terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Hipérion a Belarmino

"Ah! Se jamais tivesse freqüentado as suas escolas. A ciência que segui até o fundo do poço, da qual esperei, jovem tolo, a confirmação de minha alegria pura, ela arruinou tudo em mim.
Com vocês, tornei-me tão sensato, aprendi a me distinguir fundamentalmente daquilo que me cerca e eis que vivo, então, isolado neste belo mundo, fui expulso do jardim da natureza onde cresci e floresci, ressecando ao sol do meio-dia.
Oh, o homem quando sonha é um deus, mas quando reflete é um mendigo; e quando o entusiasmo acaba, ele fica ali parado, como um filho desgarrado, expulso da casa paterna, observando o miserável centavo que a compaixão jogou em seu caminho."

Friedrich Holderlin


Feliz 2009.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Счастливого Рождества - Feliz Natal


Oi, meu povo. Feliz Natal para vocês. Hoje gostaria de presentear-vos com uma obra magnífica. Esse ano de 2008 foi um fiasco, financeiramente falando, então presentes desses que se compram em loja, nem minha sobrinha vai ganhar. Mas, acredito que essa oferenda que deixarei pra vocês pode ser útil e engrandecedora em suas vidas. Trata-se dos "Sete Portões de Jerusalém" do compositor polonês Krzysztof Penderecki, que ainda atua nos dias de hoje e esteve no Brasil recentemente. A obra, como um todo, desse compositor polonês é muito versátil. No início da sua carreira trabalhava com música erudita moderna aproximando-se de seus contemporâneos: Ligeti, Varèse e Messiaen. Entretanto, quando todos imaginavam que ele ia continuar trabalhando na estética moderna, eis que ele resolve se aproximar do pai da matéria, o velho Johann Sebastian.

Nosso mundo moderno nos obriga a cada vez mais buscar a originalidade escondida, o novo traço, o talento individual inédito. Mas, corremos o risco de esquecermos daqueles que fundaram as bases de nossas experiências. E como é grandioso nosso descobrimento das coisas do passado! Por vezes, temos a soberba de nos autoidentificarmos como sendo o ápice da civilização ou, num sentido mais progressista, que estamos caminhando para esse apogeu. Aí, nos deparamos com a grandeza dos antigos, com a força mítica da tradição. Assim, Santo Agostinho ainda é bastante atual aos nossos olhos. A Ilíada e a Odisséia, são tão audaciosas quanto as aventuras de Senhor dos Anéis e por aí vai. Os grandes homens do passado precisam ser conservados.

Assim, a virada de Penderecki em direção ao trabalho realizado por Bach, um barroco tardio, merece nosso louvor. Não que o nosso polonês esteja fazendo uma imitação barata de sua obra, mas contribuindo e expandindo uma tradição encantadora. Os Sete Portões de Jerusalém é o meu presente de Natal pra vocês. Destaque para o primeiro e o sétimo atos que são extraordinários. Beijo para todos e que aproveitem este Natal. Mesmo para quem não tem fé nem religião, o Natal é um período iluminado, pois sua mensagem é otimista e pacífica e não existe estado de espírito melhor para encarar a vida. Schopenhauer que o diga.

Seven Gates of Jerusalem (Penderecki):
http://rapidshare.com/files/173984601/PQP_Krzysztof_Penderecki_Seven_Gates_Of_Jerusalem_1999.rar

domingo, 21 de dezembro de 2008

Apolônio


Acho que o brasileiro é povo que dá mais valor a utilização do automóvel. O carro é um símbolo de status quo e está intrínseco em nossa cultura como elemento facilitador de namoro (como diria Tom Zé), como utensílio de elegância e mobilidade. Em nossas grandes cidades, a violência pode inibir a locomoção pedestre por determinadas áreas da urbe. Por exemplo, quem teria coragem de passar por debaixo do viaduto Joana Bezerra às 3 horas da manhã, dispondo apenas de suas habilidades de correria? O carro é uma figura muito útil em nossa sociedade, de fato. Eu também sempre tive vontade de ter um carro, inclusive pelos motivos antes mencionados. Em 2008 adquiri um fusquinha, meu primeiro carro.


Tá bom, não vou fazer desse meu texto um daqueles quadros de Gugu ou Luciano Huck. Meu carro foi roubado e não quero falar disso, mas sim das experiências alucinantes que tive durante os seis meses em que convivi com meu volkswagen, Apolônio (nome proposto por Hannah Montana): um fusca branco pérola, com motor 1600, jogo de rodas, bancos de fazer inveja a muito gol quadrado (hahaha), vidro fumê, farol de milha, som que toca CD, dois adesivos do Náutico e o charme do condutor. Por nunca ter tido grana pra comprar um carro, nunca me interessei em aprender a dirigir, mas no começo desse ano as coisas mudaram. Em fevereiro estava fazendo meu teste do DETRAN e com o carro em casa. Imaginem minha aflição, com um fusquete todo equipado em casa e sem poder dirigi-lo porque não tinha carteira. Numa quarta-feira fiz o teste e passei, só que minha carteira de motorista só estaria entregue na outra quarta. Vocês sabem como essas coisas são: a mulher trai o marido, caboclo faz coisa errada, uma cerveja a mais... essas coisas são trabalho do tinhoso, sujeito muito conhecido em nosso balneário. Pois bem, numa noite de quinta-feira ia rolar show do Trio Pouca Chinfra lá no Quintal do Lima e eu decidi que iria de todo jeito e também iria estrear meu fusca. Não dei ouvidos aos conselhos da minha mãe, para que esperasse só mais uma semana (olha o castigo!) e me arrumei todinho para a noite de estréia. Gravei um disco de Neil Young (Rusts Never Sleeps - 1979), me perfumei e pensei comigo: "É hoje!"


Na ida, dirigia com todo o cuidado, nenhum carro da polícia me avistou, o som tava bem alto, fumava um cigarrinho e de vez em quando passava por cima de algum buraco, coisa inevitável em nossa cidade. Chegando no show do Pouca tomei umas cervejas e mesclava com uma água ou refrigerante pra não "pegar" muito. Saí do recinto umas três horas da manhã, uma forte chuva caía no Recife, daquelas que as ruas ficam com um palmo d'água. Entrei no carro, fiz todos os procedimentos necessários. Apesar do autopoliciamento, tava um pouquinho biritado. Saí pela Rua do Lima, dobro na Rua da Aurora e pego a Av. Mário Melo indo na intenção de chegar no Derby. O para-chuvas do fusca é muito lento e o vidro frontal não dava para enxergar muita coisa. Então, eu ficava parecido com aquelas velhinhas dos filmes de Sessão da Tarde, com o peito no volante. O carro se locomove com cuidado, parando no semáforo que cruza com a Cruz Cabugá e seguindo. Mais à frente um barulho constante começa a crescer vindo da parte de trás do carro. Pensei que o pneu tivesse furado, mas não, os parafusos voaram e a roda estava se soltando. Parei o carro na Mário Melo e fui tentar fazer alguma coisa, com a cabeça confusa. Abri o capô e não tinha a chave de roda e o step era maior que o pneu original. Ah, o macaco também não funcionava. Olhava para um lado e para o outro e nenhuma pessoa passava pelo local, apenas a chuva forte estava ali para anuviar meus óculos. Eu me sentia que nem aquela cena do Jurassic Park quando o cientista atola numa cachoeirinha. Enfim, tava fudido!


O cenário era desolador e pra completar não podia nem imaginar uma possível ajuda da polícia, pois eu tava todo errado. Tinha bebido e estava sem a carteira. Ainda não tinha passado o carro pro meu nome, embora já tivesse até pagado. Só tinha o recibo registrado em cartório da compra. Estando nessa situação perturbadora, eis que passa um cara que só conhecia de vista, até então. Humberto, amigo de Izidoro, que frequenta o famoso Bar do Bigode. Humberto deu uma força, me emprestou a chave de roda, mas a roda não entrava (até então, não tinha me dado conta que o step era maior que o pneu original). Apareceu no meio daquele nada, um cidadão nobilíssimo que estava voltando pra casa na sua bicicleta e uma maleta cheia de ferramentas Devia estar se divertindo em algum recinto, também. Esse homem ajeita o pneu, resolve o problema dos parafusos tirando um de cada roda e todas voltaram pra casa com três pinos. Humburto vai embora e o cara da bicicleta diz: "Vai devagarzinho que tu chega no Engenho do Meio". Depois de quase uma hora de agonia, finalmente, estava indo embora pra casa. O prazer dionísico já tinha se esvaído e a alegria agora era em voltar para a segurança do lar.


Acontece que depois de alguns poucos quilometros, o problema torna a me apoquentar. Um barulho vindo da roda traseira. Penso comigo mesmo: "P.Q.P., não é possível." Dessa vez, resolvi estacionar o carro antes que a roda voasse. Parei perto de um ponto de táxi pra pedir ajuda. Fiquei uns vinte minutos tentando conseguir ajuda, só que todos os taxis eram da marca FIAT e a chave de roda não servia para Fusca. Não tinha outra escolha, liguei pra casa, acordei minha mãe e pedi socorro ao meu cunhado. Vem logo aquela sensação terrível de quem já tava com quase 27 anos e tava dando trabalho ao povo de casa. Mas, não tinha outra escolha. Cheguei em casa dizendo que já sabia que tava errado, ouvi alguns sábios conselhos que quase nunca seguimos e por aí vai.


Essa foi minha primeira experiência ao volante. Durante os meses que estive com Apolônio, outras situações como essa se sucederam, tais como ter batido na entrada de casa duas vezes, dar marcha a ré num poste, girar a 70km/h perto do forte do brum e et cetera. Ao final, ele foi roubado e a essa altura, deve ter virado um buggy. Há quem diga que foi até bom, pois talvez não tivesse aqui pra contar estórias. Mas, se alguém achar um fusca bonitinho como esse da foto e com a placa KGU 2389, é meu porra! Ah, se meu fusca voltasse...

sábado, 20 de dezembro de 2008

Mostar Sevdah Reunion

Quando convidei meu amigo Hugo Perez pra visitar meu blog, o danado me saiu com a seguinte frase: "teu blog parace um sarapatel de bode". Eu adoro esse prato da culinária nordestina e sei que ele também gosta, então vou encarar como um elogio. Na verdade, a minha principal idéia ao lançar esse blog é a de poder comentar todo tipo de coisa que me surge à cabeça, sem muita preocupação com a sequência dos fatos. Hoje, por exemplo, me deu na veneta escrever sobre a cidade de Mostar, que fica na Herzegovina. Mas, antes de chegar nesse belíssimo destino, gostaria de falar poucas palavras sobre um filme muito mentecapto que acabei de assistir, chamado Viagem a Darjeeling. Nesse filme, três americanos vão viajar pela India num trem velho, cheio de coisas espalhadas e todas as loucuras que vocês podem imaginar. Talvez o trem seja até muito quadradão, porque nossos três yankees foram expulsos e obrigados a descer numa parada no meio do deserto. Isso me faz lembrar uma temporada na pousada do Rai em Maracaípe, onde eu, Jeovah, Mauro e Antonioni (só peça boa) íamos sendo expulsos do recinto por estarmos pertubando tarde da noite, ouvindo Ramones nas alturas, bebendo vinho e discutindo aos berros. Então, não tenho muito o que falar sobre Darjeeling e a India, pois não conheço a cultura indiana em quase nada, exceto que os ciganos migraram daquela terra no século XV. No final da postagem vou deixar a trilha sonora desse filme que é arretada e se puderem, assistam.









Falando sobre os ciganos, dizia eu que esse povo migrou da India no Século XV e esses mesmos foram muito importantes para a formação cultural de quase todos os países do leste europeu. O que seria da música popular russa sem a influência cigana? Tem uma passagem muito viva na minha cabeça no romance dos Karamazov, quando Dmitri viaja tresloucado atrás de Katarina Ivanovna e ao chegar em sua residência, manda conclamar os ciganos, oferecendo dinheiro e champagne em troca de uma legítima festa e, os ciganos fizeram como só eles são capazes. Atualmente, o país com a maior população cigana é a Romênia e onde esse povo introduz sua cultura, enriquece o mosaico artístico, porque eles bebem de diversas fontes, desde suas "origens" indianas.









Existe uma cidade na Bósnia e Herzegovina chamada Mostar (opa, o que isso tem a ver com os ciganos?), que possui quase 200 mil pessoas, divididos entre bósnios (muçulmanos), croatas e sérvios (esses dois últimos se diferem pela religião, os croatas são católicos e os sérvios, ortodoxos). A cidade tem esse nome por causa da ponte que corta o rio Neretva. Não sei como se chama em bósnio, mas em russo a palavra ponte é "most - мост", então é provável que seja alguma coisa parecido com ponte. Essa belíssima ponte, que foi destruída na época da guerra na Iugoslávia (93 e 94) e reconstruída após o fim do conflito, serve de ligação entre os dois lados da cidade que na época medieval eram duas cidades chamadas Nebojša e Cimski grad. Me faz lembrar de Budapeste, que no passado era duas cidades: Budá e Pest, a primeira de população magiar e a segunda de comerciantes alemães, separados pelo Danúbio. Salve Zóltan, onde quer que esteja, foi ele que me explicou isso.









Nessa cidade bósnia existe um grupo de música folclórica muito bom chamado Mostar Sevdah Reunion, com inegáveis e explícitas influências da música cigana. Uma riqueza para quem gosta de conhecer músicas de locais diferentes. À frente do grupo encontra-se Shaban Bajramovich, conhecido como a "lenda cigana". Em alguns momentos parece que estamos ouvindo jazz, mas não, é música cigana. Espero que vocês tenham coragem de tentar conhecer, pode ser prazeroso, meus amigos, embora entender o que se canta em bósnio não é nada fácil. Então, minha sugestão para essa noite de sábado é a trilha sonora de Viagem a Darjeeling e dois discos do Mostar Sevdah Reunion, o primeiro com Shaban Bajramovich nos vocais e o segundo com Ljiljiana Butler, uma daquelas cantoras bem gordas, com cara de bolacha maria, mas que bota pra quebrar! Obrigado pela visita e aproveitem as sugestões.









links (cliquem com o botão direito do mouse):









1) Darjeeling Soundtrack, parte 1 e 2: http://rapidlibrary.com/index.php?q=darjeeling+soundtrack&filetype=0









2) Mostar Sevdah Reunion, a gipsy legend: http://rapidlibrary.com/download_file_i.php?qq=mostar%20sevdah&file=4690197&desc=Mostar+Sevdah+Reunion+-+2001+-+A+Gypsy+Legend+.rar









3) Mostar Sevdah Reunion com Ljiljiana Butler: http://rapidlibrary.com/download_file_i.php?qq=mostar%20sevdah&file=4690200&desc=Mostar+Sevdah+Reunion+-+2002-+The+mother+of++Gipsy+soul+.rar









Ah, e se alguém cobrar, bota na conta de Edir Macedo (ninguém quer me dar 10% não?)

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

A Vida de Leno

No início desse ano de 2008, entre janeiro e maio, eu trabalhei num projeto do Governo do Estado que visava recuperar jovens desacreditados de comunidades carentes e direcioná-los para o mercado de trabalho. O nome do projeto é Centro da Juventude. Lá eu trabalhava de instrutor de cidadania e na maioria das vezes não tinhamos uma sequência de atividades propostas pela direção e nós, instrutores, que ficávamos na sala de aula tínhamos que usar de nossa habilidade argumentativa para tornar o período de aulas interessantes.

Eu trabalhava em Santo Amaro, um dos bairros mais violentos do Recife, no coração da cidade, perto da Boa Vista, do Recife Antigo, caminho pra Olinda... um lugar privilegiado geograficamente. Entre meus alunos havia todo tipo de personalidade, moças agressivas, outras tranquilas e carentes, que nos surpreendiam em nossa sonolência matinal com um pulo de bom dia com os braços agarrados no pescoço. Entre os rapazes, muitos com potencial para as artes, interessados em levar um vida honesta, dentro de nossa visão cordeira de cidadão pacato. Outros com passagens pela polícia e que buscavam um novo caminho, bem mais árduo. Ainda haviam os que estavam na ativa, que assaltavam e matavam. O mais interessante foi que depois de dois meses de relação com os alunos, em que eu buscava trazer o tema da aula, cidadania, para a realidade deles, levando músicas de Racionais MC´s pra debater na sala de aula, questionando os benefícios que o idolatrado programa de Cardinot trazia para a comunidade deles, ou ainda fazendo-os cantar uma música desconhecida. Lembro-me que uma música de Capiba fez o maior sucesso entre eles:"Eu bem sabia que esse amor um dia também tinha seu fim, essa vida é mesmo assim. Não penses que estou triste nem que vou chorar, eu vou cair no frevo que é de amargar!" Além da música "primavera nos dentes" de Secos e Molhados, onde cada frase da música servia de um longo comentário e debate na sala.

Entre os alunos que não se desvencilhavam do mundo do crime (e tinham muitos!) estava Leno, um rapaz de 19 anos que pertencia a uma gang que ficava no campo do 11 em Sant´amaro. No primeiro dia de aula na turma dele, me indispus com ele que estava sentado no "braço" da cadeira e não parava de me desafiar, soltando piadinhas e tentando atrapalhar de todas as formas. Me exaltei e passei minha primeira lição de moral nele e na turma. Eu não sabia que Leno era o "terror" de Santo Amaro. Ao invés disso me afastar dele, aconteceu o contrário, o jovem sempre vinha conversar comigo no horário do intervalo, contando como funcionava a boca lá no beco ou então narrando detalhes dos assaltos e assassinatos que cometera. Ele era alto, pele clara e tinha o cabelo oxigenado em forma de porco-espinho. Os dias se passaram e as narrativas da guerra interna em Santo Amaro chegavam aos meus ouvidos com maior frequência. Os tiroteios envolvendo a DI (Demônios da Ilha, de Santa Terezinha) e o pessoal do Campo do 11 culminaram com a morte de um dos chefes do 11. Alguém da Ilha de Santa Terezinha teria que morrer para compensar. O clima na escola era tenso. Os jovens que moravam na Ilha de Santa Terezinha, que normalmente cortavam caminho por dentro de Santo Amaro, tinham que arrodear pela Av. Agamenon Magalhães para poderem ir ao Centro. Isso custava uma meia hora a mais de caminhada. Um aluno da tarde resolveu cortar o caminho, confiando na sua inocência e indiferença à guerra. Foi assassinado brutalmente, teve o corpo riscado por faca e a cabeça cortada. O Centro ficou em estado de choque, não se falava em outra coisa nas rodas de conversa. Tinham matado Deyvinho, um aluno da tarde.

Três dias após o fato narrado anteriormente, sem que eu puxasse assunto nem nada, eis que Leno se senta o meu lado, com olhar assustado e como se tivesse desabafando começou a contar como fora o assassinato de Deyvinho nos mínimos detalhes. Contou mais, que fora ele e mais três comparsas que cometeram o crime. Aos 19 anos, aquele era seu décimo primeiro assassinato. O que me espantava era a frieza que ele teve para falar com Deyvinho, ofereceu um baseado a ele, fumou e, depois que o mesmo virou as costas começaram a disparar contra o jovem que ainda tentou correr pelo beco, mas tombou sem vida poucos metros à frente. Ao final da conversa pedi a Leno que saísse daquela vida, pois não tinha muito futuro, apelei à memória de sua mãe, que ele estaria dando-a um grande desgosto e toda essa série de argumentos caretas. Voltei pra casa rememorando a narrativa de Leno e decidi que não comentaria aquilo com ninguém, pois estaria pondo minha própria vida em risco e como diria Raul Seixas: "Eu não sou besta pra tirar onda de herói...".

Meu estágio acabara em maio e nunca mais tive contato com ninguém que trabalhava ou estudava no Centro da Juventude. Até ontem de madrugada. Depois de uma noite de muito forró e diversão (que contraste com o tema da narrativa) encontrei o músico Raphael que era instrutor lá também e que me contou que Leno fora assassinado por ter matado um policial em Santo Amaro. Sua morte foi tão triste como a de suas presas. Um policial disfarçado chegou por trás do nosso herói enquanto o mesmo conversava distraídamente e deu um tiro em suas nádegas. Logo outros apareceram e começaram a andar com o braço na cintura de Leno pelas ruas de Santo Amaro. O sangue jorrava pelas pernas e ele uivava de dor até que uma nova etapa de agressões se iniciasse. Morreu depois de apanhar brutalmente.

Ao final de toda esse relatório policial vocês devem estar ansiosos pela minha opinião a respeito da situação de Leno e de tantos outros que se encontram na mesma situação. Mas, não cabe a mim julgar, sou um observador das coisas do mundo e não tenho espírito justiceiro, até que haja uma ofensa grave particular. Resolvi narrar esse caso real porque os personagens envolvidos estão mortos e o assassinato teve repercussão em todos os jornais policiais e só estou a expôr um acontecimento público. O que fica disso tudo é o abismo existente para essas pessoas que convivem em comunidades como Santo Amaro, onde a violência, a falta de estrutura familiar, o desemprego e de condições dignas de moradia e saneamento são as únicas certezas perceptíveis. Acredito que a solução para comunidades como essa só obterão resultado a longo prazo e histórias reais como essa que contei ainda ocorrerão por muitos anos. Gostaria de terminar essa postagem deixando uma música que citei de Secos e Molhados, onde muitos jovens se identificaram e foi um dos momentos mais proveitosos de minha estadia naquele estágio.

Titulo da Música: Primavera Nos Dentes
Artista: Secos e Molhados
Letra:
QUEM TEM CONSCIÊNCIA PARA TER CORAGEM
QUEM TEM A FORÇA DE SABER QUE EXISTE
E NO CENTRO DA PRÓPRIA ENGRENAGEM
INVENTA A CONTRA-MOLA QUE RESISTE.

QUEM NÃO VACILA MESMO DERROTADO
QUEM JÁ PERDIDO NUNCA DESESPERA
E ENVOLTO EM TEMPESTADE DECEPADO
ENTRE OS DENTES SEGURA A PRIMAVERA.

domingo, 14 de dezembro de 2008

Barro-Macaxeira (BR-101)


Noite de domingo. Meu apartamento. Bob Dylan tocando a meia altura. Acabei de assistir o filme Sócrates de Roberto Rossellini. Essa junção de fatores me impulsionam para o teclado do computador. Mas, o tema da minha escrita não haverá de surgir enquanto escrevo essas primeiras linhas, pois desde o dia de ontem eu já sabia que minha próxima postagem seria sobre o cotidiano na linha 207 que faz a integração entre os terminais do Barro e da Macaxeira, no trecho da BR-101 que passa pela zona oeste do Recife. Esse ônibus que dispõe de uma variedade de acontecimentos incríveis e que espero ser justo em minha narrativa.

Durante dois anos da minha vida, eu trabalhei no Programa Parceria nos Morros da Prefeitura da Cidade do Recife, cuja sede da minha estação ficava no bairro da Guabiraba. Então, eu acordava umas 6 da manhã para às 7 estar no ponto de ônibus para pegar o Barro/Macaxeira prá quando chegasse na integração ainda pegar outro que saísse da Macaxeira para a Guabiraba. Ou seja, eram quatro ônibus por dia, só pra trabalhar. Portanto, posso dizer que sou um bom conhecedor da realidade desse ônibus. Ele faz um trajeto que incorpara diversos bairros pobres da zona oeste da cidade, servindo de elo entre a zona oeste e a zona norte da nossa cidade. Recolhendo a multidão que desembarca no metrô, vinda de diversos bairros da periferia, para se espalhar pelo resto da cidade. Diversas vezes eu estava na parada de ônibus, já atrasado, e o danado vinha super lotado de uma maneira que o motorista, quando muito, se limitava a bater os punhos fechados avisando que não cabe nem uma mosca lá dentro.

Até que ele passasse pela Avenida Caxangá era impossível atravessar a borboleta, que dirá sentar-se, e quando conseguia se acomodar em pé entre as pessoas, surgia do coração do ônibus (da sanfona do ônibus) um coro de vozes que variava de um senhor protestante, moreno e careca, que abria sua bíblia e se esbravejava para ser ouvido até a legião de doentes pedindo dinheiro para comprar remédio ou comida. Posso garantir que nunca ouve uma única viagem em que alguém não tenha ficado naquela metade do ônibus a pedir a atenção dos viajantes. O "pastor" das manhãs se emocionava ao narrar passagens da bíblia. Confesso que algumas passagens bíblicas aprendi ouvindo sua narração, ao mesmo tempo em que me esforçava em parecer imperceptível, porque se ele notasse que eu ouvia-o com atenção, não arredaria do meu pé. Assim ele gritava loucamente falando que Mizak, Sadrak e Abdnego estavam no cativeiro da Babilônia e foram salvos pelo verbo divino. Outro dia, ele pregava sobre o Apocalipse e cantava e orava, gemia. Outros crentes acompanhavam e diziam "aleluia", outros ficavam indiferentes, por vezes algum gaiato soltava uma piadinha ou gritinho para enervar o "pastor". Além do pastor, muita gente ia vender chocolates com laranja, balas de jujuba, pipoca, picolé "da fruta", canetas, tesourinhas, alfinetes, linhas para costurar, produtos fitoterápicos. Nossa, como não se lembrar daquela vendedora dos produtos "Raízes da Natureza" que começava seu discurso com um efusivo "Bom Dia" que ninguém respondia e ela, ironicamente, dizia "obrigado pelo bom dia de cada um" e começava a narrar os preços dos produtos que prometiam limpar a pele de todas as doenças e micoses.

Um caso à parte são os doentes e seu relatos dramáticos. Gente sem braço, costurada em todo lugar, carregando as receitas dos médicos, com crianças nos braços, com todo tipo de doença que se pode imaginar. Ao sair do Barro/Macaxeira você se sente pesado, culpado de existir e estar com a pele limpa. Essas pessoas não tem o respaldo do Estado e acabam tendo que apelar para a população pobre que se desloca nas linhas da integração. Ontem, quando peguei esse ônibus, um velhinho com elefantíase subiu no ônibus, a perna extremamente inchada, fiquei imaginando como deveria ser desconfortável qualquer movimento de caminhada para ele. E a população comovida, limpa seus cofres com suas míseras moedas e vão aliviando a dor dos pedintes e alimentando esse estado de dependência em que pessoas de todas as idades e por diversos motivos se utilizam do Barro/Macaxeira para sobreviver. Além dos doentes, pessoas que vêm da CEASA com caixas e sacolas cheias de alimentos que se espremem entre as pessoas: caixotes de batatas, melancias, laranjas e tudo o que se pode imaginar, até víveres. O Barro/Macaxeira expõe a face mais carente de nossa cidade, numa verdadeira guerra entre os passageiros que viajam agotados vindos da construção civil, da recepção de algum laboratório, empregadas domésticas, estudantes... numa guerra por espaço com os que querem tomar suas moedas em troca de bugigangas ou através do apelo de suas moléstias. O Barro/Macaxeira me lembra aquelas imagens antigas daqueles filmes que se passavam no interior de El Salvador, onde ônibus velhos carregavam a população com galinhas voando no sacolejo das estradas esburacadas. Entretanto, enquanto a imagem dos filmes são engraçadas, dentro desse nosso ônibus tudo é muito mais desesperador. Que postagem triste para se abrir uma semana, mas essa é a realidade de muita gente que vive na mesma cidade que eu, e porque não, também é a minha realidade, na medida em que só pude relatar isso pela minha própria experiência de quem fica calado observando os acontecimentos, me expremendo entre os concidadãos. Com certeza, esqueci de relatar muitas coisas singulares que vi nesse trajeto, mas isso fica para uma próxima, quem sabe. Um asseado abraço a todos.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Sobre a Tradição Alemã

Quando fazemos uma imagem de um povo que não conhecemos muito bem, caímos no risco de rotulá-lo erroneamente. Assim, muitos países ao redor do mundo imaginam que no Brasil só existe favelas e índios. Ou que todo norte-americano é viciado em televisão e McDonald´s, que todo africano é pobre e miserável, que os russos matam criancinhas ou que todo alemão é nazista. Não, pelo amor de Deus, isso foi uma brincadeira! Tenho certeza que meus amigos visitantes não pensam assim. A verdade é que quando pensamos em nação, nos vem à cabeça uma visão homogênea, onde todos falam a mesma língua, celebram o mesmo culto e defendem o mesmo princípio. Entretanto, dentro de uma nação, podemos encontrar diferentes correntes de pensamento, como democracia e totalitarismo, capitalismo e socialismo e etc. Dessa desconformidade, se houver uma acentuação, pode declinar numa guerra civil. Mas, acho que não é esse o caso de nossa conversa...

O escritor alemão Hermann Hesse é o centro dessa minha dissertação matinal. Nos últimos meses, vinha lendo seus escritos autobiográficos para relaxar os estudos para a seleção do mestrado e, muito me identifiquei com sua maneira de enxergar o mundo, sua visão que transcende as barreiras do nacional e tenta enxergar o estrangeiro como um aliado, respeitando suas tradições. A questão é que Hesse escrevia isso em 1920, após a primeira grande guerra e enquanto sua Alemanha mergulhava cegamente nas utopias ultranacionalistas. Nessa época, nosso escritor tinha acabado de lançar um artigo (primeiramente anônimo) em que professava a volta ao espírito nietzschiano, que a juventude alemã precisava redescobrir seu grande passado na figura daquele que tem o potencial (ainda hoje) de ser um ídolo da juventude: o escritor de Zaratustra. O nome do artigo é Zarathustras Wiederkehr, ou A Volta de Zaratustra, e tratava de um embate entre dois modelos de enxergar a nação alemã, de absorver sua tradição. Após escrever esse artigo, Hesse foi bombardeado, principalmente pela juventude universitária, que preferia o chumbo às nuvens. Vou deixar que o próprio Hesse separe esses duas correntes:


"Mas, por outro lado, como são tristes as mentalidades. Ou melhor, a falta de bom senso, de onde surgem esses ataques e essas cartas.
Por exemplo, um estudante de Halle escreve-me uma carta breve e, após ter externado o profundo e mortal desprezo seu e de seus companheiros, faz uma confissão: acaba citando os mesmos autores alemães aos quais se filia e que proclama serem seus modelos ou sua bandeira. São eles: Kant, Fichte, Hegel, Wagner e alguns outros...
Portanto, nada de Göethe, nem Hölderlin, nem Nietzsche, nem Grimm, nem Eichendorff. E dentre os músicos, nem Mozart, nem Bach, nem Schubert. Apenas Wagner! Poderá haver um mundo cultural mais reduzido, mais pobre, mais simples do que esse?"

Nessa carta do final de 1920, Hesse proclama uma outra possibilidade, uma contramão ao destino que seu país havia mergulhado. Ao meu ver, essa era uma das maiores riquezas de Hesse: a lucidez. Enquanto se acreditava que o espírito alemão estava na sistematização do pensamento, na organização nacional, na união bélica que conduziria ao crescimento do país, Hermann Hesse resolve mostrar uma outra Alemanha ao seu povo, uma tradição poética, bonita, um romantismo libertário. Já ouvi muitos estudantes de filosofia criticarem Nietzsche, chamando-o de poeta, mas não filósofo, porque não criara um sistema de pensamento. A não-sistematização do pensamento não poderia ser uma possiblidade para o estudo da filosofia? Não sei, não me sinto muito preparado para fornecer opiniões mais aprofundadas sobre essa seara. Queria apenas terminar essa postagem ressaltando o escritor Hermann Hesse que num período de cegueiras coletivas, conseguiu iluminar a paisagem trazendo aos seus conterrâneos uma nova perspectiva de admirar sua tradição cultural.

p.s.: os textos autobiográficos de Hesse se encontram no livro "Obstinação", que contém cartas e artigos de diferentes momentos de sua vida.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Bolsa Estupro


Olá amigos visitantes do meu humilde blog. Entre tantas carreiras e correrias, achei tempo para trocar uma conversinha com vocês. Meu amigo Cacau, famoso professor de História pelas redondezas do nobre bairro de Roda de Fogo, costumava dizer que ninguém é tão vazio e inútil que não consiga arranjar meia hora de conversa interessante com um par. Espero que meu alforje de idéias demore um pouco mais a se esvaziar. E se isso estiver prestes a acontecer, ainda bem que existe o nosso bizarro cotidiano, cheio de lorotas a qual não nego uma palavra pra comentar.


Essa madrugada cheguei de viagem (ainda estou fatigado), estive numa reunião de negócios na cidade de Leeds, Inglaterra. A preocupação entre os investidores da região é perceptível ao caminhar pelas ruas do subúrbio, onde encontramos respeitáveis residências sendo oferecidas a preços módicos. Até me interessei por uma propriedade perto de Hosforth, muito singular, que num passado longíquo pertenceu ao Duque de Aberford. Entretanto, nesse exato momento, não poderei dar conta de administrar três propriedades na velha ilha céltica, visto que já estou muito ocupado com minha fazenda de ovelhas em Aberdeenshire (Escócia) e com meu balneário em Abersoch (País de Gales).


Enquanto viajava de trem de Manchester para Leeds, aliás aqui vai uma reclamação: será que a crise mundial está prejudicando os serviços da primeira classe? Péssimo serviço! Nunca fui tão mal atendido na terra da rainha. Como dizia, enquanto viajava, andei folheando o The Guardian e uma notícia me espantou deveras. Não que fosse um caso que nunca tivesse escutado, longe disso, para nós brasileiros nenhuma notícia de violência se constitui em novidade. A matéria versava sobre um caso de estupro, em que uma jovem senhora teria direito a receber do Estado uma compensação financeira pelo abuso que sofrera. Essa quantia circula na faixa das 11 mil libras esterlinas, algo em torno de 34 mil reais, hoje (amanhã poderá ser 33 ou 35, quem sabe!?). O problema é que a côrte inglesa lançou um porém às pobres vítimas de tal abuso, que desde já classifico como odioso. Se a jovem que sofreu abuso estivesse em estado de embriaguez, 25% da quantia seria confiscada! O "sindicato das mulheres", desculpem-me não posso confirmar o nome correto pois estava com a cabeça irritada com o serviço de bordo ferroviário, entrou na justiça contra esse parênteses da lei, pois a situação não será menos dolorosa ou constrangedora a mulher estando ébria, ou não.


Quando lia a matéria, pensava em meu venturoso país natal, e na possibilidade de aplicação de tal lei em nosso território, onde casos de violência sexual contra as mulheres são de proporções maiores que no Reino Unido, devido à impunidade. Seria muito justo para a mulher que sofresse tamanha violência, receber uma recompensa do Estado, para que pudesse se reestabelecer do trauma, pagar um tratamento psicológico, se reestabelecer em casa sem precisar ir ao trabalho e enfrentar as opiniões constrangedoras, quiçá fazer uma viagem para buscar um novo sentido para a vida. Ao meu ver, toda contribuição seria justa e ainda assim, pequena.


Mas, ao pensar na situação do nosso "país do futuro", comecei a imaginar se tal lei fosse instalada por aqui. Meus amigos e amigas, sei que pode parecer que estou galhofando de situação tão penosa, mas é-me impossível não conjecturar sobre isso, espero que as feministas entendam. Além do mais, não tenho pretensão profética, portanto só estou a matutar. Antes de dedicar-me a minha profissão atual de consultoria financeira de multinacionais, trabalhei como assistente social na manguetown, portanto minha dívida com a carestia cristã já está quitada. Naquela atividade pude chegar a várias conclusões da situação deprimente em que muitas famílias se encontram. Mulheres engravidam todo ano na ilusão de se sustentarem com uma pequena mesada do governo federal, chamada Bolsa-Família. Meus queridos leitores, se para ganhar menos de 150 reais por mês, as pobres mulheres de nossas palafitas despejam crianças em nossas putrefacientes ruas, o que não fariam se o governo lançasse o "bolsa estupro" pagando 34 mil reais por cada caso?


Repito que não estou zombetando de situação tão desesperadora, até porque como disse anteriormente, sou a favor de todo auxílio que essas pobres vítimas possam receber. Aliás, dinheiro nenhum pode pagar um trauma desse tipo. Mas, não posso me ausentar de narrar o pensamento que me assaltou no exato momento que lia essa matéria na fria cabina do trem, com a possibilidade de tal projeto social no Brasil. Então, comecei a imaginar todo tipo de falcatrua que poderia surgir. Iria gerar um novo serviço no Brasil: o estuprador profissional. Este, receberia metade do dinheiro para realizar o projeto e dividiria a bolada com a moça que sofreria o atentado. Ambos ficariam com 17 mil reais, o estuprador desapareceria. Como tudo o que acontece no Brasil fica sem investigação, o "trabalhador" seria esquecido e fazendo esse árduo labor duas vezes por ano, já garantiria um salário muito mais digno do que qualquer professor contratado pelo Estado.


Minhas queridas visitantes, não atirem pedras em mim antes do último parágrafo! Relatei este possível caso não para zombar deste atentado, mas para mostrar como nós, brasileiros, somos as maiores vítimas de nossa esperteza. O nosso maior defeito é não sermos inteligentes e sim espertos. E nisso, gostaria de terminar esse polêmico artigo lembrando o antigo rei da Macedônia, Pyrrhus, que dizia que a tolice em nada cede à perspicácia, nem dela difere em coisa alguma. Abraço a todos e não me interpretem como insensível, por mais que o possa parecer. Abaixo, a matéria em que a BBC trata do caso, gostaria de achar a do Guardian, mas estava com tanta raiva do atendimento que amassei o jornal e joguei no lixo.

link: http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/08/080812_estuprovitima_np.shtml

direitos humanos: http://www.direitos.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=4336&Itemid=1

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Matthäuspassion II


Eu sei que já falei sobre Bach nesse meu blog, mas quero falar de novo. Aliás, quero completar o que queria ter feito no post sobre a Matthäuspassion. Vejam bem (aquela propaganda de cimento me faz parecer ridículo falando isso), é o segundo post sobre a mesma obra! E olhem que o grão-mestre turíngio tem uma infinidade de possibilidades de comentar seu trabalho, ou melhor, de reverenciar. Minha missão estava cumprida quando os deixei com o link da São Mateus regida por Herreweghe e, de quebra, uma versão de Gardiner. Mas, faltava aquela que eu mais gosto que é a de Herbert von Karajan regendo a Filarmônica de Vienna. Ora, mas por que faço tanta questão que vocês escutem essa tão grandiosa obra? Fico imaginando vocês de mau humor, com raiva das bobagens que escutam da minha boca pelas ruas, sem tempo em algum computador emprestado ou numa lan house. Realmente, se for assim, é um inferno. E para ouvir Bach não se pode pensar em tal lugar. Só se concebe sua obra reverenciando Deus e sua criação, o paraíso. Estou cá, tentando estruturar uma sequência de frases que seja digna da beleza que estou prestes a mergulhar-vos, mas tudo o que venha a fazer soará pequeno e impuro. Apenas realizo esse pequeno prelúdio para que vocês, amigos que visitam esse espaço (e fico feliz de saber que meus visitantes são poucos, mas são grandes) possam admirar a elevação de J.S. Bach ao conceber a São Mateus e o exagero de Karajan em fazer com que Deus escute de tão longe. Fiquei pesquisando por um bom tempo antes de trazer esses links, quase suplico que assistam os vídeos e façam o download da obra que está dividida em 4 partes. Não deveria nem fazer tal propaganda, pois os que não se arvorarem a acreditar serão os maiores perdedores. Vou parar por aqui, minha curteza não permite continuar falando de Bach. Aliás, de Johann Sebastian, porque em sua família, dos 33 homens, 27 foram músicos, então quando falamos o sobrenome podemos estar citando seus valorosos parentes. Até.


Links do youtube (com o botão direito do mouse, abra em nova janela):






p.s.: as imagens são sensacionais e a versão não é de Karajan.


segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Náutico, Contra Tudo e Contra Todos!


Era ano de 1994, encontrava-me na sétima série do saudoso Marista, quando comprei minha primeira camisa alvirubra ao colega de classe, Diogo (um dos responsáveis pela volta da Timbucana atualmente), que era membro da Torcida Jovem Fanáutico, onde também me ingressei a partir desse ano. No ano de 1994, o Náutico estava sendo rebaixado da primeira para a segunda divisão o que garantiria aos próximos anos, períodos de imensas turbulências financeiras e desmotivação da torcida. Lembro que em 95, o Náutico foi enfrentar o Moto Clube/MA e o time era uma bagaceira. O então repórter da Rádio Clube de Pernambuco, Alfredo Martinelli dramatizava na resenha da noite para convocar a torcida pro jogo que seguiria. Dizia ele: "Atenção torcedor alvirubro, essa é a hora de ajudar o clube, nos momentos difíceis. É a hora de segurar na alça do caixão." Ao ouvir tamanha dramaticidade, disse a minha mãe que ia na casa do meu primo, Paulo Emílio, que morava aqui no Engenho do Meio, e fui, sozinho, então com 14 anos, para assistir o jogo. O Náutico venceu por 3x2 perante menos de 2 mil torcedores no antigo Estádio dos Aflitos.


Seguiram-se os anos e o Náutico continuava a se esforçar, por duas vezes quase subiu para a primeira divisâo, 96 e 97. Campeonato pernambucano, éramos fregueses do bom time do Sport. Quando o jogo era na Ilha do Retiro eu rezava para perdermos de pouco, pois enquanto o Sport contava com Leonardo, Bosco, Nildo, Jackson... o camisa 10 do Náutico era Mizinha. Que disparidade, meu amigos. Mesmo assim, eu ia pra Ilha. Aliás, bons tempos em que o futebol era bem menos violento. Nesse tempo eu era da Fanáutico, cheguei a ser diretor de relações públicas da torcida, entre 96 e 98. Torcida Organizada era lugar de jovens apaixonados, não de marginais, como hoje.


Resolvi postar sobre o Náutico hoje, por causa do jogo de ontem contra o Santos FC, onde escapamos pelo segundo ano da degola na primeira divisão. O Náutico de hoje está anos-luz à frente daquele que aprendi a gostar. Em 97 fui para um jogo do campeonato pernambucano contra o Vitória que tinham menos de 500 torcedores nos Aflitos e nosso goleiro era o grandioso Roberval, o ladrão de chocolates. Dava pra xingar o jogador e ter a certeza que ele ouvia. O Náutico não tinha centro de treinamento e nosso time de juniores não ganhava um título há quase 30 anos. Sempre ouvi falar que a torcida do Náutico entra no estádio em cima da hora pra manter a tradição de timbus e "encher a lata" do lado de fora. Que nada. A nossa torcida só entrava em cima da hora porque nosso time de juniores era mal presságio para a partida principal.


E o nosso estádio? Nossa, quantos anos sem uma reforma! Era chamado, justamente, de "balança, mas não cai". Hoje em dia, o Estádio Eládio de Barros Carvalho ainda carece de aprimoramentos, mas como está arrumadinho! Ampliou a capacidade, os banheiros são limpos (coisa rara nos outros estádios de Pernambuco), a sede está sempre ordenada e bem pintada... enfim, dá gosto de ver.


O que me motiva a escrever é localizar onde houve essa mudança de mentalidade na torcida e nos dirigentes do Náutico. Para mim, tudo ocorreu por etapas. A primeira tentativa de organização veio com o Presidente Márcio Borba em 1996 e o diretor Raphael Gazzaneo. Estes começaram, utopicamente, a reformar os Aflitos e promover uma modernização da marca. O segundo salto significativo ocorreu no ano do Centenário do clube, em 2001. A partir de então, o clube se uniu e não separou mais. O resultado foi a criação do Centro de Treinamento na Guabiraba e o fortalecimento e profissionalização do futebol.


Ontem, quando o Náutico escapou do rebaixamento ficou nítido que o que nos mantém na primeira divisão é a própria união da torcida e diretoria, porque se dependesse de quem comanda o futebol brasileiro, estaríamos fora da elite. Recebemos a menor quota. Enquanto o Náutico recebe 5,5 milhões, outros que disputam a mesma competição recebem 40 milhões. E mesmo assim, o Timbu enfrentou-os com dignidade pelo segundo ano consecutivo. O Náutico de hoje é muito diferente daquele que aprendi a amar. A torcida multiplicou, nosso menor público na Série A foi de 11 mil pessoas. Enquanto em 97, quando apareciam 4 mil alvirubros, era motivo de festa! Para muita gente, valorizar a permanência na primeira divisão é pensar pequeno, mas para quem viu de perto o que eu vi (e olhe que não sou velho, tenho 27 anos!) sabe que o Náutico cresceu bastante nos últimos anos e a nossa fé é que continue assim. Cada ano que ficamos na primeira divisão nossa quota aumenta e hoje em dia nosso time de juniores, que nos acostumou ao saudável hábito de beber cachaça antes do jogo, é motivo de orgulho para a torcida. Olhando para trás, confesso, sinto saudades. Não que seja masoquismo, longe disso, mas aqueles 2, 3 mil que estavam segurando na alça do caixão estavam ali não pelos "craques", nem porque era moda torcer pelo Timbu, muito menos pelas instalações do "Balança mas não cai", estavam pelo amor às cores: vermelho de luta e branco de paz. Valeu Náutico. Mais um ano na Série A, e que assim seja sempre!

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Os Herdeiros de Lampião


Jornais e periódicos são feitos de notícias, interpretações da realidade cotidiana de um determinado lugar, cuja temática pode variar de cardápio cultural até a sangria policial. Porém, o que chama a atenção do cidadão mais advertido é, por vezes, a ausência ou omissão de uma notícia. Essa primeira semana de Dezembro foi marcada por um acontecimento que envolve uma simbologia muito forte e cujas interpretações são tão polêmicas que, talvez, os jornais preferiram ausentar o leitor da possibilidade de debater o caso. Trata-se da agressão sofrida por um jovem turista de 17 anos no bairro de Boa Viagem, zona sul do Recife. O mancebo disse ser atacado por quatro homens enquanto se encaminhava para uma noitada numa famosa boate localizada na Av. Eng. Domingos Ferreira. O que chama a atenção nessa violência aparentemente gratuita é que os jovens agressores diziam defender uma ideologia ultraregionalista, cujo lema seria: "O Nordeste para os nordestinos." Ih, acho que já vimos esse filme em algum lugar.


O turista paulista deu tocantes depoimentos no que concerne à atuação do grupo, que ao que parece é formado por quatro homens, jovens e robustos, e que prometem aterrorizar a vida dos visitantes sulistas. Prestem atenção ao depoimento do jovem turista, que terá sua identidade preservada. Essa notícia recebeu uma pequeníssima nota num jornal barato e de pouca credibilidade que circula por nossa cidade maurícia. Vejam o que o rapaz disse: "Estava caminhando pra Nox quando uma kombi branca parou ao meu lado e três homens fortes e armados de facas e foices pediram que eu entrasse na kombi avisando que era um sequestro-relâmpago e que eu não reagisse, pois eles me liberariam logo. Mas, taparam meus olhos e quando pude enxergar, estava numa casa muito velha e suja." Detalhe que no depoimento à polícia, o jovem turista afirmou que a kombi rodou por 20 minutos antes de chegar à citada residência. É possível que os "sequestradores" tenham dirigido em círculos para despistar a polícia.


O mais interessante de tudo isso é que os sequestradores torturaram o jovem turista e pediram que o maltratado expusesse o caso na imprensa para assim divulgar sua ideologia. O grupo de torturadores se autodenominou Os Herdeiros de Lampião, e golpearam o pobre turista com materiais cortantes que variavam de faca peixeira até colher de pedreiro. Os relatos são impressionantes da selvageria dos agressores. Chegaram a tatuar no alvo peito do paulista as iniciais HL, que seria a sigla para Herdeiros de Lampião. O detalhe mais aterrorizante foi que a artesanal "tatuagem" foi feita com colher de pedreiro em brasa. O rapaz, depois de ser cortado e levar vários socos que culminaram com a perda de três dentes, foi liberado na praia de Piedade, há menos de um quilômetro do hotel em que estava hospedado. O jovem, fortemente abalado, terminou sua entrevista na Delegacia de Boa Viagem dizendo que nunca mais voltaria ao Recife e que os Herdeiros de Lampião mandaram um recado à imprensa que enquanto os nordestinos fossem atacados em São Paulo, ou em qualquer cidade do eixo sul e sudeste, as retaliações não cessariam na capital pernambucana.


terça-feira, 2 de dezembro de 2008

A Vida dos Mortos


Muitos são os relatos de brilhantes homens que se dedicaram a sua arte durante toda a vida e não receberam o reconhecimento material quando de sua passagem por este pequeno planeta escondido dos deuses. Trabalharam incessantemente e sua obra não pertencia aos homens do seu tempo, pertencia ao futuro ou ao passado. Cada vez mais acredito nas palavras do velho filósofo iluminista alemão, Christian Wolff, que dizia que a essência do ser humano é a busca pelo prazer e, consequentemente, a felicidade. Toda evolução tecnológica que facilita nossos dias, fazendo com que tenhamos mais tempo para gastar nosso tempo, é para que diminuamos nosso trabalho e dessa forma sentirmo-nos felizes. Entretanto, nos momentos de tristeza é que somos capazes de refletir, conservar hábitos, planejar. Muitos foram os homens que na contramão da essência acreditada por Wolff, passaram a maior parte do tempo a contemplar o sofrimento, a matutar sua dor. E desse compêndio, verdadeiras jóias foram lapidadas em quartos mal iluminados, em ambientes insalubres e com o fruir de lágrimas de incúria.

Esses homens morreram sem que suas obras fossem reconhecidas pelos seus pares, assim Franz Kafka chegou a pedir ao seu melhor amigo, no seu leito de morte, que queimasse toda a sua obra porque não teria serventia para a humanidade. Dostoiévski morreu à míngua, sendo levemente reconhecido pelo Estado nos últimos meses de vida, entratanto encontrando uma atrasada gratidão do público que culminou na multidão que acompanhou seu enterro. Sem contar nos homens que foram condenados pelo Tribunal do Santo Oficio e outros julgamentos do tipo. Entre tantos artistas de enorme talento que deixei de citar, gostaria de recair o olhar sobre o grande músico vienense, Franz Schubert. Durante o período que cá escrevo, estou ouvindo seu concerto para violino e piano. Vou deixar o link, no final, pra quem quiser baixar essa belíssima obra.


Schubert era a principal voz do coral da Escola dos Jesuítas, tendo uma educação musical bastante rigorosa. Ao se tornar adulto não conseguiu chamar a atenção da população vienense, de maneira que para se sustentar vivia da ajuda de amigos, entre eles Franz Liszt e Robert Schumann, que também não eram ricos. Aliás, quando ouvimos a música desses grandes compositores clássicos ficamos a imaginar que eles viviam em castelos e que a beleza de suas músicas vem da inspiração luxuosa em que vivem. Engano nosso. Um dos poucos que puderam gozar dessa imagem que fazemos foi o judeu (Por quê será?) Félix Mendelssohn que era considerado o melhor músico de seu tempo, além de Haendel que no fim da vida gozou de enorme prestígio na Inglaterra. Porém, muitos desses músicos viviam em deplorável situação de pobreza. Entre os que mais sofreram podemos destacar Schubert. Um causo tão triste pode servir de piada para nós, amantes do humor negro (sem racismo). Schubert era tremendamente apaixonado pela jovem Theresa Grob, moça encantadora. Schubert não era um homem feio, entretanto sua timidez o tornava obscuro. Schubert chegou a escrever mais de 200 músicas em homenagem à Theresa, que ao final trocou o amor do nosso triste personagem real, pelos braços de um mestre-padeiro. Coitado de Schubert. Sua música é carregada de profunda tristeza, quase todas. Se algum dos meus leitores gostam de tocar violino ou piano, saberão o valor que a obra de Schubert representa. Entre suas principais obras, A Sinfonia Incompleta é a que merece maior destaque. Morreu muito moço, com 31 anos, em virtude de uma doença sexualmente transmitida que arranjou num dos cabarés mais baratos de Vienna. O homem se foi tristemente. Deixar-vos-ei com uma passagem de Jesus, que o mestre Fiódor adorava:

"Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, produz muito fruto." (Evangelho de João; Capítulo 12; 24).

link para baixar o conerto para violino e piano:
http://rapidshare.com/files/135551418/Schubert.ViolinPpianoHoelscher.part1.rar

http://rapidshare.com/files/135551415/Schubert.ViolinPpianoHoelscher.part2.rar


Copiem e colem no navegador. Beijo para todos vocês.