quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Tempo de tolerância


Quando Ivan Turguêniev publicou seu mais famoso romance, Pais e Filhos, em 1862, inaugurou uma temática de importância fundamental no estudo da literatura russa da segunda metade do século XIX: a questão niilista. A grandeza do romance proporcionou um acalorado debate entre os pensadores da época, e a locação do protagonista Bazárov em determinado nicho ideológico era primordial para a popularização do homem "liberal" russo. Após o sucesso do romance, Fica evidente a bifurcação entre literatura niilista e anti-niilista. 

Neste universo onde não havia espaço para a tolerância, onde os radicais e intelectuais liberais viviam sós, num abismo duplo entre o povo ignorante de sua tarefa política e de uma autocracia distante, havia uma voz que tentava conciliar as partes separadas: a voz de Dostoiévski no seu periódico, O Tempo.
Recém-chegado da Sibéria em São Petersburgo, Dostoiévski retornou num momento de forte discussão política e tratou de colocar O Tempo na praça. Seus companheiros eram os críticos Apolon Grigóriev e Nikolai Strákhov, além do seu irmão mais velho, Mikhail. Juntos fundaram um movimento chamado “Pótchvenichestvo”, uma espécie de “retorno às raízes”, mas num sentido mais amplo do que o fornecido pelo primeiro Romantismo alemão. Dostoiévski e sua plêiade intentavam difundir uma ideia que fosse conciliatória, que levasse a educação ao povo do campo, mantendo as tradições russas e transformando pacificamente a sociedade. Assim pensava Dostoiévski em 1861:
Outro aspecto digno de nota no programa editorial de Dostoiévski, que mais uma vez o distingue dos radicais, é sua insistência no fato de que a transformação deve ocorrer pacificamente e a convicção (ou esperança) de que a violência será evitada. 'Sem dúvida, a questão mais importante atualmente é a melhoria das condições de vida dos camponeses. […] O desenvolvimento dos futuros princípios de nossa vida não deveria fundamentar-se na inimizade entre as classes, entre conquistadores e conquistados, como acontece em toda a Europa. Nós não somos a Europa, e entre nós não deveria haver conquistadores e conquistados.'” (FRANK, 2002; 69)

Este é um período interessante da carreira de Dostoiévski, o escritor dos abismos da alma, dos gestos extremos, encontrava-se receoso em opinar sobre o tema, buscando conciliações entre os conservadores e liberais. 
Mas, a paciência de Dostoiévski teve um limite. Com o passar dos anos, suas relações com os radicais foi se agravando e seus termos com Turguêniev foram se tornando mais distantes. O tema do niilismo acompanhou Dostoiévski por toda a década de 1860, tendo se iniciado em Notas do Subsolo (1864); encontrado em Raskólnikov de Crime e Castigo (1866) um niilista que vai transpôr para a prática as teorias do “tudo é possível”; até chegar na sua ojeriza máxima aos radicais nos personagens aloprados de Os Demônios (1871).

E se tivesse morrido...


Faz calor em São Paulo. Duas quadras abaixo, a polícia faz um pente fino na favela. Mataram um policial da Rota dias atrás. Ainda ficarei mais uma semana sem qualquer dinheiro. Pela janela, o mundo nitente. O livro de Sartre que abandonei há doze dias, diz na página 96: “E se tivesse morrido...” Li toda a página sem entender, talvez devesse retroceder. Faz tempo que não escrevo nada, nem sobre a desilusão. Seria esse o estado mais avançado do niilismo?

Que dia estúpido para se morrer.