terça-feira, 28 de junho de 2011

The Earth is Blue

Eu tinha planejado estudar o dia todo hoje. Aliás, o plano ainda não foi abandonado. Se escrevo aqui é para me livrar de um pequeno fantasma que me aparece entre as páginas do livro de Joseph Frank. Um fantasma com rosto de anjo e que fez um grande reboliço neste coração velho. Talvez eu deva contar um pouquinho desta íntima história.

No dia 12 de abril de 1961, o cosmonauta russo, Yuri Gagárin, numa pequena lata de ferro, com uma janelinha de observação, pôs seus miúdos olhos na janela e se espantou com a figura de nossa grande mãe vista de longe. Ele viu o sulco dos rios cortando a terra, as fazendas e montanhas, e disse, poeticamente: "A Terra é azul". No dia 12 de abril de 2011, cinquenta anos após Gagárin, eu saía de uma palestra na faculdade de economia e business, INEKA, e conheci uma das moças da platéia, K. C., e sem saber muito o que conversar diante dos seus olhos azuis, perguntei, como um tolo, se ela estava feliz com o cinquentenário da ida do cosmonauta russo à órbita. E a Terra passou a ser azul pra mim também.

Hoje, ela me mandou uma foto no jardim, em pleno verão do hemisfério norte. E lá se
foi meu plano de estudar o dia todo... Como prometido, vou deixar o quarto disco dos cinco que marcaram a viagem: Damon and Naomi: The Earth is Blue (2005). Coincidência, ou não, era nosso álbum favorito. Não me permito falar muito mais, em respeito ao inefável e à esperança. Destaco as canções "second life" e a versão linda de "Araçá Azul" de Caetano Veloso. Após dividir essa angústia distante com vocês, vou tentar voltar aos livros, mergulhar no sonho outra vez, assim a nave vai...

Damon and Naomi - The Earth is Blue (2005): http://www20.zippyshare.com/v/32159177/file.htm

Notas Sobre a Pobreza

Ontem, eu assisti a propaganda do Governo Federal: “num sei quantos milhões deixaram a pobreza. Nossa próxima meta é extirpar a miséria.” Assim, a miséria está colocada num patamar acima da pobreza, restando à segunda opção, o posto de maior flagelo da humanidade. É onde eu gostaria de questionar essa imagem desestimuladora da pobreza, que a meu ver, molda muitos comportamentos dentro da moral e da ética do povo brasileiro.

A Rússia, em linhas gerais, apresenta uma população mais pobre que a brasileira. Lá, 90% da riqueza do país, se encontra nas mão de apenas 3% da população. São magnatas, homens-fortes do gás e do petróleo, membros do governo e ex-poderosos da KGB. Mas, o cidadão-comum, este sofre pra sobreviver. Vou dar um exemplo que ocorreu comigo: morei na casa de uma família que constava de quatro membros, todos adultos, e que trabalhavam oito horas por dia para conseguirem se sustentar. E mesmo com todos trabalhando, comer carne era um luxo dedicado aos finais de semana. E não era maminha, ou picanha, mas linguiça e outras carnes menos nobres. O cogumelo fritado substituía a iguaria animal, pois era bem mais barato. Mas, numa sociedade mais pobre que a nossa, de acordo com as leis econômicas, a violência deveria ser maior, uma explosão de saques e de banditismo. Mas não, mesmo a Rússia sendo pobre, durante os três meses que estive lá, não fui assaltado, e mais, nunca escutei relatos de amigos ou de conhecidos que reclamariam a perda da carteira, do carro, do celular, do dinheiro sacado no banco. Quando íamos para um barzinho e bebíamos até às duas da manhã, eu oferecia para uma amiga o dinheiro para que pegasse um táxi, pois não seria seguro para uma jovem dama caminhar sozinha na rua, pela madrugada. Ela me retrucava: “ora, deixe disso, não tem perigo.” No Brasil, principalmente em Recife, não dá pra imaginar uma cena dessas.

Aliás, falando em cena, semana passada, enquanto estava preso no engarrafamento da Avenida Caxangá, presenciei a chegada de dois homens numa moto Titan 125 preta, à minha frente tinha um Fiat Uno, daqueles antigos, verde-escuro. O carro estava encurralado pelo engarrafamento e pela parada de ônibus do lado esquerdo. O motoqueiro ficou observando a situação e dando cobertura, enquanto seu comparsa desceu com um revólver preto, numa atitude rápida e agressiva, empurrou a arma contra a têmpora do motorista. Eu estava no fusca com a maioria dos meus pertences de valor: computador, mala com roupas e o próprio fusca. Não tenho muita coisa mesmo. O motoqueiro olhou para mim para se aperceber do meu comportamento, se eu estaria anotando a placa ou coisa parecida. Baixei a vista, ainda assustado pela possibilidade do segundo ataque, mas os bandidos fugiram na moto. Foi um minuto de respiração suspensa e adrenalina nas alturas. Mas, não é o assalto em si, o tema desta postagem, mas saber até que ponto a pobreza é motivação para o crime. Duvido que aqueles bandidos estivessem passando fome. O ladrão brasileiro rouba pra ostentar, pra demonstrar poder numa terra sem lei. Na sua favela, ele é o cara, manda e desmanda, e rouba pra ter mais, não pra suprir a necessidade alimentar. Ele rouba pra comprar droga ou uma camisa de marca, jamais para comprar feijão, por exemplo.

Aí entra um pensamento meu, que não é baseado em teorias ou pesquisas, o que pode até enfraquecer minha idéia, mas é a questão que o brasileiro tem vergonha da pobreza. Mesmo algumas pessoas mais pobres, gostam de ostentar certa imagem de importância, escamotear sua real situação. Na Rússia, as pessoas não tinham vergonha nenhuma em se assumirem pobres. Tive um rápido relacionamento com uma garota (só passei 3 meses lá) e a sua pobreza nunca foi motivo de vergonha, nem de empecilho, nem de qualquer obstáculo à sua nobreza de caráter. A miséria é deprimente, mas a pobreza chega a ser bonita em sua simplicidade. Conversando com meus amigos, Bebeto e Karuna, discutíamos sobre as aspirações financeiras para o futuro. Ter dinheiro para viajar é uma das maiores satisfações da vida, mas eu confessei pros meus amigos que tinha medo de ter muito dinheiro, porque a pobreza te mantém humilde, e este sentimento de humildade é uma das maiores riquezas espirituais possíveis. É lindo quando nos deparamos com uma pessoa muito rica, que não se envergonha de conviver com pobres, ajudar e participar de seu cotidiano. Mas, possuir uma grande quantidade de dinheiro, te deixa desconfiado dos que te rodeiam, te põe numa defensiva paranoia em relação às amizades e a sensação de poder experimentada pode, quase sempre, te levar à arrogância para com os irmãos.

Eu me considero pobre, mas tenho casa própria e um fusquinha, me divirto uma vez por semana, mas sou pobre. É preciso que haja a distinção entre a miséria e a pobreza, e que a segunda deixe de ser uma doença social ou um crime, e passe a ser enxergada com uma riqueza espiritual mais abrangente. Ser pobre é ter o básico. Mas, nosso mundo consumista quer nos empurrar para a catástrofe da competição, que coloca a pobreza no mais deplorável dos estados humanos, estimulando os homens a obter, a qualquer custo, a riqueza material dos seus semelhantes. O Brasil precisa ser, moralmente, repensado.

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Vininha, Velho Saravá


Este é o terceiro disco da série de cinco que prometi postar. Não farei muitos adendos pra não ser repetitivo. Mas, esse "disquinho" de 1974 é uma jóia, todas as composições são agradáveis e com aquela majestade boêmia que os autores constroem, como ninguém.

Aqui em mim, está tudo bagunçado, como sempre. Como é duro trabalhar! Mas, no disco, tudo na mais perfeita ordem, tudo na mais santa paz.









domingo, 12 de junho de 2011

É Muita Chinfra!


Eu prometi postar cinco discos que marcaram meus 3 meses na Rússia, pois bem, com um tanto de atraso vou tentar cumprir minha promessa. Ouvir música faz parte do meu viver, como se fosse uma trilha sonora constante de tudo o que faço. Escuto música até pra estudar, pois creio que a música barroca ajuda, tanto quanto um copo de café, na concentração. Hoje, dedico meu segundo disco da série Viagem à Rússia (calma, eu sei que parece que vou viver de um eterno efêmero passado) ao Trio Pouca Chinfra e a Cozinha, grupo de samba de Recife. O mais recente álbum da Chinfra (2010), é uma das melhores pérolas da música recente do Brasil, e confesso que sinto um tantinho de orgulho do sucesso da rapaziada e vou explicar o por que:

Não tenho muita certeza de qual ano foi fundado o citado grupo de samba, mas minha primeira lembrança do nome Pouca Chinfra foi quando meu velho amigo Carlos "Cacau" Holanda, me convidou pra um sambinha na cachaçaria da Rua da Moeda, Recife Antigo, por volta de 2005. Dizia ele: "Dodô, meu irmão Dedeco, tá tocando num grupo de samba que toca vários covers dos Demônios da Garoa, vamo nessa!" E fomos. Bem, das primeiras lembranças o que fica era aquela impressão de que tudo era improvisado e bagunçado, mas muito legal, levado no peito e na raça. Aos poucos, a pequena cachaçaria ficou pequena pra tanta gente que se espremia naquele calor infernal. Sempre com muita gente bonita acompanhando os shows, a Chinfra foi pro primeiro andar do Pina de Copacabana e, pra variar, casa lotada todas as sextas. O negócio começava a ficar sério e a rapaziada também começou a caprichar nas notas e na percussão. Bem, daí pro sucesso na cidade inteira foi um pulo. Hoje, eles apresentam este disco que vou deixar no final desta postagem pra vocês, muito bem elaborado, com letras inteligentes e uma jovialidade muito boa.

Esse disco do Pouca Chinfra me faz lembrar dois momentos em que o escutei enquanto estava na Rússia. O primeiro foi quando eu estava em Chelny, no Tartaristão. Era uma noite de segunda, estava na transição do inverno pra primavera, fazia -2 graus e eu não queria ficar em casa. Peguei o Ipod e decidi comprar cigarro e uma cerveja, enquanto dava uma volta pela vizinhança. Cheguei no mercadinho e pedi um Marlboro e, envolto na brasilidade da música, esqueci de pronunciar como os russos, ou seja, Marlbara (a letra O em russo, quase sempre tem som de A). A mulher disse que não tinha esse produto. E eu mostrava, "olha ele alí, olha ele alí". Pronto, um cigarro e uma Heinekken de meio litro. Caminhei pelo bairro da Zyab naquele frio e como me sentia próximo do Recife ao escutar a voz do meu amigo José "Macaco" Demóstenes. Poxa, chegava a ficar com olhos marejados ao me lembrar que desde o comecinho, naquela bagunça da cachaçaria, o Pouca Chinfra fazia, agora, um disco tão bonito, que merece ser escutado por todo mundo. A segunda lembrança foi mais alegre, estava caminhando na Avenida Niévski em São Petersburgo, distribuindo sorriso para as beldades que passavam, cheio de auto-confiança. Destaco as músicas "traseirando", "carmelita", "rainha da bateria" e "finarmente". Não duvide, meu caro, minha cara, você pode encontrar boas letras no cenário atual!


quinta-feira, 9 de junho de 2011

Os Negros da Oficina

Certas imagens que fazem parte do nosso passado se perdem na trivialidade da rotina, mas hoje, ao conduzir meu velho Volkswagen 78 para a biblioteca da universidade, observei naquela rua de barro, cheia de buracos, que o chefe da oficina que fica há dois quarteirões da minha casa e que funciona desde que me entendo por gente, estava velho, de cabelos brancos, e circundava uma Brasília antiga, meneando sua velha carcaça, buscando soluções. Hoje ele trabalhava sozinho, era manhã alta, umas 9 horas, os seus irmãos deveriam se juntar ao trabalho em breve, talvez estivessem dormindo ou não houvesse, simplesmente, trabalho. É uma oficina mecânica familiar, composta por três irmãos, negros fortes.

Durante muitos anos, aquela rua onde os irmãos da oficina trabalhavam, com seus carros velhos, a roupa suja de graxa, a casa escondida entre os pés de acerola e pitanga, com suas esposas e filhos a circundarem a garagem da oficina, a música de Roberto Carlos no começo de noite de domingo, representava pra mim um local de segurança em nosso bairro assombrado por bandidos espertos. Sempre que voltava da faculdade, tarde da noite, entrava naquela rua mal iluminada, apenas por confiar que naquela casa existiam homens fortes e valentes, que nenhum ladrão ou bandido consentiria em traquinar numa rua onde aqueles trabalhadores faziam a defesa do território. Eles eram os paladinos do bairro.

Minha visão sobre os negros da oficina tem uma explicação: quando eu era criança, meu pai tinha um pequeno comércio, que infelizmente, nunca deslanchava, mas estava sempre aberto no horário comercial. Passava as manhãs de férias com meu pai e, numa daquelas bem quentes de um dia qualquer, ouvimos um alarido na rua do lado. Uma gritaragem, um escarcéu provocado por uma voz feminina: ladrão, ladrão! O meliante tinha fugido com a bolsa e o relógio da mulher. Meu pai, sempre curioso com esses casos, precipitou-se pra rua e ordenou-me ficar tomando conta do pequeno comércio. Não tive dúvidas, desobedeci e fui atrás do velho. Quando dobrei a esquina, avistei o ladrão caído no chão a ser aporreado, como um cavalo atropelado na estrada é degustado pelos urubus, pelos negros da oficina. O ladrão ficou caído no chão, a polícia foi chamada. Os pertences da mulher foram restituídos. O bandido foi-se no camburão. A população agradecia aos irmãos mecânicos. Eles foram os heróis de uma manhã monótona no subúrbio do Recife.

Minha mãe, mesmo depois de crescido, sempre me orientava: “Vá pela rua da oficina que é mais segura.” Involuntariamente, faço este percurso, como o fiz hoje, embora os negros da oficina já estejam velhos, de cabelos brancos e não se acordem mais tão cedo pra trabalhar.