segunda-feira, 31 de maio de 2010

Солярис - Tarkovski




Na biblioteca da Estação Solaris, que orbita no homônimo oceano espacial, estão reunidos os cientistas Snaut, Sartorius e Kris Kevin, além da “visitante” Hary. Segue-se o diálogo com a entrada de Snaut na biblioteca:

Snaut: Já estão todos aqui?

Sartorius: Chegou uma hora e meia atrasado.

Snaut: O que está lendo? (para Kevin) Nada disso presta. Nada. E o... onde está? Eis isto aqui. Só vem à noite, mas precisamos de dormir. Esse é o problema: o homem perdeu a capacidade de dormir! Lê, estou um pouco excitado.

Kevin: “Só sei uma coisa, senhor. Quando estou a dormir, desconheço o medo, as esperanças, os trabalhos e a beatitude. Agradeço a quem inventou o sono, esta única balança que iguala um pastor a um rei, um imbecil a um sábio. Mas também tem o seu lado negativo: parece-se muito com a morte.”

Snaut completando a citação: “Nunca antes, Sancho, se pronunciou discurso tão gracioso.”

Sartorius: Muito bem. Deixam-me falar ou não? Bebamos ao corajoso Snaut, pela sua fidelidade ao dever. À ciência e ao Snaut!

Snaut: À ciência? Tolice! Na nossa situação, o gênio e a mediocridade seriam por igual impotentes. Dizemos que pretendemos conquistar o Cosmos. Na realidade, só queremos aproximar a Terra das fronteiras dele. Não nos importam outros mundos. Não precisamos de outros mundos. Queremos é um espelho. Procuramos um contato, mas nunca o encontraremos. Estamos na situação idiota de quem aspira um objetivo, que se esforça por uma meta que teme, e que não necessita. O homem precisa do homem! Bebamos ao Guibarian. À sua memória! Apesar de ter perdido o ânimo.

Kevin: Não, Guibarian não perdeu o ânimo. Há coisas piores ainda. Morreu porque não via a saída. Não sabia que isto não acontecia apenas a ele...

Sartorius: Meu Deus! Estas dilacerantes variações dostoievskianas são um absurdo! Não estará a exagerar? Eu sei porque estou nesse lugar: para trabalhar. O homem foi criado pela Natureza para a conhecer... O homem está cada vez mais perto da verdade. Está condenado a conhecê-la. Todo o resto é extravagância. Posso fazer uma pergunta? Por que veio a Solaris?

Kevin: Não entendi.

Sartorius: Bem, está a trabalhar muito? Nada vê além da sua ex-mulher. Nada mais parece importar-lhe. Passam dias deitadinhos na cama. É assim que pensa cumprir o seu dever? Tenho perdido o senso da realidade. Perdeu a noção da realidade. É um preguiçoso, nada mais.

Snaut: Basta! Estamos bebendo pelo Guibarian.

Sartorius: Não, ao Homem.

Kevin: Acha que o Guibarian não era Homem?

Snaut: Basta, Kris! Deixemos as discussões. É o meu aniversário, afinal de contas.

Hary: Pois é. O Kris parece mais conseqüente do que vocês dois. Continua a ser humano, apesar dessas condições desumanas. E vocês limitam-se a fazer de conta de que nada têm a ver com isto. Para vocês, as “visitas” são uma coisa estranha, irritante. Mas, as “visitas” são vocês próprios, são a vossa consciência. O Kris me ama. Aliás, é possível que não me ame, que apenas se queria defender de si próprio. Que queira que eu, viva, substitua... o problema não é esse. As razões que levam o homem a amar não interessam. É diferente para cada um. O Kris nada tem a ver com isso. Vocês são... odeio-vos!

Sartorius: Queria pedir-lhe...

Hary: Não me interrompa! Sou mulher, apesar de tudo!

Sartorius: Não é mulher, nem humana. Tente compreender, se é capaz de compreender seja o que for. Hary não existe! Morreu! E você não passa de uma simples réplica dela. Uma repetição mecânica! Uma cópia! Uma imitação!

Hary, chorando: Sim. Talvez. Mas eu... estou me tornando humana! Não sinto menos do que vocês. Acreditem. Já posso viver sem ele. Eu... estou a amar. Sou humana! Vocês... são muito cruéis.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Um Superego Severo

Antônio Bonfim é um rapaz recém concursado da nossa cidade. Durante a vida toda, sobreviveu de mesada curta, se preocupava mais com a matemática do que a aparência. Seus pais moravam em Campina Grande. Tinha vindo para Recife fazer faculdade de Engenharia da Computação. Antônio era um rapaz de vinte e cinco anos e tinha acabado de passar num concurso para técnico de computação do Ministério Público. Ele que até então, vivia com o baixíssimo ordenado enviado com muito suor pelos pais, se via diante da independência. O que para a maioria dos homens se tornaria uma fortuna do destino, para Antônio representava um ligeiro embaraço, ao primeiro olhar.

Antônio estava muito longe de ser um rapaz fascinante. Era de estatura mediana, quase pequena. Seu porte físico não era magro por completo, porém chamava a atenção o jeito arqueado que se punha a andar. Talvez fruto das madrugadas que ficava acordado fazendo exercícios matemáticos no tempo em que freqüentava a Escola Técnica. Seu peito, ao contrário do padrão estufado dos nossos dias, parecia comprimir-se ao centro, murcho. Seu cabelo castanho não tinha brilho. Seu rosto demonstrava um desdém absoluto com relação à estética da sedução. Ele nunca tinha posado para aquelas fotos de sites de relacionamento dando aqueles sorrisos altaneiros. Seu sorriso era sempre tímido, pra dentro. Quase nunca achava um motivo pra se alegrar. Como vivia com pouco dinheiro, passava o dia em casa, de frente pro computador, jogando, estudando. Certa vez, conhecera uma moça nos corredores do prédio onde morava. Um prédio antigo, com apartamentos de um ou dois quartos, de aluguel barato. Estranhava o movimento de homens entrando e saindo no apartamento vizinho. Antônio se deu conta que sua vizinha era garota de programa. Uma vez por mês visitava-a. No começo, tentou freqüentar festas no Recife Antigo, mas sentia-se tão deslocado e diferente dos padrões da moda que decidira que o pouco dinheiro que restava com o lazer usaria de forma mais direta. Passou a visitar a casa de Shakira uma vez por mês. Ia no dia que ela tinha menos clientes, pois podia ficar mais tempo. Às vezes numa segunda ou terça-feira.

Dia desses, o primeiro salário de Antônio saiu. Ele foi ao centro da cidade comprar roupas, pois há quase um ano não adquiria peças novas. Além do mais, trabalhando cinco vezes por semana, teria que ter mais roupas do que habitualmente. Passou na frente de uma loja com vários jovens comprando roupas da moda: calças com rasgões alinhados e costuras bem transadas. Camisas cheias de números coloridos e desenhos de gostos duvidosos que vão de dragões cuspindo fogo às imagens de deuses indianos. Ao reparar-lo na entrada da loja, a vendedora se aproximou, fitou-o dos pés à cabeça. Ele estava como habitualmente: com um tênis branco meio surrado, uma calça coronha azul escura e uma camisa pólo que pelo modo encurvado como andava deixava uma mossa de ar no centro do seu peito. A vendedora desfez a cara de espanto - mais uma moça bonita que não gostava de estudar - e perguntou: “Oi amigo, vamos entrar na moda!?” Antônio olhou rapidamente os manequins e partiu da loja tão depressa quanto pudera. Sabia que aquele tipo de loja com muitos jovens descolados não serveria pra ele. Então, resolveu ir numa dessas grandes lojas que vendem todo tipo de roupas e sapatos, de maneira que rapidamente poderia se livrar do tormento de estar em contato com a opinião dos vendedores.

Antônio comprou quatro tênis, todos brancos, quatro calças jeans azuis e várias camisas pólo. Como suas pernas eram finas, todas as calças ficavam com espaços nas pernas, caberiam duas canelas dele ali. Dirigiu-se à parada de ônibus e tomou o ônibus para o subúrbio. Morava na zona oeste da cidade, perto da Universidade, de maneira que assim economizava as passagens caminhando até o centro de estudos. O ônibus quase vazio. Sentou-se ao seu lado uma senhorita vigorosa, bem-apessoada, uma moça que chama a atenção por onde quer que passe. Era relativamente alta - para Antônio era imensa - tinha os cabelos lisos e longos, castanhos, os olhos meio verdes, meio cor de mel. Usava uma calça jeans que se completava com seu corpo cheio, volumoso, viril. Usava uma sandalinha daquele tipo Melissa e uma blusinha que salientava seu busto bem delineado. Onde quer que ela passasse chamaria a atenção. Antônio percebeu-a quando tomou a direção da porta do ônibus. Pensou consigo: “Nossa, essa poderia estar na capa de uma revista!” Ela pagou a passagem e sem olhar pra ninguém se encaminhou na direção de Antônio. Sentou-se ao seu lado e permaneceu em silêncio por um bom período.

Antônio cheio de sacolas se espremia na cadeira para não incomodar a jovem dama. A moça ofereceu-se pra carregar uma ou duas sacolas. Quando ela começou a falar, Antônio percebeu que ela não era de Recife, seu sotaque era de alguma cidade do sul do Brasil. Antônio agradeceu e disse que podia carregar as sacolas sozinho. Antônio, decerto, não alimentava esperanças por aquela moça que deveria ser tão cobiçada. E sem o afã dos que tudo almejam, perguntou: “Você não é daqui também, né?” A moça disse que era de Curitiba. “_Ah!” E sem muito o que dizer, disse que era de Campina Grande. Também não ousou perguntar mais. A moça, para sua surpresa, puxou assunto: “E você estuda na Universidade também?” Antônio disse que estava terminando o curso de computação. Ficaram nessa conversa mole, até que resolveram se apresentar. Ela se chamava Ludmila Cesnauskas, curitibana, descendente de lituanos, estava fazendo mestrado em nutrição. Tudo aquilo soava tão excêntrico e fascinante. Mas, Antônio era feio e, ainda por cima, totalmente desalinhado. Desceram na mesma parada e se despediram. Ela morava no prédio vizinho ao dele. Antônio desviou logo o pensamento: “Ah, essas moças bonitas. Só me causariam problemas.”

Para sua imensa surpresa, no outro dia quando voltava do trabalho, o porteiro do prédio chamou-o e disse: “Antôim, uma bichona bonita, grandona, veio perguntar se tu morava aqui. Ludmila.” Disse que era uma amiga da faculdade. O coração do rapaz quase saltou pela boca. Subiu para o seu apartamento e ficou boa parte da noite a imaginar o que aquela mulher queria com ele. Conhecera-a no ônibus. Não sabia nem o que dizer. Antônio ficou tenso: “Que tipo de assunto vou falar com ela? Não entendo de cinema de arte, nem de mestres da pintura, nunca tive uma amiga mulher. Nunca tive amigos próximos!” Procurou sua vizinha, pediu para passar a noite lá. Era a única pessoa no mundo que o entendia. Pagaria pra ser o único cliente. Na casa dela, perfumada e colorida, sentia-se à vontade. Na cama, enquanto Shakira cochilava ao seu lado, começou a imaginar como seria a vida ao lado daquela deusa lituana.

As imagens que surgiam, torturavam-no mais do que o agraciavam. Se ela gostasse de ir à praia, exibir seu belo corpo, todos os homens ficariam a admirar-la, os mais assanhados soltariam gracejos para o namorado ridículo que ela tinha. E em todos os lugares, não teria paz. Possuir aquela bela jóia significaria protegê-la, coisa que ele não se sentia capaz de fazer. E toda a maravilha que se aproximou de seus olhos, todo arco-íris de possibilidades se acinzentava ante a muralha de sociabilidade que se apresentaria. Não, justo ele que sempre gostava de ficar sozinho, no seu cantinho, sem ser perturbado por ninguém, como um hamster. Essa idéia de ser um hamster o agradava. Quando precisasse ser um homem, Shakira seria a mulher. Quando ela ficasse velha, arranjaria outra e não teria problemas. “Sim, eu irei enlouquecer com a lituana!” No outro dia, pela manhã, o porteiro foi avisado que se aquela moça perguntasse por ele mais uma vez, dissesse que ele não morava ali mais. Antônio chegou, pontualmente, no horário de trabalho.

Para:

Para ***

"Recordo o luminoso instante
quando eu, tomado de surpresa,
te vi: súbita imagem, diante
de mim, da essência da beleza.

Desenganado e triste, a sós
no caos do mundo, ouvi durante
anos, em mim, a tua voz
vi, no meu sonho, teu semblante.

Passou o tempo; um vento atroz
varreu meu sonho ao seu talante,
e não ouvi mais tua voz,
deixei de ver o teu semblante.

Minha existência se esvaía
no exílio inóspito e incolor,
sem vida, lágrimas, poesia,
sem divindade nem amor.

Reapareceste e nesse instante
minha alma despertou surpresa;
revi, súbita imagem diante
de mim, a essência da beleza.

Meu peito, cheio de alegria,
bate de novo; há no interior
dele outra vez vida, poesia,
lágrimas, divindade, amor."

Alexandr Sergueievitch Púchkin, poeta russo.

tradução de Bóris Schnaiderman e Nelson Ascher.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

O Mestre de Petersburgo

São 04:25 da manhã. Acabo de terminar o romance O Mestre de Petersburgo de J. M. Coetzee. Li o romance em dois dias. Normalmente, não gosto que seja assim, prefiro saborear a leitura, vagarosamente. Olhando pela janela do ônibus, esqueço os transeuntes e me ponho a pensar nos passos que o personagem dará à noite, nas imagens que minha mente cria. Mas, desta vez, não pode ser assim. Tenho pouco tempo. Confesso que não ter tempo é proveitoso. A necessidade de agir, devorar, colher o maior número de informações, é a condição do momento. A dissertação bate na porta. Mas, não estou aqui pra falar de mim. Quero falar dele, o diabólico Dostoiévski.

Calma, os ossos do homem não estão a se debater por minha causa. Na verdade, Coetzee mostra um Dostoiévski que poucos críticos tiveram coragem de expor. Um homem que apenas dizia “sim”, que se deixava mergulhar na corrente do pecado, que não se opunha aos riscos e traições. A maioria dos críticos fala de Dostoiévski (Coetzee escreveu um romance!) como um excelso de luz, o psicólogo da literatura, defensor dos ideais ortodoxos, padroeiro da moral russa, na pior das hipóteses, um cristão atormentado. E ele realmente o-é, em certo sentido. Mas, por trás do escritor há o homem carnal. Esse homem erótico, incapaz de refrear o pecado, que freqüenta o submundo e possui os desejos mais adúlteros e ímpios. Dostoiévski abandonou a primeira mulher, moribunda, para viajar pela Europa com uma atriz sensual, freqüentava roletas e champanhes. Em sua juventude, participava de grupos clandestinos de socialistas utópicos que rebelavam, em discursos ufanistas, conta o Tsar. Extorquia sua segunda mulher, Ana Snitkina, para jogar. Ao ponto da bondosa mulher, empenhar o anel de casamento para que ele perdesse tudo de novo na roleta. Oh, fatalista!

Ao narrar a chegada de Dostoiévski em Petersburgo para velar o corpo de seu filho adotivo, “morto num suicídio”, Pável Isaev, Coetzee vai mergulhar na psicologia (criatura e criador) de Dostoiévski de maneira cruel, fantástica e realista. Quem era mesmo que dizia: “Eu acredito num realismo que tangencia o fantástico.”? Dostoiévski desembarca em Petersburgo com o nome falso do pai de Pavel Isaev. Nessa época, o escritor foragido em Dresden, estava devendo à metade da capital imperial. No seu enlutamento, atrai as pessoas para junto de si, como uma aranha, conduzindo-as para o seu nicho, o abismo das contradições. “Sou parte dessa força que eternamente aspira o bem, mas que constantemente produz o mal.” Não, Odomiro, Goethe diz o contrário! Dostoiévski não é o santo que aprendemos no catecismo. E nunca poderia ser! Joseph Frank, o biógrafo mais famoso, chega a supor no seu primeiro volume que as extorsões de dinheiro que fazia ao seu pai, à época da Escola de Engenharia Militar, eram fruto de noitadas em recintos onde havia prostituição e jogatina.

O ápice da idéia de Coetzee é o encontro entre o escritor e o anarquista Netcháiev, seu futuro Stavroguin. O diálogo entre esses camaleões que se escondem nos subúrbios de Petersburgo, com objetivos tão diferentes, é a cereja do bolo: “um réptil devora o outro”, dizia Ivan Karamazov. Assim, naturalmente, Dostoiéski se deixa levar pelo fulgor nada inocente de Netcháiev. Quem é o Mestre de Petersburgo? Netcháiev estimula o Judas no maduro escritor, mas ele tem o Cristo fortemente cravado em seu coração e não vai trocar de papéis como uma criança indefesa. Cristo e Dostoiévski: o desejo do escritor. Marias Madalenas, pobres trabalhadores insolentes e traidores. Algo em comum? Esse mergulho no submundo é a sua força, o atrito entre vetores discrepantes é a sua principal fonte, o alimento de sua existência. Atiça Deus para que saia de seu silêncio. Nisso se parece com Ivan Karamazov!

Só queria recomendar esse livro, O Mestre de Petersburgo, que é de um desnudamento arrebatador. Dizem que o sono organiza as idéias. O dia amanhece atrás de mim. É hora de me deitar. Deixarei tudo bagunçado, como num diário que ninguém mais vai ler. O tempo das coisas organizadas, revisadas, é para a posteriori. Por enquanto, o caos, bem dostoievskiano.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Зеркало


E se os epitáfios fossem descritos na linguagem dos sonhos? Quem, ao olhar pra si, em sua ancestralidade, enxergaria mais do que uma sociabilidade anti-social? O Espelho pode revelar mais do que a imagem de nós mesmos?

Andrej Tarkovski transcende. Hoje, resolvi rever esse filme. Diante de uma obra de arte deveríamos nos calar, se acanhadas fossem as palavras. Susteria-se a lágrima, se insensível fosse o olhar. E perante o espelho, seria corpo, o que o pensamento tende a acentuar.












"Te esperei ontem toda a manhã,
eles sabiam que você não vinha.
Mas, o tempo, sabe?
Estava uma maravilha!
Mas hoje, quando está aqui,
Eles fizeram um dia escuro,
com a chuva.
E as gotas deslizam pelos ramos frios,
E nada, nem as palavras, nem o lenço as paralisam..." Arsenii Tarkovski (pai de Andrej)

domingo, 9 de maio de 2010

Vàli


Vàli, este é o nome do violonista e guitarrista norueguês que gravou esta belíssima obra que desejo compartilhar com vocês. Vàli gravou este disco, Forlatt, em 2004. Infelizmente, não encontrei muitas informações sobre ele, nem no wikipedia em inglês! Ao que me consta, ele faz parte de um grupo de Doom e Black Metal chamado Skumring, muito atuante no universo sombrio do rock pesado nórdico. Mas, quem acha que em Vàli vai encontrar uma sonzeira de difícil absorção, está muito enganado. A música deste disco é suave e delicada, com um violão acústico que se sobressai perante os outros instrumentos: violão, cello, piano e flautas. Uma música gostosa para se ouvir num dia frio (a gente em Recife não sabe o que é isso!) ou chuvoso. Contemplando pela janela o movimento brando e compassado da natureza. A música deste disco é delicada e triste, chega a ser um tanto sombria. Acho que para quem mora num lugar frio como a Noruega, deve ser de aconchego incomparável.

Fica a sugestão. Aos amigos que gostam de Sigur Rós, Clint Mansell e Píffaro, acredito que vocês vão gostar, sim! Para quem gosta daquele metal mais harmônico, é um prato cheio e suculento.

A Copa do Mundo 2010


Desde que comecei a acompanhar as Copas do Mundo em 1990, na Itália, não perco a oportunidade de observar, de quatro em quatro anos, os embates entre as seleções de diversos continentes numa "guerra mundial" pela supremacia no futebol. O mundo todo está presente, 32 seleções de todos os continentes e apenas uma voltará pra casa com a taça pra oferecer ao seu povo. Porém, muito além da objetividade da conquista, no perpassar das copas, fica na lembrança o esforço de alguns escretes que se superaram, ultrapassaram os limites técnicos e deixaram para História das Copas, o exemplo de bom futebol, de organização e vontade.

Lembro-me na Copa de 1990 da seleção da Irlanda, pela primeira vez disputando o torneio, e conseguiu chegar, na base da vontade, às quartas-de-final, perdendo para a anfitriã Itália num suadíssimo 1x0. Aquele time que contava com jogadores que ainda hoje me lembro bem, como o goleiro Pat Bonner (ídolo do Celtic da Escócia) e os atacantes grandalhões Toni Cascarino (de origem italiana
e destaque do Liverpool) e John Aldridge. Em 1994, duas seleções encantaram os amantes do futebol: a Romênia de Gheorghe Hagi e a Bulgária de Hristo Stoichkov. Duas seleções do leste europeu, que jogavam pra frente, não temiam os poderosos de seus grupos: a Romênia eliminou a badalada Argentina de Batistuta e a Bulgária dispachou a Alemanha de Klinsmann. Ainda hoje, um dos gols mais lindos que já vi na vida, foi marcado pelo romeno Hagi contra a Colômbia, nesta Copa. Ele recebe a bola na lateral esquerda e manda um chutaço em direção ao gol. O pobre goleiro colombiano percebe a bola se aproximando e não consegue decidir-se se sai pra cortar o cruzamento ou se fica embaixo das traves pra defender o chute. Em sua indecisão observa a bola caindo vertiginosamente nas suas costas e morrendo no ângulo. A curva que a bola faz é de difícil explicação até para um físico experiente, creio eu. Em 1998, a Nigéria também chamava a atenção para o surpreendente futebol africano que, na realidade, desde 1990 com os Camarões liderados por Roger Mila, já mostravam que tinham potencial para evoluir, como de fato hoje, não são mais surpresas pra ninguém. Mas, a grande maravilha da Copa 1998, foi a estreante Croácia. Eu me lembro das discussões que tinha com meu primo Edson, também amante do futebol, e eu dizia que a Croácia ia ser a surpresa daquela Copa, e acertei em cheio. A seleção formada por craques habilidosíssimos como Prosinecki, Suker, Vlaovic, Boban, Asanovic... passeou pelos gramados franceses e só não chegou na final com o Brasil, por causa de dois gols bambos do lateral direito francês, Thuram, que era destro e fez dois dols de fora da área com o pé esquerdo.

Essas seleções-surpresa são o que de mais bonito existe numa Copa do Mundo, esse torneio que consagra o espetáculo do bom futebol. Quantas seleções não chegaram super-favoritas e viram os prognósticos se dissolverem. Nessa Copa de 2010, o Brasil é o grande favorito, sim. E Dunga tem conseguido afastar as vaidades do time. Acredito que nosso escrete canarinho vá longe na disputa. O problema é que a Copa do Mundo tem o poder de evocar um poder sobrenatural que transforma times que estão desacreditados em heróis. As duas Copas que vi o Brasil ganhar, 1994 e 2002, a seleção deixou o território nacional sendo vaiada e esculachada pela população e imprensa, e voltaram com a taça. A Argentina viaja para a África do Sul sob esse clima de desconfiança. Maradona levando porrada de todos os lados. Mas ele, um herói nacional, sabe como poucos evocar essa força oculta que existe dentro das quatro linhas. Por isso, não descarto a Argentina como favorita. A Holanda e a Espanha também merecem ficar entre as favoritas. Especialmente, a Holanda! Essa seleção teve o melhor aproveitamento das eliminatórias européias e vem com um meio de campo de fazer inveja, com Van Bommel, Robben, Sneijder e Van Persie, tendo Kuyt no ataque. Se encaixarem bem, chegarão longe. Minha aposta para a surpresa do Copa vai ficar com uma seleção do leste europeu e outra africana. Vou dar-me o direito de dar dois chutes: primeiro, a seleção da Sérvia. O estilo de futebol dos Balcãs é muito parecido com o brasileiro: velocidade, dribles e muito ataque. A outra seleção é a Argélia. Esse time não tem nenhum craque que se destaque, exceto talvez o meia Ziani. Mas, os argelinos, se entrarem comendo a grama que nem fizeram contra os poderosos egípcios, vão chegar, quem sabe, até as quartas. Aliás, o Egipto vai fazer falta nessa Copa. Eles tem o melhor time das últimas décadas, mas foram eliminados pelos argelinos.

Palpites dados, resumo da seguinte forma. Para o título, qualifico Brasil, Argentina ou Holanda. Para surpresa do Copa, reservo o título para a Sérvia e a Argélia. Para as decepções da Copa, as eternas "furonas", Espanha e Inglaterra. Ah, deixo de sobreaviso, belos jogos farão as seleções da Dinamarca e da Nigéria, mas não sei se chegarão muito longe. É isso, falar de futebol é sempre gostoso. Para mim, é um prazer. Em junho, dividirei meu tempo entre a dissertação e os jogos. Gosto de assistir todos os jogos, se possível. Acho bonito ver partidas entre povos de etnias diferentes, lutando por algo que mobiliza suas nações, mas que não traz em seu bojo, a tragédia da guerra ou da morte. São homens disputando através do esporte. Todo o globo de olho numa pequena bola. O macro e o micro. Uma partida entre México e Japão, Dinamarca e Gana, Argélia e Paraguai... pode nos revelar a riqueza de vivermos num mundo de tamanhas diferenças étnicas, mas de possível convivência. Até junho, meus amigos. E viva o futebol!

gol de Hagi: http://www.youtube.com/watch?v=1GzGOm4Ohcg (narração em romeno)

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Bola Pra Frente


O Náutico perdeu o Campeonato Pernambucano para o Sport, num resultado conjugado de 3x3, sendo que o rubro-negro da Ilha fez mais gols fora de casa. Como dito na postagem anterior, os dois times deixaram à vista suas deficiências técnicas expostas para seus torcedores. Não vou falar dos problemas do Sport, porque sua torcida sempre acredita que eles possuem um grande time e não adianta discutir. Mas, em relação ao meu Náutico, as deficiências nas laterais desde a primeira rodada do estadual, a falta de um meia habilidoso que faça o último passe para os finalizadores, esses últimos, o terceiro problema crônico do time, constituem os maiores entraves para a disputa de um título. Sendo assim, podemos diagnosticar que três setores não estão rendendo proveitosamente: laterais, meia de ligação e centroavante. O Campeonato Brasileiro da Série B já se inicia nesse sábado, contra o fortíssimo time do Coritiba. Quais as soluções coerentes para se organizar o clube pra essa competição visceral, que garante o acesso à elite do futebol nacional e às receitas menos humilhantes para o bom funcionamento do clube?

A maior conquista da longa história do Náutico é o hexacampeonato, conquistados entre 1963 e 1968. Ontem, o Sport alcançou o pentacampeonato e, pela terceira vez (Santa Cruz em 1974 e Sport em 2001), o maior orgulho da torcida alvirubra se vê ameaçado. Diante deste imperativo, a necessidade de agir é crucial. Mas, ação quer coincidir com estruturação, organização, ao invés de desespero e exaltação. Quem foi à Ilha do Retiro assistir ao jogo final do campeonato, saiu sem ter com quê reclamar, senão da sorte, que mais uma vez abandonou o escrete alvi-rubro no momento de decisão. Os jogadores demonstraram muita raça, vontade de vencer, toda a torcida percebeu e reconheceu. Esse tipo de atitude, se não se iguala ao sentimento jubiloso da vitória, ao menos, conforta o ego da torcida. Os jogadores foram até o seu limite, e é nessa parte que entra a atuação da diretoria de futebol: o limite técnico dos jogadores. Alguns demonstraram que tem condições de envergar a tradicional camisa listrada em vermelho e branco. Outros, apesar da superação, devem ir buscar a chance em outros clubes menores, ou mudar de profissão.

O Náutico contratou dez jogadores para a disputa da Série B, mas antes precisa garantir a presença de nomes como Hamilton, Ramires, Zé Carlos e Carlinhos Bala. Muitos dos recém-contratados eu não conheço, outros tem um bom referencial, mas espero que se encaixem no estilo de jogo do treinador Alexandre Gallo, que mesmo perdendo o título, caiu nas graças da torcida pela forma ousada que comandou a equipe. Em toda a minha vida de torcedor, não me recordo de nenhum time que tenha entrado na Ilha do Retiro com quatro atacantes na linha de frente, encurralando o Sport em seu campo, deixando apreensiva sua torcida. Fico a imaginar se os quatro atacantes fossem: Carlinhos Bala, Gilmar, Felipe e Wellington,O Tanque. Eu prefiro perder jogando pra frente do que ser esmagado o jogo todo e levar um melancólico gol de escanteio e não ter forças pra reagir. Espero que os dez reforços : o goleiro Rodrigo Carvalho vindo do Vitória/PE; os laterais Anderson Paim vindo do Mirassol/SP e César Prates vindo do Joinville/SC; os zagueiro Saulo vindo do Araripina/PE e Walter vindo do Botafogo/SP; o volante Elton vindo do Bahia; os meias João Henrique vindo do Botafogo/SP e Thiago Marin vindo do Uberaba/MG; além dos atacantes Erivelto vindo do Canendense/GO e Evando vindo da Ponte Preta/SP, possam ajudar o Náutico a voltar para a Série A, se fortalecer mais, fazer bons contratos com os jogadores fundamentais do elenco e trazer estrelas do futebol nacional para fazer parte do elenco em 2011. Essa é a maneira mais coerente de defender o hexacameponato, no ano que vem.

Chegamos a segunda questão desse problema estrutural e motivacional do Náutico: é preciso pensar num futuro mais promissor do que a simples defesa do Hexa. O nosso maior rival nos mostrou que é possível para um clube do Nordeste, disputar a Libertadores e ganhar títulos nacionais como a Copa do Brasil. Por que não pensar num projeto para 2011 desde já? A torcida não sente credibilidade nas diretorias que comandaram o Náutico nos últimos tempos. Uma recente auditoria privada mostrou que a última administração gastou cinquenta mil reais, em dois anos, com garrafas de whiskey. Quem de sã consciência vai tirar 70 reais (valor pra se associar) todo mês pra encher a cara de pessoas arrogantes e incompetentes?! O atual gestor parece ser uma pessoa com mais postura, apesar dos problemas recentes com a imprensa (que de santa não tem nada!). O torcedor paga os 70 reais se sentir retorno e compromisso de quem comanda.

É preciso desejar boa sorte nessa nova jornada que se inicia, deixando claro que é preciso mostrar aos jogadores que eles tem uma missão à curto prazo. E os diretores tem uma missão à médio e longo prazo: a de transformar esse clube que possui uma torcida tão fiel e resistente aos insabores das últimas décadas num grande clube do Nordeste, conquistando manchetes mais respeitosas no cenário nacional. Náutico Acima de Tudo!

segunda-feira, 3 de maio de 2010

A Final do Pernambucano 2010


Ontem foi o primeiro jogo da final do Campeonato Pernambucano 2010, e o Náutico pulou na frente com uma vitória de 3x2. Porém, entre os torcedores, uma amarga sensação de que poderia ter decidido a guerra logo ontem, pois o Timbu abriu vantagem de 3x0. Bem, não sou jornalista, nem almejo ser imparcial. Sou torcedor do alvirubro de Rosa e Silva. Nesta quarta, acontecerá o jogo decisivo no Estádio da Ilha do Retiro, com o Náutico jogando pelo empate. Portanto, dentro da minha esfera de comunicação, vou fazer uma análise da situação em que os dois grandes times da capital se encontram.

Em primeiro lugar, deve ficar claro que o Campeonato Pernambucano é de um nível técnico muito deficiente. Está claro que os jogadores estão sendo briosos e destemidos. Mas, não creio que nossos times, com os elencos que possuem, façam algo de relevante no Brasileiro Série B. O Santa Cruz parece ter sido o grande vencedor do campeonato, pois conseguiu reunir bons jogadores que aliados ao que deverão chegar, podem ajudar o Santa no seu renascimento para o futebol nacional. Mas, Náutico e Sport são carentes de atletas para suprir os poucos bons jogadores que possuem em seus elencos. Por exemplo, o Sport perdeu Dutra pra final e não tem um reserva à altura. O Náutico terá que improvisar dois jogadores nas duas laterais. Esses, são exemplos que estão à vista de qualquer um, das deficiências dos nossos times. Entretanto, apesar da capenguice, vale ressaltar o fulgor das torcidas. Não se fala em outra coisa na cidade! O amor do torcedor é impossível de ser descrito à luz da sabedoria e razão. O Santa Cruz, o mais enfraquecido dos clubes da capital, mais vulnerável, oscilante, colocou por várias vezes, público superior a 40 mil pessoas.

A decisão se aproxima. Será o Sport pentacampeão ou o Náutico romperá um jejum de títulos contra o seu maior rival? Espero que a segunda opção se sobressaia. No último domingo, o Náutico com um esquema tático extremamente ousado (4-2-4), com quatro atacantes dominou por completo o Sport e, por infelicidade, não saiu com uma goleada que seria, de fato, justa. O Sport, para apimentar o último jogo, arrancou dois gols que, apesar dos méritos dos chutadores, contaram com a imensa sorte da bola ter desviado no meio do caminho e ter traído a defesa timbu. A questão para a decisão de amanhã é que o Náutico precisa esquecer que tem a vantagem do empate. Se jogar na defesa, com o bumbum na parede, como se diz na gíria do futebol, vai perder, nem que seja de um a zero, num escanteio qualquer. Torço para que o treinador Alexandre Gallo, entre com o time ofensivo, com três atacantes, prá cima do Sport! Apesar das deficiências dos dois times, esse título terá um sabor muito especial para a comunidade alvirubra. Há 16 anos não havia uma final entre os dois clubes e há 42 anos não vencemos o Sport nas finais. Eu, que me considero cético na maioria das coisas, reservo para o futebol minha maior dosagem de superstição. Acredito nas figas, nas amarrações, nos pagamentos de promessas e coisas do tipo. Ciro, o homem-sereia, estará amarrado amanhã, não vai fazer gol. Acredito que esse jejum de títulos é pra compensar o hexacampeonato em que ganhamos as seis finais em cima do Sport. Assim, como acredito que a Batalha dos Aflitos (Náutico 0x1 Grêmio) seja o pagamento da dívida que o Náutico tem com os deuses do futebol por ter sido o último clube do Brasil a aceitar negros no quadro social. Dívidas pagas, é hora de plantar novas sementes do presente. Muito se diz que o Náutico é time de elite, que o Santa Cruz é time de quem mora no morro, e por aí vai. Mas, a verdade é que os três times contemplam todas as classes sociais e mobilizam toda a cidade em dias de decisão.

Será uma batalha duríssima. O time do Sport é um pouco melhor que o do Náutico no papel, mas é um time que tem poucas variações de jogo, atua sempre no mesmo esquema tático, é previsível. Amanhã, as excelentes atuações de Hamilton e Ramires serão fundamentais para anular o meio de campo do Sport que estará inflamado pela sua torcida que promete levar centenas de sinalizadores para colocar a Ilha do Retiro em chamas. Será um grandioso espetáculo. Gostaria de não me sentir envolvido pelo resultado da peleia, pois será um belo panorama pra se contemplar.

Esse blogueiro que vos escreve, encontra-se nesse exato momento doente: febre, dores nos ossos, garganta inflamada. Após chegar em casa do clássico no último domingo, tive febre de 40,5 graus. Minha família estava viajando no sertão. Não tinha remédio em casa e eu não tinha condições nem de levantar da cama. Tive alucinações, vultos acinzentados corriam na escuridão. Quando conseguia dormir, tinha sonhos perturbadores como quem está no fundo de uma piscina sem conseguir mexer o corpo e clama pela ajuda de alguém. Mas, pra minha imensa sorte, meus pais voltaram na segunda de manhã e estou sendo medicado, tratado e mimado (nessas ocasiões quem não gosta?!). Estou aqui, pianinho, tomando chá, remédio, fazendo gargarejo de hora em hora. Só levanto da cama pra vir no computador. Tinha planejado começar a escrever a dissertação hoje, mas vou adiar por alguns poucos dias, espero. Um amigo acabou de ligar, está na bilheteria dos Aflitos, onde vendem ingresso pra torcida do Náutico que vai pra Ilha do Retiro: "E aí, quer que eu compre teu ingresso?" Por via das dúvidas, não quero perder esse momento histórico. Que vença o... Náutico!