Quando
Ivan Turguêniev publicou seu mais famoso romance, Pais e Filhos, em
1862, inaugurou uma temática de importância fundamental no estudo
da literatura russa da segunda metade do século XIX: a questão
niilista. A grandeza do romance proporcionou um acalorado debate
entre os pensadores da época, e a locação do protagonista Bazárov
em determinado nicho ideológico era primordial para a popularização
do homem "liberal" russo. Após o sucesso do romance, Fica
evidente a bifurcação entre literatura niilista e anti-niilista.
Neste
universo onde não havia espaço para a tolerância, onde os radicais
e intelectuais liberais viviam sós, num abismo duplo entre o povo
ignorante de sua tarefa política e de uma autocracia distante, havia
uma voz que tentava conciliar as partes separadas: a voz de
Dostoiévski no seu periódico, O Tempo.
Recém-chegado
da Sibéria em São Petersburgo, Dostoiévski retornou num momento de
forte discussão política e tratou de colocar O Tempo na
praça. Seus companheiros eram os críticos Apolon Grigóriev e
Nikolai Strákhov, além do seu irmão mais velho, Mikhail. Juntos
fundaram um movimento chamado “Pótchvenichestvo”, uma espécie
de “retorno às raízes”, mas num sentido mais amplo do que o
fornecido pelo primeiro Romantismo alemão. Dostoiévski e sua
plêiade intentavam difundir uma ideia que fosse conciliatória, que
levasse a educação ao povo do campo, mantendo as tradições russas
e transformando pacificamente a sociedade. Assim pensava Dostoiévski
em 1861:
“Outro
aspecto digno de nota no programa editorial de Dostoiévski, que mais
uma vez o distingue dos radicais, é sua insistência no fato de que
a transformação deve ocorrer pacificamente e a convicção (ou
esperança) de que a violência será evitada. 'Sem dúvida, a
questão mais importante atualmente é a melhoria das condições de
vida dos camponeses. […] O desenvolvimento dos futuros princípios
de nossa vida não deveria fundamentar-se na inimizade entre as
classes, entre conquistadores e conquistados, como acontece em toda a
Europa. Nós não somos a Europa, e entre nós não deveria haver
conquistadores e conquistados.'” (FRANK, 2002; 69)
Este
é um período interessante da carreira de Dostoiévski, o escritor
dos abismos da alma, dos gestos extremos, encontrava-se receoso em
opinar sobre o tema, buscando conciliações entre os conservadores e
liberais.
Mas,
a paciência de Dostoiévski teve um limite. Com o passar dos anos,
suas relações com os radicais foi se agravando e seus termos com
Turguêniev foram se tornando mais distantes. O tema do niilismo
acompanhou Dostoiévski por toda a década de 1860, tendo se iniciado
em Notas do Subsolo (1864); encontrado em
Raskólnikov de Crime e Castigo (1866) um niilista
que vai transpôr para a prática as teorias do “tudo é possível”;
até chegar na sua ojeriza máxima aos radicais nos personagens
aloprados de Os Demônios (1871).