terça-feira, 30 de junho de 2009

Além do Horizonte

Não é da música de Roberto e Erasmo Carlos que quero falar, mas da busca humana pelo eldourado, pelo paraíso perdido. Aliás, a própria música dos referidos cantores já alimenta essa idéia, quando diz: "Além do horizonte deve ter um lugar bonito pra viver em paz...". Toda nossa necessidade de prospecção e construção, provém de uma vontade de melhorar, modificar o que está, constantemente, imperfeito. A inquietação humana transformou a fragilidade natural em volúpia de dominação. Hoje, estive ouvindo a trilha sonora do filme de Ridley Scott, 1492 - A Conquista do Paraíso pelo grego Vangelis e, imediatamente comecei a imaginar o quão fastidiosa foi a empreitada das navegações oceânicas. Aos grandes heróis como Bartolomeu Dias e Vasco da Gama, o louro e o vigor da glória: Lusíadas! Mas, aos que se aventuraram e fracassaram no alto mar, o esquecimento foi a retribuição. Uma cena vislumbrou-se aos meus olhos.

Em meio ao oceano, após longos dias de viagem, entre calmarias e sobressaltos, os marinheiros de uma nau desconhecida, se encontram envoltos numa tempestade. As nuvens desceram ao encontro dos homens, queriam saber o que audaciosos personagens haviam de fazer em cenário inóspito. Ventos aterrorizantes importunam a embarcação. Ondas epopéicas não perdoariam os infaustos guerreiros do mar. Sibilam os últimos ventos de uma agressiva existência. A nau descança em seu repouso submarino. Ainda um último marinheiro, se agarra a uma reminiscência flutuante, e bóia agarrado à madeira salvadora. A tormenta se desfaz. O guerreiro mercante contempla, do alto de seu desespero, a mansidão do mar. Distante milhares de quilômetros da sorte de um Robinson Crusoé, abandonado pelos deuses e sem a insígnia de Ulisses, agoniza lentamente por sobre uma das mais fantásticas forças da natureza: o reino de Netuno. Então, o homem se dá conta de sua posição perante a natureza e se deixa convalescer.

Esses dias, estive lendo O Maravilhoso Mágico de Oz de Frank Baum e a fascinante personagem Dorothy, a solitária menina do Kansas, chamou-me a atenção em sua persistência em querer voltar pra casa. Enquanto vivia com os tios, desejava o colorido das brincadeiras e a interação da mágica da infância, impossível de se realizar naquele ambiente cinzento. Mas, ao se ver perpetrada no reino de Oz, tudo o que mais deseja é voltar ao aconchego da paz familiar. Assim também somos nós, inquietos interpretadores do mundo. Constantemente enuviados pela decifração do viver, da prática de coexistir.

O homem em território adverso não passa de uma frágil presa da natureza. Mas, ao clamor da necessidade, o homem encontrou um ambiente onde pudesse ser senhor de si, governador de sua vontade, operário do destino, cosmus triunfantis. Esse lugar é a cidade moderna. Onde o homem não haveria de disputar força com outras bestas, mas em favor da razão, justificaria sua supremacia sobre os demais, inclusive sobre a natureza. Não me apraz conhecer as garras do urso, a visão do falcão, os dentes do crocodilo. Na grande cidade só há espaço para o que é racional e até nossas disputas são justificadas pelo viés da iluminação. Filho da luz elétrica!

Sábio é o homem que não se deixa envolver pelos disfarces do mundo. Como diria Luiz Costa Lima, é o capaz de bem nomear os denominadores comuns. Em seu tempo, o filósofo platônico, Sócrates, reconhecia a realidade pelo pressuposto da semelhança. Outros filósofos, modernos, reconheciam pela diferença. Mas, todos esses reconhecimentos, meus amigos, levaram-nos a algum porto seguro? Calma, não estou reduzindo a filosofia à prática. Ou seja, se a realidade é tosca, devemos abandonar as grandes idéias. Não. Mas, nesse habitat humano que é a cidade, cativeiro de ilusões, é totalmente improvável arvorarmos praticar algo que nos seja capaz de tornarmos mais solidários. Esse é um espaço de disputas, onde o antigo navegador não compete com as titânicas forças da natureza, mas com o suposto irmão em luz.

Ah, meus amigos, como gostaria de ter a certeza que em algum lugar desse mundo fosse possível viver verdadeiramente em paz! Para lá me mudaria. Pensei em fazer concurso para alguma cidade do interior, vislumbrando uma pequena propriedade, longe das competições urbanas. Porque o homem, após compreender, ou tentar compreender, a existência conjunta, tende a querer voltar a uma suposta Era do Ouro, um destino romântico, longe das novidades. Assim, Dorothy desejou voltar ao Kansas, o marinheiro abandonado pelos deuses desejara o sossego do lar ou algum destino menos obtuso. Ivan Karamazov confessa ao seu irmão Alexei que toda vez que vê uma criança morrer de fome, em nome da racionalidade humana, sente vontade de devolver o bilhete premiado que nos conduziu a este universo. A maldição de quem quer interpretar o mundo é a subtração solitária ou a elevação pedante. Dizia Albert Einstein que é miraculoso que o mundo se revele compreensível. É maravilhoso como podemos atribuir sentido a uma coisa tão fluida como a vida, dar unidade a algo que nos escapa, e essa visão também serve ao nosso olhar para o passado, ainda mais indomável.


quinta-feira, 18 de junho de 2009

Odomiro

Numa noite de quarta-feira de 1981, um anjo que não me recordo o nome se vira para Deus e diz: "Senhor, esse menino se chamará Odomiro. Há quantos anos não aparece um Odomiro nessa fábrica!? Com que características ele vai nascer?" Deus, como sempre, muito atarefado, não se lembrava de como o último Odomiro viera à Terra, nem das misturas de personalidade, caráter e visual que haveria de compôr a jovem criança que estava pronta para sair da fábrica. Outros anjos traziam novas crianças com nomes mais comuns e ele abençoava rapidamente: Pablo, Josef, Kim, Ekaterina, Maria, Hassan, Wang... e Odomiro tinha-se ido sem que Deus tivesse se lembrado de dar um destino à criança.

Assim, comecei minha ordinária jornada pelo planeta. Nem rico nem pobre, nem bonito nem feio, nem estúpido nem inteligente, nem romântico nem moderno. Quanto ao meu nome, durante minha infância me envergonhei por diversas vezes da estranheza que a alcunha me encubia. Nos primeiros dias de aula, enquanto a professora fazia a chamada, os nomes iam passando: Maria Danielle, Maria Juliana, Natália, Nélson, Norma... e a vergonha que alguém debochasse me fazia tremer e, para completar o drama, a professora sempre errava o nome: O-Odo-Odorico. Não! Odomiro. Ufa! Apressava-me para gritar: presente, professora! Pronto, a aula poderia começar. Com o passar dos anos fui me acostumando, também com o apelido de Dodô que veio na adolescência ajudava a diminuir o peso de ser Odomiro. Mas, outro equívoco se apresentava. Quando dizia que meu nome era Dodô, as pessoas perguntavam: "É Dodô de Dorival? De Domingos?" Não, é Dodô de Odomiro. E quando esse assunto caía exatamento no momento de uma paquera, ficava todo vermelho.

Quando da visita do adido cultural da Rússia, o Sr. Alexander Baulin à Recife, fiquei encarregado de fazer um tour pela cidade com ele e sua família. Enquanto atravessávamos do marco zero para a escultura fálica de Brennand num barquinho de pescador... Calma! Deixem-me fazer uma defesa de minha empresa turística! Na verdade, o filho do adido cultural, um jovem rapaz, resolveu que queria remar até a borda, então alugamos um barquinho de pescadores por 2 reais e atravessamos. Ainda bem que não aconteceu nada de errado, pois pela morte de um embaixador em Sarajevo, a Primeira Grande Guerra começou. Já pensaram a manchete? Melhor nem imaginar. Voltando às origens do nome, o adido perguntou se eu tinha esse nome por causa da origem eslava, pois era um nome russo antigo. Sim, vários príncipes russos se chamavam Vladimiro, Teodoro. Respondi que não, mas que meu nome tinha uma origem quase tão imperiosa quanto os príncipes da Rússia. Descendia da imponente cidade de Boa Ventura, alto sertão da Paraíba, onde meu pai, também Odomiro, recebeu esse nome da minha avó, sra. Ercília, sem nenhuma explicação racional. Talvez, ela achasse bonito o nome ou o homem do cartório tenha escrevido errado pensando que seria Valdomiro.

Hoje, com a maturidade (até parece!), eu gosto do nome e acho que ele me representa muito bem. Uma pessoa que gosta de músicas do Azerbaijão, estuda história da Rússia medieval, crescido no subúrbio do Recife, aspirante a crítico de Dostoiévski, torcedor do time de futebol mais helênico do mundo, escrachado e envergonhado. Definitivamente, não poderia me chamar José Severino da Silva. Ser Odomiro é quase como ser um flanêur. Não acredito em maniqueísmos, não tenho religião, mas também não ouso desafiar Deus. Não me importo com a política. Não gosto dos que estão sempre certos. Gosto do que me faz pensar, transceder. Pouco me atrevo a intervir no presente, mas tenho uma fascinação surrealista pelo futuro e realista pelo passado. Ser Odomiro é desdizer tudo o que disse acima, pois talvez tenha medido as palavras pra agradar. Ser Odomiro é passar a vida tentando construir um curriculum vitae e ao final perceber que só me interessam as pessoas capazes de não se envergonharem de seu curriculum mortis. Ser Odomiro é depois de viver essas tribulações ainda colocar o nome do filho de Odomiro III. Mas, isso só depois que o anjo se esquecer de que ainda estou por aqui.

"Confusion will be my epitaph.
As I crawl a cracked and broken path
If we make it we can all sit back and laugh.
But I fear tomorrow Ill be crying,
Yes I fear tomorrow Ill be crying."
(King Crimson - Epitaph)

segunda-feira, 15 de junho de 2009

A Estrada de Atapuz


Atapuz é uma praia do litoral norte pernambucano. Na verdade, uma vila de pescadores, com muito poucas casas de veraneio, sendo o grosso da pequena população formado por "nativos". O litoral norte pernambucano conserva uma aura de certa preservação, de não ter sido engolido pelos grandes resorts destinados aos ricos turistas europeus e/ou do sul e sudeste. É comum escutarmos alguns investidores imobiliários da região reclamarem da pobre infra-estrutura destinadas às praias do litoral norte. Esta semana, os moradores da praia de Atapuz, município de Goiana, reclamaram através da Rede Globo que a estrada que liga Atapuz à BR que vai até a praia de Ponta de Pedras, está em condições terríveis. Estive em Atapuz há menos de 2 meses e posso dar testemunho que a estrada está em péssimas condições, com buracos e atoleiros para todos os lados. Os moradores reinvidicaram o asfaltamento da pista e o DER prometeu para o mês de Setembro a conclusão das obras. Aí, venho eu e pergunto: "Será que asfaltar a estrada de Atapuz vai trazer benefícios reais para a população local?"

Entendam-me, não estou sendo contraditório, pois se disse que a estrada estava péssima há dois meses como posso ser contrário ao asfaltamento da pista? A questão é um pouco mais delicada. Atapuz é um paraíso da tranquilidade. Por suas ruas de barro (não existe nenhuma rua asfaltada) não passam aqueles carros com o som explodindo tocando axé ou pagode, nem aqueles malditos quadriciclos dirigidos por crianças capazes de atropelar outras crianças, nem o burburinho incessantes das festas badaladas. O turista que se arrisca a ir à Atapuz está interessado no sossego, na preservação da área de mangue, no ecoturismo, no silêncio da noite e na localização das milhares de estrelas disponíveis.

Para os moradores nativos realmente deve ser muito complicado e, eles tem a preferência sobre as decisões, afinal são os que vivem aquela realidade. Imaginem uma criança com febre numa noite de chuva? Apenas com muita perícia e sorte, o condutor conseguiria sair de Atapuz e entregar a criança aos cuidados médicos. Também é complicada a situação de quem trabalha fora de Atapuz, por exemplo em Goiana ou em Recife. O asfaltamento da estrada poderá trazer novas empresas, novas pousadas, turistas, ampliação dos mercadinhos...

O que mais chama a atenção em quem visita Atapuz é a conservação da área de mangue. A praia não tem ondas propícias ao surf ou outros esportes do tipo, é uma reserva natural, um estuário onde a natureza funciona em perfeita harmonia. As águas não são poluídas, a população vive da pesca e da colheita de frutos do mar, enfim, o ambiente é saudável para todos que visitam. Mas, quem garante que o ecossistema será preservado com a possível chegada de novos turistas? Esgoto, lixo, poluição sonora e visual. Todas essas intempéries virão com os turistas. Não sou contra a chegada do asfalto, mas ficarei triste se em poucos anos, Atapuz vier a se transformar numa praia badalada ou coisa do tipo. Quando eu era criança, Porto de Galinhas era uma pequena vila de pescadores e hoje é uma cidade com todos os prós e contras.

Essa semana estava visitando sites e blogues do sertão da Paraíba, para saber notícias das regiões de onde meus pais vieram, o Vale do Piancó. Pois bem, uma notícia me chamou a atenção: os moradores do município de Nova Olinda colocaram uma placa na cidade reclamando que as operadoras de celular não chegavam lá, mas que tinha chegado na vizinha cidade de Santana dos Garrotes. A chegada do requerido sinal colocará de vez a cidade de Nova Olinda no rol dos municípios integrados à modernidade. Quem sabe, em breve, os moradores terão o luxo de enfrentarem um engarrafamento, respirarem monóxido de carbono, apressar-se em nome da burocracia.


Repito que não sou contra a vontade popular. Quem mora em cada cidade que decida o que vai ocorrer de mais proveitoso para si. Apenas quero defender as particularidades. Acredito que Atapuz seja um paraíso de tranquilidade e que a cidade não tem, ainda, infra-estrutura para receber uma explosão demográfica de turistas. Talvez, seja interessante adotar o modelo empregado em Fernando de Noronha, onde o número de turistas é regulamentado e o turismo ecológico, tentando manter o ecossistema preservado, é a base da economia local. Estou aqui, no meu cantinho, pouca coisa posso fazer perante o dragão de sete cabeças que é a burocracia governamental, mas deixo meu pitaco: se asfaltarem a estrada para Atapuz, que o façam de forma organizada, para que o que é realidade hoje não se torne lembrança fotográfica no futuro.

quinta-feira, 11 de junho de 2009

Um Davaneio Sem Humanos

Não sou Martin Luther King, mas eu tive um sonho. Um sonhar acordado. Dir-se-ia um delírio, mais exatamente. Uma profecia a respeito do futuro da humanidade. Peço aos deuses que me iluminem nessa difícil jornada que promete ser a narração dessa imagem do futuro. Como será o mundo daqui há cem mil anos? Quem contemplaria o apocalipse dessa efêmera natureza chamada homem?

Do alto de sua onipotência, Deus, o todo-poderoso, acostumado a observar o vagaroso polvilhar das montanhas, o vai-e-vem dos oceanos, as transformações de florestas equatoriais em desertos infinitos, analisa com ar de reprovação as desmoronantes criações de suas criaturas. Agora, o planeta, num fim de tarde sem calendário, rui: os prédios de uma civilização imponente erguem para os céus suas lascas de ferro oxidado à pedir perdão por se ostentarem imperiosas algum dia. As casas do interior foram engolidas pela terra, o mar submergeu cidades litorâneas, rios foram sorvidos para aliviar a azia da fúria magmática, magnânima. Teria o homem migrado para algum outro lugar? Escapado de seu cativeiro terrestre?


Ao criar o homem, Deus também o castigou. Concedeu-lhe poucos anos de vida, pouca inteligência, natureza demais. De épocas em épocas, Deus recriaria o homem, assim como se pode comprovar em fenômenos inexplicáveis ao redor do mundo como os vestígios totêmicos na remota Ilha de Páscoa. São resquícios de uma outra era. O que restará da nossa para a que vingará nos próximos milhões de anos? O homem adâmico, outrora, evoluído e harmonioso, conquistador do universo, fôra castigado a recomeçar, primitivamente, sua jornada. Voltaria a ser macaco, um racional e, pela necessidade de transceder, não estaria mais no planeta: voltaria ao seu estado adâmico ou se extinguiria. O homem seria, então, um sonho de Deus. Uma tentativa, falha, de materializar uma aspiração divina.

Após malfadadas tentativas de harmonizar sua condição, sua relação com o planeta, o homem desaparecera da Terra. Neste fim de tarde silencioso, com albatrozes a circundear o litoral, a luz do sol avermelhada reproduzindo espectros de diferentes tonalidades entre as nuvens triunfantes, a natureza em sua perfeita simbiose parece não sentir falta do homem. Mas, eu, antes do fim, repouso instruso no porvir e contemplo uma imagem do que talvez não seja.

Música para acompanhar a leitura: http://www.4shared.com/file/111202628/76e240fb/02_Konzert_Fr_Violin_Oboe_Streich.html

O Dia dos Namorados

Há 3 meses, Augusto namorava Heloísa. Ah, essa é mais uma daquelas historinhas que vira música de Legião Urbana. Não, não, meus amigos! Augusto se amarra mesmo é em Victor e Léo. Aliás, foi no show desses cantores que ele pediu, oficialmente, Heloísa em namoro. Augusto é recém formado em Direito numa faculdade particular da nossa capital e Heloísa está no segundo período de Arquitetura no CAC. Jovens de boa família, brancos, corados, quase esportistas, lêem quatro livros por ano! Enfim, são o orgulho e esperança de um futuro promissor. Os pais de Augusto, que moram no bairro de Boa Viagem com o citado filho e uma filha, moça mais jovem, estão tão entusiasmados com o namoro que liberam o carro da casa, um Gol 2005 prateado, para que Augusto se apresente mais comodamente na casa da família de Heloísa, que mora no bairro de Casa Forte, oposto da cidade.

Nesse dia dos namorados, Augusto passou a tarde no shopping pensando num presente bacana que surpreendesse Heloísa. Afinal, em começo de namoro, os pombinhos se esforçam em mostrar seus dotes de intuição com relação ao gosto alheio. Indeciso e disposto a gastar 100 reais nos presentes, Augusto compra um perfume do Boticário e um cd de uma banda americana chamada Beirut, que ele ouvira na abertura de uma minissérie da Globo. Chegada a noite, Augusto se despede dos pais dizendo que iria visitar Heloísa em casa e que talvez voltasse tarde. Os pais, já sabendo do que se tratava, adiantaram que ele não tivesse pressa pra voltar. Augusto seguiu no carro pela Avenida Boa Viagem em direção ao Derby, todo perfumado, com o braço esquerdo apoiado na porta, ouvindo um cd de natiruts e se empolgando para a noite de núpcias tão desejada.

Augusto chega às 19h em ponto na frente do prédio de Heloísa. A jovem dama se apresenta ainda mais virginal aos seus olhos, ao descer num vestido de cores delicadas, maquiagem suave e o cabelo loiro derramando-se em caracol. Augusto sentira-se orgulhoso de possuir aquele belo rouxinol. Os pombinhos resolvem ir jantar e como já combinado, iriam comer sushi. Por que será que todo casal antes de copular tem que ir num restaurante comer sushi? Será afrodisíaco? Ou será que é uma comida leve, facilitando os movimentos pélvicos vindouros? Augusto estaciona o carro na frente de um famoso restaurante do bairro do Espinheiro. Desce garbosamente acompanhado de Heloísa. Trota como um garanhão em direção à porta do restaurante, quando o garçon pergunta, com toda a educação, se ele havia reservado alguma mesa à luz de velas. Augusto, um tanto embaraçado, diz que não reservou, mas que quer sentar-se numa das mesas. Porém, o garçon, ainda mais agradável, diz que é impossível, pois todas as mesas haviam sido reservadas e que a lista de espera era imensa. Num misto de vergonha e desprezo, Augusto decide procurar outro restaurante com Heloísa. O garçon se aproxima do carro e diz: "É porque hoje é dia dos namorados, me desculpe senhor." Augusto resolvera procurar outro sushi bar.

Augusto, envergonhado pelo ocorrido, convida Heloísa para comer num dos restaurantes mais chiques da cidade. Após aquele embaraço, ele não hesitou em consumir o salário que recebe no estágio numa noite só. Acontece que no restaurante chique, Augusto recebeu o mesmo revés. Heloísa se mostrava impaciente e Augusto cada vez mais maldisposto. Ainda tentaram mais dois restaurantes e todos estavam abarrotados de casais dispostos a saciar a carne em todos os sentidos. Passara das 20:40 e nossos heróis ainda não tinham encontrado um lugar para sua lambujem preliminar. Heloísa estava completamente indisposta e irritada com o recém namorado pelo rapaz ter se esquecido de reservar um lugar com antecedência.

Heloísa e Augusto tinham combinado, previamente, que aquela seria a primeira noite de amor deles e, seria frustrante para a provação de independência de ambos, voltarem para casa às 21h. Seria o fracasso perfeito. Augusto resolvera arriscar a sorte por Olinda e nada dava certo. Parou o carro e começou a chorar de raiva. Heloísa percebeu o estado de desconsolo do rapaz e disse: "Ah, Augusto, não fica assim. Você quer ir pra casa?" Augusto entrega os presentes ali dentro do carro e dá um beijo ardente em Heloísa. O clima entre os pombinhos esquenta e Augusto pergunta à Heloísa se ela queria ir para o local que combinaram previamente. Heloísa, com uma carinha matreira, mordeu os lábios e disse que sim. Augusto cantou pneu e partiu para o melhor motel que viesse ao caminho. Como estava em Olinda, foi para a perimetral.

Na primeira tentativa, o motel estava lotado e não haveria vagas nem tão cedo. No segundo e no terceiro motéis, a situação se repetiu. Partiu de carro para a Avenida Norte e Dois Irmãos. Novamente, o revés insistiu em perseguir nosso casal. Heloísa disse que queria ir pra casa. Era quase meia noite. Augusto ainda tentou forçar um sarrinho estacionando o carro embaixo de uma mangueira, alí perto da Universidade Rural, mas Heloísa coibiu suas avançadas, inclusive com empurrões. Augusto não queria acreditar que aquilo estivesse acontecendo, justo com ele. A namorada pedia que a deixasse em casa, enquanto ele pedia paciência, que achariam um lugar perfeito. Sugeriu ir à praia, mas a noite nublada, não atraía Heloísa, que resolutamente, pediu que se dirigisse pra casa ou pegaria um táxi, ali naquele breu.

Augusto deixou Heloísa em casa, remarcando o encontro para o próximo dia. Pediu desculpas ao seu amorzinho e prometeu que amanhã seria perfeito. Heloísa o beijou e subiu as escadas da guarita do prédio. Na volta, enquanto pensava em chamar alguma garota de programa para o aconchego da noite, Augusto aprendera que no dia dos namorados não se deve sair de casa sem ter reservado antecipadamente o shushi e o motel. Não encontrara nenhuma garota de programa decente àquela hora. Todas estavam com seus namorados ocupando o motel que Augusto não conseguira entrar. Foi dormir desiludido, contentando-se com o cheiro de Heloísa na sua camisa. Quem sabe no próximo dia, pensava. Mas, ao acordar, no seu celular tinha uma mensagem de Heloísa que não mais a procurasse, que estava tudo acabado. Heloísa tomara repugnânsia de Augusto. Depois desse dia, Augusto passara a odiar os sushi bares e a noite do dia dos namorados.

p.s.: qualquer semelhança com os nomes dos personagens é mera coincidência (é assim que aparece no fim da novela?).

Uma Homenagem ao Prof. Michel Zaidan

Quarta-feira, véspera de feriado, bar do bigode. Nestas circunstâncias insalubres, eu e meu amigo arqueólogo, Manoel, caímos, entre tantos assuntos à recordar, nas lembranças das aulas do Prof. Michel Zaidan. Foi interessante termos opinado, concomitantes, que as melhores aulas da graduação em História na UFPE foram ministradas pelo professor homenageado nesse humilde blog. Entre cantos de sereia, ruínas da história e a era da dessacralização da obra de arte: Andy Warhol é um horror! (aquela risada irônica e quase sempre solitária), Zaidan parecia ser o professor mais interessado em passar um conhecimento básico para os alunos, pois enquanto todos ávidos aguardavam os textos dos pós estruturalistas, ele cantava pela boca de Homero. Quando todos queriam a afirmação da sociedade pós moderna, ele vinha com a critica da modernidade, tendo os frankfurtianos como base discursiva. Mas, a figura do prof. Zaidan era motivo de controvérsias pelos corredores cfchianos. Todavia, quase sempre essas intrigas eram mais políticas do que teóricas, o que não me arvoram a necessidade de contar-los, até porque nunca me interessei.

Uma decisão importante que resolvi tomar na faculdade surgiu durante uma das aulas que Zaidan ministrava numa cadeira eletiva, dia de sábado. Não me recordo o nome oficial da disciplina, mas era fundamentada nas teorias de Jürgen Habermas, Walter Benjamin e Michel Foucault. Aliás, isso virou um funk cantado pelas Barbis de Olinda (de minha autoria, só pra constar). Num de seus discursos militantes, Zaidan sugeriu que só estudássemos aquilo que nos trouxesse uma satisfação, um prazer no aprendizado, onde a dedicação não fosse um estorvo. Numa dessas aulas, olhei pra mim mesmo e percebi que queria estudar sobre a Rússia de Dostoievski. Saí batendo de porta em porta até cair no dep. de Letras, mas isso é outra história.

A imagem de Zaidan sempre foi muito associada à sua aula sobre o XII Canto da Odisséia de Homero. Lembro-me de sair extasiado após ter lido o Silêncio das Sereias, texto de Kafka. Essa imagem do silêncio das sereias sempre foi-me atormentadora, porque parece trazer à luz uma antiga discussão: como passar pela vida sem ouvir o chamado da arte inquietadora? E quando essa arte se silencia para o homem? Não se quer mais fugir ao destino, mas ir de encontro a ele, mas os deuses negam ao homem a possibilidade de conhecer, de traduzir sua linguagem inacessível.

Zaidan, ciência política é política mesmo? Ou seja, dedução, predição, não tem encaixe não? Thomas Hobbes, Maquiavel, Max Weber, Adorno, Horkheimer e Walter Benjamim... Por onde andará Walter Benjamin?
Beija minha boca, beija minha boca, amor.


Ironia
Sarcasmo
Ateísmo
Niilismo
Hedonismo
Só a razão salva. Cativa ou não.
Deus meu!
Ah, perdição!

Frase articulada entre a risada espasmosa: Portugal é a vanguarda da Europa!
Aliteração


Nessa rápida postagem quero deixar minha homenagem ao Prof. Zaidan, de quem fui aluno por duas ocasiões e tornar público meu respeito, apesar de meio debochado, ao grande professor que nos estimulava a pensar, que conduzia nossas mentes através daquela voz mansa, seu visual grisalho, a careca com a estrela de Gorbatchev. Quero ser breve, pois é difícil falar dos vivos sem que tenhamos autorização, posso ser multado por desacato, mas prometo Sr. Professor, que nessa postagem não falarei de Ariano Suassuna nem de Gilberto Freire, nem dos desafetos cfchianos.