu buscava trazer o tema da aula, cidadania, para a realidade deles, levando músicas de Racionais MC´s pra debater na sala de aula, questionando os benefícios que o idolatrado programa de Cardinot trazia para a comunidade deles, ou ainda fazendo-os cantar uma música desconhecida. Lembro-me que uma música de Capiba fez o maior sucesso entre eles:"Eu bem sabia que esse amor um dia também tinha seu fim, essa vida é mesmo assim. Não penses que estou triste nem que vou chorar, eu vou cair no frevo que é de amargar!" Além da música "primavera nos dentes" de Secos e Molhados, onde cada frase da música servia de um longo comentário e debate na sala.

Entre os alunos que não se desvencilhavam do mundo do crime (e tinham muitos!) estava Leno, um rapaz de 19 anos que pertencia a uma gang que ficava no campo do 11 em Sant´amaro. No primeiro dia de aula na turma dele, me indispus com ele que estava sentado no "braço" da cadeira e não parava de me desafiar, soltando piadinhas e tentando atrapalhar de todas as formas. Me exaltei e passei minha primeira lição de moral nele e na turma. Eu não sabia que Leno era o "terror" de Santo Amaro. Ao invés disso me afastar dele, aconteceu o contrário, o jovem sempre vinha conversar comigo no horário do intervalo, contando como funcionava a boca lá no beco ou então narrando detalhes dos assaltos e assassinatos que cometera. Ele era alto, pele clara e tinha o cabelo oxigenado em forma de porco-espinho. Os dias se passaram e as narrativas da guerra interna em Santo Amaro chegavam aos meus ouvidos com maior frequência. Os tiroteios envolvendo a DI (Demônios da Ilha, de Santa Terezinha) e o pessoal do Campo do 11 culminaram com a morte de um dos chefes do 11. Alguém da Ilha de Santa Terezinha teria que morrer para compensar. O clima na escola era tenso. Os jovens que moravam na Ilha de Santa Terezinha, que normalmente cortavam caminho por dentro de Santo Amaro, tinham que arrodear pela Av. Agamenon Magalhães para poderem ir ao Centro. Isso custava uma meia hora a mais de caminhada. Um aluno da tarde resolveu cortar o caminho, confiando na sua inocência e indiferença à guerra. Foi assassinado brutalmente, teve o corpo riscado por faca e a cabeça cortada. O Centro ficou em estado de choque, não se falava em outra coisa nas rodas de conversa. Tinham matado Deyvinho, um aluno da tarde.

Três dias após o fato narrado anteriormente, sem que eu puxasse assunto nem nada, eis que Leno se senta o meu lado, com olhar assustado e como se tivesse desabafando começou a contar como fora o assassinato de Deyvinho nos mínimos detalhes. Contou mais, que fora ele e mais três comparsas que cometeram o crime. Aos 19 anos, aquele era seu décimo primeiro assassinato. O que me espantava era a frieza que ele teve para falar com Deyvinho, ofereceu um baseado a ele, fumou e, depois que o mesmo virou as costas começaram a disparar contra o jovem que ainda tentou correr pelo beco, mas tombou sem vida poucos metros à frente. Ao final da conversa pedi a Leno que saísse daquela vida, pois não tinha muito futuro, apelei à memória de sua mãe, que ele estaria dando-a um grande desgosto e toda essa série de argumentos caretas. Voltei pra casa rememorando a narrativa de Leno e decidi que não comentaria aquilo com ninguém, pois estaria pondo minha própria vida em risco e como diria Raul Seixas: "Eu não sou besta pra tirar onda de herói...".

Meu estágio acabara em maio e nunca mais tive contato com ninguém que trabalhava ou estudava no Centro da Juventude. Até ontem de madrugada. Depois de uma noite de muito forró e diversão (que contraste com o tema da narrativa) encontrei o músico Raphael que era instrutor lá também e que me contou que Leno fora assassinado por ter matado um policial em Santo Amaro. Sua morte foi tão triste como a de suas presas. Um policial disfarçado chegou por trás do nosso herói enquanto o mesmo conversava distraídamente e deu um tiro em suas nádegas. Logo outros apareceram e começaram a andar com o braço na cintura de Leno pelas ruas de Santo Amaro. O sangue jorrava pelas pernas e ele uivava de dor até que uma nova etapa de agressões se iniciasse. Morreu depois de apanhar brutalmente.

Ao final de toda esse relatório policial vocês devem estar ansiosos pela minha opinião a respeito da situação de Leno e de tantos outros que se encontram na mesma situação. Mas, não cabe a mim julgar, sou um observador das coisas do mundo e não tenho espírito justiceiro, até que haja uma ofensa grave particular. Resolvi narrar esse caso real porque os personagens envolvidos estão mortos e o assassinato teve repercussão em todos os jornais policiais e só estou a expôr um acontecimento público. O que fica disso tudo é o abismo existente para essas pessoas que convivem em comunidades como Santo Amaro, onde a violência, a falta de estrutura familiar, o desemprego e de condições dignas de moradia e saneamento são as únicas certezas perceptíveis. Acredito que a solução para comunidades como essa só obterão resultado a longo prazo e histórias reais como essa que contei ainda ocorrerão por muitos anos. Gostaria de terminar essa postagem deixando uma música que citei de Secos e Molhados, onde muitos jovens se identificaram e foi um dos momentos mais proveitosos de minha estadia naquele estágio.

Titulo da Música: Primavera Nos Dentes
Artista: Secos e Molhados
Letra:
QUEM TEM CONSCIÊNCIA PARA TER CORAGEM
QUEM TEM A FORÇA DE SABER QUE EXISTE
E NO CENTRO DA PRÓPRIA ENGRENAGEM
INVENTA A CONTRA-MOLA QUE RESISTE.

QUEM NÃO VACILA MESMO DERROTADO
QUEM JÁ PERDIDO NUNCA DESESPERA
E ENVOLTO EM TEMPESTADE DECEPADO
ENTRE OS DENTES SEGURA A PRIMAVERA.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Barro-Macaxeira (BR-101)


Noite de domingo. Meu apartamento. Bob Dylan tocando a meia altura. Acabei de assistir o filme Sócrates de Roberto Rossellini. Essa junção de fatores me impulsionam para o teclado do computador. Mas, o tema da minha escrita não haverá de surgir enquanto escrevo essas primeiras linhas, pois desde o dia de ontem eu já sabia que minha próxima postagem seria sobre o cotidiano na linha 207 que faz a integração entre os terminais do Barro e da Macaxeira, no trecho da BR-101 que passa pela zona oeste do Recife. Esse ônibus que dispõe de uma variedade de acontecimentos incríveis e que espero ser justo em minha narrativa.

Durante dois anos da minha vida, eu trabalhei no Programa Parceria nos Morros da Prefeitura da Cidade do Recife, cuja sede da minha estação ficava no bairro da Guabiraba. Então, eu acordava umas 6 da manhã para às 7 estar no ponto de ônibus para pegar o Barro/Macaxeira prá quando chegasse na integração ainda pegar outro que saísse da Macaxeira para a Guabiraba. Ou seja, eram quatro ônibus por dia, só pra trabalhar. Portanto, posso dizer que sou um bom conhecedor da realidade desse ônibus. Ele faz um trajeto que incorpara diversos bairros pobres da zona oeste da cidade, servindo de elo entre a zona oeste e a zona norte da nossa cidade. Recolhendo a multidão que desembarca no metrô, vinda de diversos bairros da periferia, para se espalhar pelo resto da cidade. Diversas vezes eu estava na parada de ônibus, já atrasado, e o danado vinha super lotado de uma maneira que o motorista, quando muito, se limitava a bater os punhos fechados avisando que não cabe nem uma mosca lá dentro.

Até que ele passasse pela Avenida Caxangá era impossível atravessar a borboleta, que dirá sentar-se, e quando conseguia se acomodar em pé entre as pessoas, surgia do coração do ônibus (da sanfona do ônibus) um coro de vozes que variava de um senhor protestante, moreno e careca, que abria sua bíblia e se esbravejava para ser ouvido até a legião de doentes pedindo dinheiro para comprar remédio ou comida. Posso garantir que nunca ouve uma única viagem em que alguém não tenha ficado naquela metade do ônibus a pedir a atenção dos viajantes. O "pastor" das manhãs se emocionava ao narrar passagens da bíblia. Confesso que algumas passagens bíblicas aprendi ouvindo sua narração, ao mesmo tempo em que me esforçava em parecer imperceptível, porque se ele notasse que eu ouvia-o com atenção, não arredaria do meu pé. Assim ele gritava loucamente falando que Mizak, Sadrak e Abdnego estavam no cativeiro da Babilônia e foram salvos pelo verbo divino. Outro dia, ele pregava sobre o Apocalipse e cantava e orava, gemia. Outros crentes acompanhavam e diziam "aleluia", outros ficavam indiferentes, por vezes algum gaiato soltava uma piadinha ou gritinho para enervar o "pastor". Além do pastor, muita gente ia vender chocolates com laranja, balas de jujuba, pipoca, picolé "da fruta", canetas, tesourinhas, alfinetes, linhas para costurar, produtos fitoterápicos. Nossa, como não se lembrar daquela vendedora dos produtos "Raízes da Natureza" que começava seu discurso com um efusivo "Bom Dia" que ninguém respondia e ela, ironicamente, dizia "obrigado pelo bom dia de cada um" e começava a narrar os preços dos produtos que prometiam limpar a pele de todas as doenças e micoses.

Um caso à parte são os doentes e seu relatos dramáticos. Gente sem braço, costurada em todo lugar, carregando as receitas dos médicos, com crianças nos braços, com todo tipo de doença que se pode imaginar. Ao sair do Barro/Macaxeira você se sente pesado, culpado de existir e estar com a pele limpa. Essas pessoas não tem o respaldo do Estado e acabam tendo que apelar para a população pobre que se desloca nas linhas da integração. Ontem, quando peguei esse ônibus, um velhinho com elefantíase subiu no ônibus, a perna extremamente inchada, fiquei imaginando como deveria ser desconfortável qualquer movimento de caminhada para ele. E a população comovida, limpa seus cofres com suas míseras moedas e vão aliviando a dor dos pedintes e alimentando esse estado de dependência em que pessoas de todas as idades e por diversos motivos se utilizam do Barro/Macaxeira para sobreviver. Além dos doentes, pessoas que vêm da CEASA com caixas e sacolas cheias de alimentos que se espremem entre as pessoas: caixotes de batatas, melancias, laranjas e tudo o que se pode imaginar, até víveres. O Barro/Macaxeira expõe a face mais carente de nossa cidade, numa verdadeira guerra entre os passageiros que viajam agotados vindos da construção civil, da recepção de algum laboratório, empregadas domésticas, estudantes... numa guerra por espaço com os que querem tomar suas moedas em troca de bugigangas ou através do apelo de suas moléstias. O Barro/Macaxeira me lembra aquelas imagens antigas daqueles filmes que se passavam no interior de El Salvador, onde ônibus velhos carregavam a população com galinhas voando no sacolejo das estradas esburacadas. Entretanto, enquanto a imagem dos filmes são engraçadas, dentro desse nosso ônibus tudo é muito mais desesperador. Que postagem triste para se abrir uma semana, mas essa é a realidade de muita gente que vive na mesma cidade que eu, e porque não, também é a minha realidade, na medida em que só pude relatar isso pela minha própria experiência de quem fica calado observando os acontecimentos, me expremendo entre os concidadãos. Com certeza, esqueci de relatar muitas coisas singulares que vi nesse trajeto, mas isso fica para uma próxima, quem sabe. Um asseado abraço a todos.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Sobre a Tradição Alemã

Quando fazemos uma imagem de um povo que não conhecemos muito bem, caímos no risco de rotulá-lo erroneamente. Assim, muitos países ao redor do mundo imaginam que no Brasil só existe favelas e índios. Ou que todo norte-americano é viciado em televisão e McDonald´s, que todo africano é pobre e miserável, que os russos matam criancinhas ou que todo alemão é nazista. Não, pelo amor de Deus, isso foi uma brincadeira! Tenho certeza que meus amigos visitantes não pensam assim. A verdade é que quando pensamos em nação, nos vem à cabeça uma visão homogênea, onde todos falam a mesma língua, celebram o mesmo culto e defendem o mesmo princípio. Entretanto, dentro de uma nação, podemos encontrar diferentes correntes de pensamento, como democracia e totalitarismo, capitalismo e socialismo e etc. Dessa desconformidade, se houver uma acentuação, pode declinar numa guerra civil. Mas, acho que não é esse o caso de nossa conversa...

O escritor alemão Hermann Hesse é o centro dessa minha dissertação matinal. Nos últimos meses, vinha lendo seus escritos autobiográficos para relaxar os estudos para a seleção do mestrado e, muito me identifiquei com sua maneira de enxergar o mundo, sua visão que transcende as barreiras do nacional e tenta enxergar o estrangeiro como um aliado, respeitando suas tradições. A questão é que Hesse escrevia isso em 1920, após a primeira grande guerra e enquanto sua Alemanha mergulhava cegamente nas utopias ultranacionalistas. Nessa época, nosso escritor tinha acabado de lançar um artigo (primeiramente anônimo) em que professava a volta ao espírito nietzschiano, que a juventude alemã precisava redescobrir seu grande passado na figura daquele que tem o potencial (ainda hoje) de ser um ídolo da juventude: o escritor de Zaratustra. O nome do artigo é Zarathustras Wiederkehr, ou A Volta de Zaratustra, e tratava de um embate entre dois modelos de enxergar a nação alemã, de absorver sua tradição. Após escrever esse artigo, Hesse foi bombardeado, principalmente pela juventude universitária, que preferia o chumbo às nuvens. Vou deixar que o próprio Hesse separe esses duas correntes:


"Mas, por outro lado, como são tristes as mentalidades. Ou melhor, a falta de bom senso, de onde surgem esses ataques e essas cartas.
Por exemplo, um estudante de Halle escreve-me uma carta breve e, após ter externado o profundo e mortal desprezo seu e de seus companheiros, faz uma confissão: acaba citando os mesmos autores alemães aos quais se filia e que proclama serem seus modelos ou sua bandeira. São eles: Kant, Fichte, Hegel, Wagner e alguns outros...
Portanto, nada de Göethe, nem Hölderlin, nem Nietzsche, nem Grimm, nem Eichendorff. E dentre os músicos, nem Mozart, nem Bach, nem Schubert. Apenas Wagner! Poderá haver um mundo cultural mais reduzido, mais pobre, mais simples do que esse?"

Nessa carta do final de 1920, Hesse proclama uma outra possibilidade, uma contramão ao destino que seu país havia mergulhado. Ao meu ver, essa era uma das maiores riquezas de Hesse: a lucidez. Enquanto se acreditava que o espírito alemão estava na sistematização do pensamento, na organização nacional, na união bélica que conduziria ao crescimento do país, Hermann Hesse resolve mostrar uma outra Alemanha ao seu povo, uma tradição poética, bonita, um romantismo libertário. Já ouvi muitos estudantes de filosofia criticarem Nietzsche, chamando-o de poeta, mas não filósofo, porque não criara um sistema de pensamento. A não-sistematização do pensamento não poderia ser uma possiblidade para o estudo da filosofia? Não sei, não me sinto muito preparado para fornecer opiniões mais aprofundadas sobre essa seara. Queria apenas terminar essa postagem ressaltando o escritor Hermann Hesse que num período de cegueiras coletivas, conseguiu iluminar a paisagem trazendo aos seus conterrâneos uma nova perspectiva de admirar sua tradição cultural.

p.s.: os textos autobiográficos de Hesse se encontram no livro "Obstinação", que contém cartas e artigos de diferentes momentos de sua vida.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Bolsa Estupro


Olá amigos visitantes do meu humilde blog. Entre tantas carreiras e correrias, achei tempo para trocar uma conversinha com vocês. Meu amigo Cacau, famoso professor de História pelas redondezas do nobre bairro de Roda de Fogo, costumava dizer que ninguém é tão vazio e inútil que não consiga arranjar meia hora de conversa interessante com um par. Espero que meu alforje de idéias demore um pouco mais a se esvaziar. E se isso estiver prestes a acontecer, ainda bem que existe o nosso bizarro cotidiano, cheio de lorotas a qual não nego uma palavra pra comentar.


Essa madrugada cheguei de viagem (ainda estou fatigado), estive numa reunião de negócios na cidade de Leeds, Inglaterra. A preocupação entre os investidores da região é perceptível ao caminhar pelas ruas do subúrbio, onde encontramos respeitáveis residências sendo oferecidas a preços módicos. Até me interessei por uma propriedade perto de Hosforth, muito singular, que num passado longíquo pertenceu ao Duque de Aberford. Entretanto, nesse exato momento, não poderei dar conta de administrar três propriedades na velha ilha céltica, visto que já estou muito ocupado com minha fazenda de ovelhas em Aberdeenshire (Escócia) e com meu balneário em Abersoch (País de Gales).


Enquanto viajava de trem de Manchester para Leeds, aliás aqui vai uma reclamação: será que a crise mundial está prejudicando os serviços da primeira classe? Péssimo serviço! Nunca fui tão mal atendido na terra da rainha. Como dizia, enquanto viajava, andei folheando o The Guardian e uma notícia me espantou deveras. Não que fosse um caso que nunca tivesse escutado, longe disso, para nós brasileiros nenhuma notícia de violência se constitui em novidade. A matéria versava sobre um caso de estupro, em que uma jovem senhora teria direito a receber do Estado uma compensação financeira pelo abuso que sofrera. Essa quantia circula na faixa das 11 mil libras esterlinas, algo em torno de 34 mil reais, hoje (amanhã poderá ser 33 ou 35, quem sabe!?). O problema é que a côrte inglesa lançou um porém às pobres vítimas de tal abuso, que desde já classifico como odioso. Se a jovem que sofreu abuso estivesse em estado de embriaguez, 25% da quantia seria confiscada! O "sindicato das mulheres", desculpem-me não posso confirmar o nome correto pois estava com a cabeça irritada com o serviço de bordo ferroviário, entrou na justiça contra esse parênteses da lei, pois a situação não será menos dolorosa ou constrangedora a mulher estando ébria, ou não.


Quando lia a matéria, pensava em meu venturoso país natal, e na possibilidade de aplicação de tal lei em nosso território, onde casos de violência sexual contra as mulheres são de proporções maiores que no Reino Unido, devido à impunidade. Seria muito justo para a mulher que sofresse tamanha violência, receber uma recompensa do Estado, para que pudesse se reestabelecer do trauma, pagar um tratamento psicológico, se reestabelecer em casa sem precisar ir ao trabalho e enfrentar as opiniões constrangedoras, quiçá fazer uma viagem para buscar um novo sentido para a vida. Ao meu ver, toda contribuição seria justa e ainda assim, pequena.


Mas, ao pensar na situação do nosso "país do futuro", comecei a imaginar se tal lei fosse instalada por aqui. Meus amigos e amigas, sei que pode parecer que estou galhofando de situação tão penosa, mas é-me impossível não conjecturar sobre isso, espero que as feministas entendam. Além do mais, não tenho pretensão profética, portanto só estou a matutar. Antes de dedicar-me a minha profissão atual de consultoria financeira de multinacionais, trabalhei como assistente social na manguetown, portanto minha dívida com a carestia cristã já está quitada. Naquela atividade pude chegar a várias conclusões da situação deprimente em que muitas famílias se encontram. Mulheres engravidam todo ano na ilusão de se sustentarem com uma pequena mesada do governo federal, chamada Bolsa-Família. Meus queridos leitores, se para ganhar menos de 150 reais por mês, as pobres mulheres de nossas palafitas despejam crianças em nossas putrefacientes ruas, o que não fariam se o governo lançasse o "bolsa estupro" pagando 34 mil reais por cada caso?


Repito que não estou zombetando de situação tão desesperadora, até porque como disse anteriormente, sou a favor de todo auxílio que essas pobres vítimas possam receber. Aliás, dinheiro nenhum pode pagar um trauma desse tipo. Mas, não posso me ausentar de narrar o pensamento que me assaltou no exato momento que lia essa matéria na fria cabina do trem, com a possibilidade de tal projeto social no Brasil. Então, comecei a imaginar todo tipo de falcatrua que poderia surgir. Iria gerar um novo serviço no Brasil: o estuprador profissional. Este, receberia metade do dinheiro para realizar o projeto e dividiria a bolada com a moça que sofreria o atentado. Ambos ficariam com 17 mil reais, o estuprador desapareceria. Como tudo o que acontece no Brasil fica sem investigação, o "trabalhador" seria esquecido e fazendo esse árduo labor duas vezes por ano, já garantiria um salário muito mais digno do que qualquer professor contratado pelo Estado.


Minhas queridas visitantes, não atirem pedras em mim antes do último parágrafo! Relatei este possível caso não para zombar deste atentado, mas para mostrar como nós, brasileiros, somos as maiores vítimas de nossa esperteza. O nosso maior defeito é não sermos inteligentes e sim espertos. E nisso, gostaria de terminar esse polêmico artigo lembrando o antigo rei da Macedônia, Pyrrhus, que dizia que a tolice em nada cede à perspicácia, nem dela difere em coisa alguma. Abraço a todos e não me interpretem como insensível, por mais que o possa parecer. Abaixo, a matéria em que a BBC trata do caso, gostaria de achar a do Guardian, mas estava com tanta raiva do atendimento que amassei o jornal e joguei no lixo.

link: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/08/080812_estuprovitima_np.shtml

direitos humanos: http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4336&Itemid=1

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Matthäuspassion II


Eu sei que já falei sobre Bach nesse meu blog, mas quero falar de novo. Aliás, quero completar o que queria ter feito no post sobre a Matthäuspassion. Vejam bem (aquela propaganda de cimento me faz parecer ridículo falando isso), é o segundo post sobre a mesma obra! E olhem que o grão-mestre turíngio tem uma infinidade de possibilidades de comentar seu trabalho, ou melhor, de reverenciar. Minha missão estava cumprida quando os deixei com o link da São Mateus regida por Herreweghe e, de quebra, uma versão de Gardiner. Mas, faltava aquela que eu mais gosto que é a de Herbert von Karajan regendo a Filarmônica de Vienna. Ora, mas por que faço tanta questão que vocês escutem essa tão grandiosa obra? Fico imaginando vocês de mau humor, com raiva das bobagens que escutam da minha boca pelas ruas, sem tempo em algum computador emprestado ou numa lan house. Realmente, se for assim, é um inferno. E para ouvir Bach não se pode pensar em tal lugar. Só se concebe sua obra reverenciando Deus e sua criação, o paraíso. Estou cá, tentando estruturar uma sequência de frases que seja digna da beleza que estou prestes a mergulhar-vos, mas tudo o que venha a fazer soará pequeno e impuro. Apenas realizo esse pequeno prelúdio para que vocês, amigos que visitam esse espaço (e fico feliz de saber que meus visitantes são poucos, mas são grandes) possam admirar a elevação de J.S. Bach ao conceber a São Mateus e o exagero de Karajan em fazer com que Deus escute de tão longe. Fiquei pesquisando por um bom tempo antes de trazer esses links, quase suplico que assistam os vídeos e façam o download da obra que está dividida em 4 partes. Não deveria nem fazer tal propaganda, pois os que não se arvorarem a acreditar serão os maiores perdedores. Vou parar por aqui, minha curteza não permite continuar falando de Bach. Aliás, de Johann Sebastian, porque em sua família, dos 33 homens, 27 foram músicos, então quando falamos o sobrenome podemos estar citando seus valorosos parentes. Até.


Links do youtube (com o botão direito do mouse, abra em nova janela):






p.s.: as imagens são sensacionais e a versão não é de Karajan.


segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Náutico, Contra Tudo e Contra Todos!


Era ano de 1994, encontrava-me na sétima série do saudoso Marista, quando comprei minha primeira camisa alvirubra ao colega de classe, Diogo (um dos responsáveis pela volta da Timbucana atualmente), que era membro da Torcida Jovem Fanáutico, onde também me ingressei a partir desse ano. No ano de 1994, o Náutico estava sendo rebaixado da primeira para a segunda divisão o que garantiria aos próximos anos, períodos de imensas turbulências financeiras e desmotivação da torcida. Lembro que em 95, o Náutico foi enfrentar o Moto Clube/MA e o time era uma bagaceira. O então repórter da Rádio Clube de Pernambuco, Alfredo Martinelli dramatizava na resenha da noite para convocar a torcida pro jogo que seguiria. Dizia ele: "Atenção torcedor alvirubro, essa é a hora de ajudar o clube, nos momentos difíceis. É a hora de segurar na alça do caixão." Ao ouvir tamanha dramaticidade, disse a minha mãe que ia na casa do meu primo, Paulo Emílio, que morava aqui no Engenho do Meio, e fui, sozinho, então com 14 anos, para assistir o jogo. O Náutico venceu por 3x2 perante menos de 2 mil torcedores no antigo Estádio dos Aflitos.


Seguiram-se os anos e o Náutico continuava a se esforçar, por duas vezes quase subiu para a primeira divisâo, 96 e 97. Campeonato pernambucano, éramos fregueses do bom time do Sport. Quando o jogo era na Ilha do Retiro eu rezava para perdermos de pouco, pois enquanto o Sport contava com Leonardo, Bosco, Nildo, Jackson... o camisa 10 do Náutico era Mizinha. Que disparidade, meu amigos. Mesmo assim, eu ia pra Ilha. Aliás, bons tempos em que o futebol era bem menos violento. Nesse tempo eu era da Fanáutico, cheguei a ser diretor de relações públicas da torcida, entre 96 e 98. Torcida Organizada era lugar de jovens apaixonados, não de marginais, como hoje.


Resolvi postar sobre o Náutico hoje, por causa do jogo de ontem contra o Santos FC, onde escapamos pelo segundo ano da degola na primeira divisão. O Náutico de hoje está anos-luz à frente daquele que aprendi a gostar. Em 97 fui para um jogo do campeonato pernambucano contra o Vitória que tinham menos de 500 torcedores nos Aflitos e nosso goleiro era o grandioso Roberval, o ladrão de chocolates. Dava pra xingar o jogador e ter a certeza que ele ouvia. O Náutico não tinha centro de treinamento e nosso time de juniores não ganhava um título há quase 30 anos. Sempre ouvi falar que a torcida do Náutico entra no estádio em cima da hora pra manter a tradição de timbus e "encher a lata" do lado de fora. Que nada. A nossa torcida só entrava em cima da hora porque nosso time de juniores era mal presságio para a partida principal.


E o nosso estádio? Nossa, quantos anos sem uma reforma! Era chamado, justamente, de "balança, mas não cai". Hoje em dia, o Estádio Eládio de Barros Carvalho ainda carece de aprimoramentos, mas como está arrumadinho! Ampliou a capacidade, os banheiros são limpos (coisa rara nos outros estádios de Pernambuco), a sede está sempre ordenada e bem pintada... enfim, dá gosto de ver.


O que me motiva a escrever é localizar onde houve essa mudança de mentalidade na torcida e nos dirigentes do Náutico. Para mim, tudo ocorreu por etapas. A primeira tentativa de organização veio com o Presidente Márcio Borba em 1996 e o diretor Raphael Gazzaneo. Estes começaram, utopicamente, a reformar os Aflitos e promover uma modernização da marca. O segundo salto significativo ocorreu no ano do Centenário do clube, em 2001. A partir de então, o clube se uniu e não separou mais. O resultado foi a criação do Centro de Treinamento na Guabiraba e o fortalecimento e profissionalização do futebol.


Ontem, quando o Náutico escapou do rebaixamento ficou nítido que o que nos mantém na primeira divisão é a própria união da torcida e diretoria, porque se dependesse de quem comanda o futebol brasileiro, estaríamos fora da elite. Recebemos a menor quota. Enquanto o Náutico recebe 5,5 milhões, outros que disputam a mesma competição recebem 40 milhões. E mesmo assim, o Timbu enfrentou-os com dignidade pelo segundo ano consecutivo. O Náutico de hoje é muito diferente daquele que aprendi a amar. A torcida multiplicou, nosso menor público na Série A foi de 11 mil pessoas. Enquanto em 97, quando apareciam 4 mil alvirubros, era motivo de festa! Para muita gente, valorizar a permanência na primeira divisão é pensar pequeno, mas para quem viu de perto o que eu vi (e olhe que não sou velho, tenho 27 anos!) sabe que o Náutico cresceu bastante nos últimos anos e a nossa fé é que continue assim. Cada ano que ficamos na primeira divisão nossa quota aumenta e hoje em dia nosso time de juniores, que nos acostumou ao saudável hábito de beber cachaça antes do jogo, é motivo de orgulho para a torcida. Olhando para trás, confesso, sinto saudades. Não que seja masoquismo, longe disso, mas aqueles 2, 3 mil que estavam segurando na alça do caixão estavam ali não pelos "craques", nem porque era moda torcer pelo Timbu, muito menos pelas instalações do "Balança mas não cai", estavam pelo amor às cores: vermelho de luta e branco de paz. Valeu Náutico. Mais um ano na Série A, e que assim seja sempre!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Os Herdeiros de Lampião


Jornais e periódicos são feitos de notícias, interpretações da realidade cotidiana de um determinado lugar, cuja temática pode variar de cardápio cultural até a sangria policial. Porém, o que chama a atenção do cidadão mais advertido é, por vezes, a ausência ou omissão de uma notícia. Essa primeira semana de Dezembro foi marcada por um acontecimento que envolve uma simbologia muito forte e cujas interpretações são tão polêmicas que, talvez, os jornais preferiram ausentar o leitor da possibilidade de debater o caso. Trata-se da agressão sofrida por um jovem turista de 17 anos no bairro de Boa Viagem, zona sul do Recife. O mancebo disse ser atacado por quatro homens enquanto se encaminhava para uma noitada numa famosa boate localizada na Av. Eng. Domingos Ferreira. O que chama a atenção nessa violência aparentemente gratuita é que os jovens agressores diziam defender uma ideologia ultraregionalista, cujo lema seria: "O Nordeste para os nordestinos." Ih, acho que já vimos esse filme em algum lugar.


O turista paulista deu tocantes depoimentos no que concerne à atuação do grupo, que ao que parece é formado por quatro homens, jovens e robustos, e que prometem aterrorizar a vida dos visitantes sulistas. Prestem atenção ao depoimento do jovem turista, que terá sua identidade preservada. Essa notícia recebeu uma pequeníssima nota num jornal barato e de pouca credibilidade que circula por nossa cidade maurícia. Vejam o que o rapaz disse: "Estava caminhando pra Nox quando uma kombi branca parou ao meu lado e três homens fortes e armados de facas e foices pediram que eu entrasse na kombi avisando que era um sequestro-relâmpago e que eu não reagisse, pois eles me liberariam logo. Mas, taparam meus olhos e quando pude enxergar, estava numa casa muito velha e suja." Detalhe que no depoimento à polícia, o jovem turista afirmou que a kombi rodou por 20 minutos antes de chegar à citada residência. É possível que os "sequestradores" tenham dirigido em círculos para despistar a polícia.


O mais interessante de tudo isso é que os sequestradores torturaram o jovem turista e pediram que o maltratado expusesse o caso na imprensa para assim divulgar sua ideologia. O grupo de torturadores se autodenominou Os Herdeiros de Lampião, e golpearam o pobre turista com materiais cortantes que variavam de faca peixeira até colher de pedreiro. Os relatos são impressionantes da selvageria dos agressores. Chegaram a tatuar no alvo peito do paulista as iniciais HL, que seria a sigla para Herdeiros de Lampião. O detalhe mais aterrorizante foi que a artesanal "tatuagem" foi feita com colher de pedreiro em brasa. O rapaz, depois de ser cortado e levar vários socos que culminaram com a perda de três dentes, foi liberado na praia de Piedade, há menos de um quilômetro do hotel em que estava hospedado. O jovem, fortemente abalado, terminou sua entrevista na Delegacia de Boa Viagem dizendo que nunca mais voltaria ao Recife e que os Herdeiros de Lampião mandaram um recado à imprensa que enquanto os nordestinos fossem atacados em São Paulo, ou em qualquer cidade do eixo sul e sudeste, as retaliações não cessariam na capital pernambucana.


terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A Vida dos Mortos


Muitos são os relatos de brilhantes homens que se dedicaram a sua arte durante toda a vida e não receberam o reconhecimento material quando de sua passagem por este pequeno planeta escondido dos deuses. Trabalharam incessantemente e sua obra não pertencia aos homens do seu tempo, pertencia ao futuro ou ao passado. Cada vez mais acredito nas palavras do velho filósofo iluminista alemão, Christian Wolff, que dizia que a essência do ser humano é a busca pelo prazer e, consequentemente, a felicidade. Toda evolução tecnológica que facilita nossos dias, fazendo com que tenhamos mais tempo para gastar nosso tempo, é para que diminuamos nosso trabalho e dessa forma sentirmo-nos felizes. Entretanto, nos momentos de tristeza é que somos capazes de refletir, conservar hábitos, planejar. Muitos foram os homens que na contramão da essência acreditada por Wolff, passaram a maior parte do tempo a contemplar o sofrimento, a matutar sua dor. E desse compêndio, verdadeiras jóias foram lapidadas em quartos mal iluminados, em ambientes insalubres e com o fruir de lágrimas de incúria.

Esses homens morreram sem que suas obras fossem reconhecidas pelos seus pares, assim Franz Kafka chegou a pedir ao seu melhor amigo, no seu leito de morte, que queimasse toda a sua obra porque não teria serventia para a humanidade. Dostoiévski morreu à míngua, sendo levemente reconhecido pelo Estado nos últimos meses de vida, entratanto encontrando uma atrasada gratidão do público que culminou na multidão que acompanhou seu enterro. Sem contar nos homens que foram condenados pelo Tribunal do Santo Oficio e outros julgamentos do tipo. Entre tantos artistas de enorme talento que deixei de citar, gostaria de recair o olhar sobre o grande músico vienense, Franz Schubert. Durante o período que cá escrevo, estou ouvindo seu concerto para violino e piano. Vou deixar o link, no final, pra quem quiser baixar essa belíssima obra.


Schubert era a principal voz do coral da Escola dos Jesuítas, tendo uma educação musical bastante rigorosa. Ao se tornar adulto não conseguiu chamar a atenção da população vienense, de maneira que para se sustentar vivia da ajuda de amigos, entre eles Franz Liszt e Robert Schumann, que também não eram ricos. Aliás, quando ouvimos a música desses grandes compositores clássicos ficamos a imaginar que eles viviam em castelos e que a beleza de suas músicas vem da inspiração luxuosa em que vivem. Engano nosso. Um dos poucos que puderam gozar dessa imagem que fazemos foi o judeu (Por quê será?) Félix Mendelssohn que era considerado o melhor músico de seu tempo, além de Haendel que no fim da vida gozou de enorme prestígio na Inglaterra. Porém, muitos desses músicos viviam em deplorável situação de pobreza. Entre os que mais sofreram podemos destacar Schubert. Um causo tão triste pode servir de piada para nós, amantes do humor negro (sem racismo). Schubert era tremendamente apaixonado pela jovem Theresa Grob, moça encantadora. Schubert não era um homem feio, entretanto sua timidez o tornava obscuro. Schubert chegou a escrever mais de 200 músicas em homenagem à Theresa, que ao final trocou o amor do nosso triste personagem real, pelos braços de um mestre-padeiro. Coitado de Schubert. Sua música é carregada de profunda tristeza, quase todas. Se algum dos meus leitores gostam de tocar violino ou piano, saberão o valor que a obra de Schubert representa. Entre suas principais obras, A Sinfonia Incompleta é a que merece maior destaque. Morreu muito moço, com 31 anos, em virtude de uma doença sexualmente transmitida que arranjou num dos cabarés mais baratos de Vienna. O homem se foi tristemente. Deixar-vos-ei com uma passagem de Jesus, que o mestre Fiódor adorava:

"Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, produz muito fruto." (Evangelho de João; Capítulo 12; 24).

link para baixar o conerto para violino e piano:
http://rapidshare.com/files/135551418/Schubert.ViolinPpianoHoelscher.part1.rar

http://rapidshare.com/files/135551415/Schubert.ViolinPpianoHoelscher.part2.rar


Copiem e colem no navegador. Beijo para todos vocês.

sábado, 29 de novembro de 2008

Reencontro Inesperado

Olá amigos e amigas, espero que todos estejam bem e com saúde. Nessa tarde ensolarada de sábado, o último de Novembro, o verão incendeia as ruas e os corpos. Todos devem estar a essa hora na praia, tomando aquela cerveja gelada, pedindo um caldinho de sururu, comendo ostras (cuidado pra não estar estragada) e observando as beldades a passear. Mas eu não, sou um brasileiro que tem objetivos na vida, não me deixo levar por modismos nem pela perniciosidade. Enquanto vocês estão perdendo tempo aí, vivendo, eu estou aqui nesse meu quarto, dialogando com os mortos. Tem problema não, pelo menos o último morto com quem conversei foi um sujeito que veio me narrar uma história muito interessante que nem foi ele que escreveu, foi um conterrâneo dele. Esse conterrâneo já narra a história de outra pessoa. E vocês acham que esse telefone sem fio vai dar certo? Vou deixar que Walter Benjamin conte por mim:


"XI


A morte é a sanção de tudo que o narrador pode relatar. Ele derivou sua autoridade da morte. Em outras palavras: ela é a história natural a que suas histórias remetem. Isso foi exprimido de modo exemplar numa das mais belas histórias que temos do incomparável Johann Peter Hebel. Esta na Caixinha de Tesouros do Amigo Renano, chama-se Reencontro Inesperado e começa com o noivado de um jovem que trabalha nas minas de Falun.Na véspera do casamento a morte dos mineiros o surpreende no fundo de uma galeria. A noiva permanece fiel após a morte e vive tempo suficiente para um dia, já velhinha, reconhecer o noivo num cadáver retirado da galeria perdida, poupado à decomposição pela impregnação de vitríolo de ferro. Depois desse reencontro ela também é chamada pela morte. Quando Hebel, no curso da narrativa, se viu ante a necessidade de tornar manifesta a longa série de anos, ele o fez com as seguintes frases: 'Nesse interim, a cidade de Lisboa foi destruída por um terremoto, a Guerra dos Sete Anos terminou, o Imperador Francisco I morreu, a Ordem dos Jesuítas foi suprimida, a Polônia dividida, a Imperatriz Maria Tereza morreu, Struensee foi executado, a América tornou-se independente e as forças francesas e espanholas reunidas não conseguiram conquistar Gilbratar. Os turcos cercaram Stein na Cova dos Veteranos na Hungria. O imperador José também morreu. O rei Gustavo da Suécia conquistou a Finlândia russa, começou a Revolução Francesa e a longa guerra, e o imperador Leopoldo I também baixou ao túmulo. Napoleão conquistou a Prússia, os ingleses bombardearam Copenhague, os camponeses semearam e colheram. O moleiro moeu, os ferreiros martelaram, os mineiros buscaram veios de metal na sua oficina subterrânea. Mas quando os mineiros de Falun, no ano de 1809...' Nunca um narrador ancorou seu relato na história natural mais fundo do que Hebel o fez nesta cronologia. É só lê-la atentamente: a morte aparece em turnos tão regulares como o homem da foice nas procissões de meio-dia no relógio das catedrais."


Não sei o que vocês acham, mas para mim, lendo esse relato, parece que a História é um universo paralelo, onde os grandes fatos passam como nuvens sobre nós, cidadãos comuns. Quero saber o comentário de vocês. Vamos debater.

p.s.: foto de Hebel

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A República da Estrela

Boa Ventura (ontem e hoje, mesma coisa) >>>>




No início do século XX uma Revolução aconteceu no sertão brasileiro e muito pouca gente sabe pelo Brasil. Acredito que entre os historiadores, nem 5% sequer ouviu falar ou leu algum artigo sobre um exemplo de luta, resistência e pululância nordestina, a proclamação da República da Estrela. Esta República abrangia os importantes municipios de Boa Ventura, então com 7 mil habitantes e Curral Velho, com mil e quinhentos, no Vale do Piancó, alto sertão da Paraíba. Esses dois municípios, comandados pela mão forte do Coronel Zuza Lacerda, declararam independência do Estado da Paraíba e consequentemente da nação brasileira.






Depois de perder a eleição no município de Misericórdia, atual Itaporanga, Zuza Lacerda resolve separar Boa Ventura e Curral Velho, então pertencentes a Misericórdia. O seu governo gozava de organização invejável a muitas nações da Oceania, como Tokelau, Tuvalua e Kiribati. Possuía Ministério de Relações Exteriores, cujo secretário era o Major Sula; e seus dois filhos eram secretários de Guerra e da Fazenda. O mais audacioso projeto era o do Ministério da Marinha, que servia para fazer a importante travessia do Rio Piancó, que pra facilitar o trabalho dos marinheiros, fica seco durante 6 meses do ano.



Curral Velho (hoje, mesma coisa)>>>>>>


A República durou três meses e Zuza Lacerda abandonou a cidade quando as tropas estaduais ameaçaram acabar com o sonho de um povo. Zuza Lacerda se mandou pro Ceará e depois foi a julgamento na cidade de Pombal/PB. Terminara a República da Estrela. Anos depois, Boa Ventura se emanciparia de Misericórdia e hoje em dia, Curral Velho também é emancipada.






Boa Ventura é a cidade da família do meu pai e Curral Velho, da família da minha mãe, embora ninguém estivesse envolvido em tal episódio, creio eu, acho interessante que esse evento tenha ocorrido lá, tão inusitado e lúdico. Na verdade, minha narrativa não oferece uma abordagem histórica muito ampla porque advém da História Oral e de um livro de André Raboni que li e devolvi (devia ter roubado!) que poderia me ser útil para dar uma abordagem mais técnica. Mas, vou fazer melhor, vou deixá-los com o link para a História da República da Estrela contada em versos de literatura de cordel, escrito por MarcodiAurélio (assim mesmo, meu nome é Odomiro). Vale muito a pena ler esse cordel, possa crer! Também tem um trabalho profissional do historiador Lourival Inácio no site da Prefeitura de Itaporanga.






Saudações a todos que tem visitado o blog e espero continuar postando por aqui. Estou dando um tempo do orkut por uns 15 dias, disse que tava viajando (acho que vou inventar isso mais vezes). Mas, do blog espero não me distanciar. Abraço a todos, fiquem em paz e leiam pelo menos o cordel. (Ah, e vá na missa no domingo) Bom menino!





















quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Música Regional ou Retratação Minha




Vocês, caros amigos, que tem visitado meu blog desde que ele foi lançado há 1 mês, devem ter percebido meu flerte com a World Music, com a cultura de povos distantes e até meu desapego com a origens da identidade nacional. Pois bem, achei justo que vocês também conhecessem um outro lado das minhas preferências musicais, cujas raízes (ui, Rodrigo!) se encontram na música regional. Agora, vamos nos deparar com uma série de questões a levantar: A música regional brasileira é autêntica? E se não for, isso constitui um problema? Não seria a maior riqueza da música brasileira a pluriculturalidade?




Fico muito chateado quando encontro pessoas que vem com aquele discurso fabricado, mais ou menos assim: "Pô, eu só escuto música brasileira. Tenho que dar valor às coisas do meu país. Não gosto de nada que venha do estrangeiro." Ora, pensar assim é uma tremenda contradição, penso eu, já que nosso país é rico pela mistura incomum de elementos mouros, europeus, africanos, indígenas e quem sabe mais o quê. O Brasil não precisa ter identidade, porque assim, será residência de passagem de infinitas possibilidades. Ao meu ver, temos que ter senso crítico, não identidade.




Quando resolvi postar nesta tarde de quarta-feira, estranhamente nublada do fim de Novembro, me propus a escrever sobre artistas da música brasileira, que vez por outra são classificados como regionais, armoriais, sertanejos e etc. Mas que para mim, transcendem as expectativas de definição de gênero. Nos últimos dias tenho estado com a cabeça muito cansada. Hoje, quando cheguei da universidade, não foi diferente. Mas, ao invés de correr para os livros (o que seria mais correto), deitei-me no chão frio do meu quarto e fiquei escutando um disco de um autêntico artista "regional", Rolando Boldrin. Que maravilha, meus amigos! Rolando Boldrin foi, por muitos anos, apresentador do Som Brasil que passava na Rede Globo. Uma das imagens mais vivas da minha infância era que eu acordava muito cedo nos domingos, tão cedo que quando não assistia o Corujão III, assistia o desenho do Picolino. Logo na sequência passava um programa que meu pai não perdia por nada, o Som Brasil, com sua famosa abertura: "Amanheceu, peguei a viola, botei na sacola e fui viajar..." Meus pais são naturais da República da Estrela (isso dá outra postagem!), que são as cidades de Boa Ventura e Curral Velho, no Vale do Piancó, Paraíba. "Sertão das muié séria e dos hômi trabaiadô".




Dia desses, outra imagem da infância reavivou em mim, foram os filmes dos anos 80 dos Trapalhões. Os Trapalhões e o Mágico de Oroz. Lembro-me de Didi Mocó (Renato Aragão) e Soró (Arnaud Rodrigues) tendo a casa guinchada por um jumento no alto sertão cearense. Pois bem, esse mesmo Arnaud Rodrigues, serratalhadense, é um dos grandes artistas da música nacional, que além da valorosa carreira solo, criou em dupla com Chico Anísio, o mui original Baiano e os Novos Caetanos, cujo primeiro álbum de 1974 é uma das flores mais preciosas da música brasileira. Aqui em Pernambuco, como não destacar os armoriais da Banda de Pau e Corda, com letras poéticas e melodia irretocável.




Devido à influência dos meus pais, também tenho que destacar a influência do forró no meu gosto musical, embora não saiba dançar sem pisar no pé da minha companheira, e olhe que uma pisada minha deve doer! Luís Gonzaga sempre foi de lei aqui em casa. Músicas como "Frei Damião", "Meu Araripe", "Pau de Arara", "A Mula Preta" e por aí vai, ainda me emocionam. Aliás, me emocionam mais do que nunca, pois lembram um tempo bom que não voltará. Trio Nordestino e Assisão. Este último é um forrozeiro daqueles de levantar poeira de qualquer terreiro (Quem dança em terreiro hoje em dia?). Neste último São João eu estava em Gravatá e quem estava tocando lá na noite de São João? Quando escutei a primeira música pensei: "Eita, tão tocando a música de Assisão!" E o tal cantor continuou na sequência, cheguei mais perto do palco e pude ver que era o próprio Assisão que estava tocando, bem mais velho que a capa dos LP´s que meus pais tinham. Não resisti, liguei pra mainha e disse a ela que tava num show de Assisão em Gravatá. Ainda hoje aqui em casa, Assisão toca pelo menos uma vez por semana. Mas, não em LP, gravei um disco de MP3 com umas cento e cinquenta músicas dele.




Sá e Guarabira, Quinteto Armorial, Ednardo, Belchior, Pinduca... São alguns dos artistas nacionais que reverencio de coração. Estou escrevendo isso pra evitar os rótulos. Morro de medo de ser rotulado. Já pensaram, eu passando pelas ruas e o povo dizendo:"Eita, lá vai aquele cara que só escuta Heavy Metal da Ucrânia." Embora eu goste de umas duas bandas de Metal da Ucrânia, acredito que ultrapasso essas barreiras, além do mais, que bom que existe boa música pra que a gente possa ouvir em diversas ocasiões. Ah, chega de me retratar! Minha convivência com o DJ Portanov não deixa que eu caia em monotonia musical, mesmo que chamem isso de falta de autenticidade. Um abraço nos amigos e um beijo nas amigas que passam por este caminho.
obs: Depois que o SomBarato foi detonado, fiquei meio orfão de sites de download de música brasileira. Quer dizer, estava, agora achei esse. Vou "jogar" vocês na página de Rolando Boldrin, mas tem centenas de discos de dezena de artistas:
aproveitem e se alguém cobrar, bota na conta de Tião Galinha!

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Aberdeen Football Club







Vou fazer minha primeira postagem sobre um tema que é uma das minhas maiores paixões: o futebol (Aê, ele vai falar do Náutico!). Na madrugada do dia 21 de junho de 2002 (tive que procurar na internet, não decorei a data), o Brasil estava prestes a enfrentar a Inglaterra pelas quartas de final da Copa do Mundo da Coréia e Japão. Tinha acabado de instalar meu computador e a internet ainda era discada, lenta pra cacete. Resolvi entrar numa chatroom da BBC onde as pessoas falavam sobre futebol. Faltava duas, três horas pra começar o jogo e tanto os ingleses quanto os brasileiros estavam excitados ante a decisão que se aproximava. Na sala de bate-papo os ingleses estavam hostis para comigo, afirmando que o Brasil ia apanhar e etc. Me xingando, inclusive. Um escocês começou a defender o Brasil e me ajudando nos xingamentos para com os ingleses e tudo mais. O nome do cara é/era Jonathan Stephen, morador da cidade de Aberdeen, norte da Escócia. Depois de uma hora de chat, troquei os emails com o tal escocês. A partir de então, ele ficou me mandando links sobre o time da sua cidade, lembro-me que o primeiro foi uma matéria da BBC Sports sobre a vitória de 2x1 frente o Hibernian de Edinburgh. Na época, meu email era da AOL (hoje em dia nem me lembro mais o endereço) e depois abandonei o email e perdi o contato com o Jonathan Stephen. Mas, continuei a acompanhar os jogos da equipe vermelho e branco do norte da Escócia.






O Aberdeen FC, ou The Dons, é um clube muito tradicional da Escócia. Calma, aos poucos vou passando as informações sobre o clube e, como sempre digo, informações sobre o clube são facilmente encontradas pela internet. Quem acompanha um mínimo de futebol internacional sabe que há mais de 20 anos o campeonato escocês vive uma dicotomia extremamente monótona: os títulos se dividem entre o Celtic e o Rangers, os dois rivais de Glasgow. Os outros times brigam para ficar em terceiro lugar e conquistar uma vaga para a Copa UEFA. Entre os times tradicionais do campeonato escocês podemos destacar os dois grandes de Edinburgh: Heart of Midlothian e Hibernian, além do Dundee United e o Dundee FC (atualmente na segunda divisão).






Todos esses clubes que citei agora há pouco são importantes e já fizeram boas campanhas pelos campeonatos europeus, mas nenhum deles (exceto o Celtic em 67) conseguiu atingir a glória que o Aberdeen alcançou no fim dos anos 70 e início dos anos 80. Sob o comando do lendário treinador Sir Alex Ferguson, que está no Manchester United há mais de vinte anos, que ficou no Aberdeen por oito anos como técnico, o clube alcançou a hegemonia do futebol escocês e se fortaleceu o suficiente para disputar um torneio europeu com os milionários times da Espanha, Itália, Alemanha, França e Inglaterra. No ano de 1983, o trabalho do Aberdeen foi coroado, com um elenco de jogadores que na maioria eram escoceses e surgidos nas divisões de base do clube, os Dons foram disputar a European Cup Winners sem merecer nenhum destaque da mídia, apesar das goleadas sobre o Sion da Suiça. Os comandados de Alex Ferguson foram eliminando seus adversários de pouca expressão até chegarem no todo poderoso Bayern München, nas quartas de final da competição. Primeiro jogo em Munique, 0x0. Ferguson montou uma poderosa retranca para levar a decisão para o alçapão do norte, o Pittodrie Stadium. Em casa, o Aberdeen venceu o Bayern por 3x2, enlouquecendo a torcida e empolgando os atletas, que pegariam nas semifinais o Waterschei Genk da Bélgica, tão zebra quanto o Aberdeen. Os Dons comandados por um dos maiores goleiros da história do futebol escocês, Jim Leighton, além dos imortais McMaster, Cooper, McLeish, McGhee, Strachan e Hewitt, entre outros, não tomaram conhecimento dos belgas e golearam no Pittodrie por 5x1, indo pro jogo da volta folgados e perderam por 1x0. Chegara o momento da grande final, o jogo seria realizado em campo neutro, na cidade de Gotemburgo, Suécia, contra nada mais, nada menos que o poderosíssimo Real Madrid, o maior papa-títulos do futebol europeu.






Mais uma vez, o então jovem treinador Alex Ferguson arma um esquema de retranca, partindo nos contra-ataques e que foi coroado com um gol logo no começo do jogo, aos 7 minutos, 1x0. O Real empatou aos 15. O jogo segue com a pressão madrilenha e com Leighton fechando o gol. O segundo tempo continua com a incrível pressão espanhola, cansando seus principais jogadores até que o juiz apite o fim dos 90 minutos. Prorrogação. Primeiro tempo permanece no 1x1. No segundo tempo da prorrogação, a arma secreta de Ferguson, John Hewitt que ficara no banco até a metade do segundo tempo para pegar a zaga cansada, aparece de surpresa no meio da área, após um rápido contra ataque e fuzila de cabeça na saída do goleiro Agustín, do Real Madrid. Aberdeen campeão europeu de 1983. Até então, apenas o Celtic em 1967 tinha sido campeão da Champions League, mas agora a hegemonia dos Bhoys estava equiparada pela força dos jogadores da fria cidade de granito.






Vou aproveitar o sucesso do meu blog para pedir ao governo britânico que libere as transmissões de rádio, não apenas para usos futebolísticos, para os países que estão fora daquela ilha. Era muito bom acompanhar os jogos do Aberdeen pela Northsound, mas desde 2006 não é mais possível. Ainda bem que surgiu um novo site (justin.tv) que é possível assistir os jogos ao vivo. É isso, posso dizer que o Aberdeen é meu segundo time e tenho o sonho de algum dia assistir um jogo no histórico Pittodrie Stadium. Graças a meu amigo Tiago Perez, quando da sua estadia na Holanda, hoje eu tenho uma camisa dos Dons. Atualmente, o Aberdeen é um clube da faixa intermediária, que mantém a tradição de ter jogadores locais, diferentemente das estrelas do Celtic e Rangers, mas que possui valorosos jogadores como o atacante Lee Miller e o médio defensivo, Scott Severin. Os tempos são de vacas magras, mas a memória da Glória de Gotemburgo jamais será esquecida.






p.s: vou deixar o link dos gols da campanha de 1983. Vale a pena conferir!









Come on Yep Reds!

domingo, 23 de novembro de 2008

Pernambucanidade


Quando eu era pré-adolescente, pelas bandas de 1992 e 1994, apesar de muito jovem, conseguia reparar o marasmo cultural e social em que a sociedade pernambucana, principalmente recifense, estava mergulhada. O Recife que outrora gozava status de grande cidade brasileira, pujança e orgulho do Nordeste, ainda sofria da decadência do açúcar, decaindo há mais de um século no cenário nacional. Nesse período, quem era o grande ídolo da música pernambucana? Os eternos Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Reginaldo Rossi? Quem tinha coragem de usar uma camisa com a bandeira de Pernambuco? Que dirá cantar o hino completo!


A verdade é que em meados da década de 90 uma conjunção de fatores favoreceu uma revitalização da imagem do Estado e da capital. O historiador inglês Eric Hobsbawn (sempre ele, com justiça) organizou um livro chamado As Invenções das Tradições, em que mostra que várias sociedades modernas do ocidente, para legitimar a tradição burguesa, principiaram-se em tradicionalizar costumes que estavam esquecidos, ou até mesmo, inventar ritos e mitos para um fortalecimento da identidade nacional dentro desses novos valores. Hoje em dia, quando pensamos num cidadão usando uma saia xadrez, nos vem a cabeça que povo? Não vou fazer mistério, lógico que são os escoceses. Mas, essa tradição de se usar saias, sempre foi um motivo de orgulho para a nobreza escocesa? Definitivamente, não. O historiador Hugh Trevor-Roper, nesse mesmo livro que indiquei acima, mostra que os highlanders que viviam ao norte do país eram a grande vergonha da Escócia, seriam equivalentes ao que chamamos de matutos brabos, mal vestidos, insolentes, pobres, cuja música era sempre acompanhada da ridícula gaita de foles que lembrava tempos obscurecidos. A tradição burguesa incorporou-se desses valores que outrora envergonhavam o pensamento elitista e transformou em kitsch, sendo atualmente, símbolo nacional usar saias e tocar gaita de foles.


Aqui em Pernambuco, quiçá com cem anos de atraso, em meados da década de 90, inicia um processo de revitalização da sua tradição e de recuperação de uma cultura que sempre foi esquecida e ignorada pelo poder metropolitano. A imprensa local, a política, os artistas e formadores de opinião (você não vai colocar o nome de Rogêr, não?!) começaram a esmiuçar a cultura popular em busca de nossas verdadeiras origens pernambucanas! A revitalização do Recife Antigo, que até então tinha se tornado ponto de prostituição barata, de mendigos e desalojados, trará um novo palco, centralizado, para a exibição e amostragem da nova tradição pernambucana. Lembro-me muito bem que nesse tempo começaram a tocar o hino de Pernambuco na televisão, antes dos jogos de futebol, fizeram campanha nos meios de imprensa para decidir se colocavam uma estrela em cima do arco-íris da bandeira de Pernambuco. Fazia-se necessário tornar íntimo aquele símbolo esquecido e que agora erigira-se perante a população, como símbolo de orgulho e força frente o resto do Brasil.


Ídolos surgem, Chico Science e Nação Zumbi, Mundo Livre S.A., Eddie... bandas com nomes descolados e um som que mixava a força universal do rock com a nova tendência do momento, a vedete maracatu, que passara dezenas e dezenas de décadas, sendo a representação da cultura de cidades como Nazaré da Mata e outras da Zona da Mata do Estado. Coco, caboclinho, ciranda... esses ritmos da cultura popular vão ser absorvidos pela classe média recifense (onde mais tem classe média nesse Estado pobre?), não sem um tom kitsch, e o "mosaico Pernambuco" respaldado na multiculturalidade, começa a fazer fama pelo Brasil e dirá pelo mundo.


Atualmente é muito comum caminhar pelas ruas do Recife Antigo, numa daquelas sextas feira em que não se tem muito o que fazer e pouco trocado no bolso e dar de cara com um grupo de 20, 30 pessoas derramando suor pelas ruas e entoando a manjada batida do maracatu. O que chama a atenção é que quando reparamos no perfil desses "músicos" é que são todos jovens, brancos e de classe média e conduzindo a velha endumentária pernambucana, que vai da sandália de couro aos colares hippongas. Dia desses, reparei que num desses grupos de maracatu não tinha sequer um negro tocando, eram trinta jovens brancos e de classe média, buscando sua identidade regional.


Certa vez eu criei uma comunidade no orkut: "Eu Odeio Maracatu". Já deletei a pobre e polêmica comunidade, porque eu já estava tão incomodado com o rótulo que se criava ao meu redor, de não ser "amigo da cultura pernambucana". Além do mais, quando você conhece um(a) turista, de São Paulo por exemplo, você não vai levar ela pro Burburinho prá ouvir uma banda fazendo cover de Pink Floyd e Ira! Eles querem ouvir/ver as nossas coisas originais, que brotaram espontâneas da rua, a resistência cultural pernambucana. Uma vez uma menina que eu tava paquerando há semanas, foi visitar meu orkut e viu a comunidade, e ainda viu mais, viu que eu era o criador da comunidade. O sonho havia acabado. Ela disse: "Não acredito que você odeia maracatu! Eu adoro! Todo domingo eu toco com meu grupo lá em Olinda." Depois desse dia, eu parecia um bicho. Um amigo que hoje está distante, Cristiano Randau, dizia que a pernambucanidade dele começava na ponte da capunga e ia até os limites do mar. A minha vai da Várzea até o mar.


Ao final de tudo (e tome vasilina!), declaro que admiro algumas coisas da cultura pernambucana, o ritmo do afoxê, a capoeira, a cultura armorial (sem ideologias, por favor!) e por aí vai, sou um cara total flex, para usar uma linguagem da época. Apenas me utilizei desse blog para analisar certos comportamentos da nossa época e pra afirmar que toda essa leva cultural pernambucana só foi possível porque a burguesia regional resolveu se apossar dela. Se dependesse dos próprios continuadores da cultura popular, o batuqueiros ainda estariam na zona da mata, a ciranda em Itamaracá e Lirinha em Arcoverde (meu Deus, que mal que fizemos!) Abraço, meus amigos e não me levem muito a sério, eu mudo de opinião da manhã para tarde. Aliás, vou lembrar um ditado (que só pode ser medieval, trazido pela igreja pro sertão): "Do cavalo pro chão, ainda se pede perdão". Lirinha, você é o cara!

sábado, 22 de novembro de 2008

Skinheads na Rússia


Quem me viu nas últimas semanas deve ter reparado que me encontro com a cabeça completamente raspada. Alguns amigos se aproximam de mim, em tom de brincadeira (logicamente!), perguntando se eu virei skinhead ou coisa parecida. Não sei se meu tamanho um pouco robusto, juntamente com as tatuagens, formam uma imagem agressiva da minha pessoa, eu não me importo e quem me conhece, sabe que eu sou da paz (sempre!), e que jamais me envolveria com qualquer tipo de facção que usasse da covardia para atingir outras pessoas por causa de sua cor ou religião. O problema é que em alguns países da Europa, especialmente do leste, os grupos ultranacionalistas tem causado terror para imigrantes vindos de outros recantos do planeta.


Esse fenômeno vem se espalhando e se fortalecendo em países da antiga Cortina de Ferro, mais acentuadamente entre os que se dizem de etnia eslava. Através do youtube podemos assistir vídeos amadores feitos por estes grupos que afirmam a supremacia da "raça" branca e que querem suas respectivas nações apenas para os povos de tez clara e que sejam de descendência eslava. O mais paradoxal é que eles têm na figura de Hitler seu mais adorado messias. Ora, logo Hitler que matou mais de 5 milhões de eslavos na invasão do leste, muito bem retratada no filme Vá e Veja do diretor Elem Klimov, filmado em 1983.


A verdade é que a maioria desses membros de grupos ultranacionalistas não possui um alto grau de escolaridade, são desocupados ociosos pela vida moderna e que canalizam (usar uma linguagem de psicólogo) sua raiva seguindo idéias que nunca conduziram a humanidade a nada de positivo. Esses brutamontes nunca estudaram a história do próprio país, pois se assim o fizessem, não adorariam um dos maiores inimigos da História da Russia (incluindo ucranianos e bielorussos).


Alguém poderia definir etnicamente um brasileiro? Dizer que um brasileiro típico é branco, moreno, alto, olho escuro ou claro? Entre os russos, a variedade é menor, mas definir etnicamente um russo também não é tarefa muito fácil. Um cidadão russo pode ter aparência de um mongol, de um tártaro, de um iraniano ou de um finlandês. Também é um país mestiço. O que se entende por povo eslavo, motivo da reinvidicação dos skinheads russos, é um grupo étnico que assim se entende desde o século VIII d.C. O primeiro grupo a ocupar a região da Rússia e que eram indo-europeus, foram os Citas no século III a.C., depois os Sármatas e os Ávaros. Todos povos vindouros da região onde hoje é o norte do Irã. O primeiro reino eslavo organizado, foi a Grande Morávia, entre os séculos VI e VIII da nossa era e que compreendia um território que ocupava toda a atual Eslováquia, parte da República Tcheca e o todo o sul da atual Polônia até as margens do Rio Vístula (Wisla). Esse grupo vai se disperssar no século VIII, aproveitando-se do espólio do Império Romano, uma parte vai para os Balcãs, outra vai para o norte, onde hoje é a Polônia e outro grupo vai para o leste, da atual Ucrânia até a cidade de Novgorod.


A primeira miscigenação dos eslavos do leste foi com os vikings suecos, que em aliança com os eslavos de Kiev, formaram o Grão-Principado de Kiev, ou Russia Kieviana, no final do século VIII d.C.. Com a invasão de Genghis Khan (século XIII), toda a região ocupada pelos eslavos ficará sob o jugo dos tártaros, aliados dos mongóis e que nessa época eram recém convertidos ao Islamismo. Durante quase trezentos anos os russos foram vassalos dos povos da Ásia Central. Vocês acham que eles não se misturavam? Depois que o Reino de Moscou consegue unir as provícias e expulsar os tártaros, no final do século XIV, começa a expansão territorial para todas as direções, encontrando nos poloneses e germânicos, uma barreira no ocidente. Mas, com contínua expansão para a absorção e catequese de outras culturas.


Em suma, a intenção desta análise é mostrar que não existe uma única etnia na Rússia e o que esses ultranacionalistas exigem, não tem fundamentação histórica. Além do mais, a própria História da Rússia apresenta uma nação que sempre englobou outros povos, ou foi anexada pelos visitantes, mostrando uma heterogeneidade cultural. A dança folclórica e a música popular russa, imagem marcante do país, tem profunda influência da cultura cigana que penetrou o país no século XVI, vinda da India. A língua, religião e alfabeto receberam forte carga da cultura bizantina. Logicamente, que outros valores cresceram no seio da comunidade eslava, mas é preciso ressaltar que a grandiosidade da sua cultura provém da heterogeneidade do povo.


As tristes imagens que vos deixo nos links abaixos, são da atuação desses grupos neo-nazis, que agridem, covardemente, os imigrantes de outras etnias. Relembrando que em muitos vídeos, veremos o culto ao Nacional Socialismo alemão, maior inimigo do povo russo no século XX, que assombrou muito mais que os mísseis norteamericanos da guerra fria. Aqui em casa, tenho um cd de canções do tempo da Guerra, com discursos de Stálin clamando união ao povo para enfrentar a ameaça nazista e as canções populares ou militares conotando o pânico pelo qual a população passava. Ainda bem que esses grupos são uma pequena minoria no país, não deveriam nem existir. Atualmente, encontram refúgio nos estádios de futebol, utilizando-se da covardia para atacar pessoas indefesas nas ruas, parques e metrôs.


links do youtube:






quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Mestre e Margarida (Мастер и Маргарита)



Olá queridos visitantes, espero que estejam bem e que se o demônio estiver ao seu lado, que esteja bem intencionado. Hoje, resolvi postar sobre essa obra do grande escritor russo Mikhail Bulgakov, chamada Mestre e Margarida. Essa obra é, infelizmente, muito pouco conhecida no Brasil. Acho que na biblioteca da UFPE não temos esse livro. Conheci essa história através da minha professora de russo, a ilustríssima Larissa Chevtchenko, que juntamente com o outro aluno, Marcone, pegaram a cópia do filme pela internet. Na realidade, é uma série. São 10 horas de filme, onde todos os diálogos presentes no livro se encontram no filme. Detalhe: o filme é em russo e não tem legenda.

Quando eu estava viajando para o ENEH em Florianópolis, no ano de 2006, conheci uma estudante paranaense, chamada Máira, que por coincidência, tava terminando de ler Mestre e Margarida que ela tinha tomado "emprestado" (tomara que ela não fique chateada com esse furo de reportagem) da biblioteca da UFPR. Travamos amizade e ao último dia do congresso, ela me deu o livro, um tanto comprometido. Comecei a ler na volta no ônibus e o livro, simplesmente, me prendeu. Bulgakov, que era muito querido por Stálin que adorava assistir suas peças, escreveu o livro entre 1936 e 1940, mas só o pode divulgar em 1960, depois da morte de Stalin, quando a literatura pôde se desintoxicar um pouco da fuligem do calabouço.

O livro, que é uma grande paródia ao período stalinista, se passa na Moscou dos anos 30, onde a comitiva de Satanás vem banquetear-se com os mortais. Na primeira cena, o demônio, ou melhor, o Professor em ciências ocultas, Woland, está passeando pelo Largo do Patriarca, numa tórrida manhã de verão e dá de cara com um famoso literato, Berlioz e um jovem poeta, Ivan Biezdomny. Os dois conversando sobre Jesus enquanto personagem histórico. Se ele realmente teria existido e se tudo acontecera como as pessoas acreditam até os dias de hoje. Woland se interessa pelo assunto e pede para intrometer-se na conversa. A partir daí começa uma belíssima narração onde Woland começa a contar detalhe por detalhe o dia da execução de Cristo, seu debate com Pilatos e o "sopro" que ele teve que dar no ouvido de Caifás para condenar Jesus. Meus amigos, possam crêr, a narrativa da morte de Jesus pelo demônio é comovente! Por mais que pareça uma heresia, o demônio nutre um profundo respeito pela figura do Cristo.

A partir de então, a comitiva do demônio, composta pelo Professor Woland (ele próprio), Koroviev, Azazello e um gato preto enorme que anda nas patas traseiras e fala, chamado Behemoth, vão fazer as maiores estripulias na cidade. No Teatro de Variedades vão dar uma sessão de ilusionismo que vai causar furor entre os cidadãos moscovitas. Ainda nos dias de hoje, o apartamento número 50 da Rua Sadovaia é ponto turístico no centro de Moscou.

Não vou narrar toda a história porque quero que vocês leiam e sintam a culpa e o arrependimento de Pilatos e a ironia do escritor para com o stalinismo, desde o debate sobre a existência de Jesus enquanto personagem histórico até o show de ilusões no Teatro de Variedades. É uma crítica muito sutil ao regime socialista. Por favor, não venham me dizer que o stalinismo não é socialismo! O Brasil é o único lugar do mundo em que os burgueses são comunistas e o socialismo é cristão.

No final de tudo, a história do Mestre e seu romance com Margarida se tornam coadjuvantes, à medida que a trama vai se desonvelvendo até culminar no Grande Baile de Satã e na libertação de Pilatos. Falando tantas sandices, fico me colocando no lugar de vocês, devem pensar que não estou falando coisa com coisa. Implorei a Rodrigo que lesse o livro, prá ter com quem debater, depois de muito insistir, ele começou a ler e não conseguiu se separar até terminar. E debatemos sobre o livro e acrescentou bastante ao aprendizado (nossa, quanta pedagogia!) Chega, leiam o livro!