segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O Coração dos Aflitos

Nesta segunda-feira, 17 de outubro de 2011, o Clube Náutico Capibaribe assinará o contrato de parceria com uma grande empreiteira e o Governo do Estado, para que o clube passe a assumir o estádio da Copa do Mundo de 2014, a chamada Arena da Copa. Aliás, esse nome “arena” me incomoda. Por que não estádio ou coliseu? O estádio nos lembra que o esporte competitivo também é uma arte, um teatro à céu aberto que nos conduz, muitas vezes, às raias mais tensionadas da emoção.

O Náutico abandonará sua casa, o Estádio Eládio de Barros Carvalho, popularmente conhecido como Aflitos, nome do bairro onde se situa o clube, que por sua vez, possui este nome graças à capela de Nossa Senhora dos Aflitos. Dirigentes ávidos por mudanças assinarão um contrato em que o Náutico alugará o terreno do estádio para que construam algo rentável (um shopping, edifícios empresariais...) para as construtoras. Em troca do aluguel, terá uma renda mensal vantajosa para os padrões atuais, receberá a Arena da Copa (um estádio nos moldes mais modernos), melhorias estruturais no Centro de Treinamento da Guabiraba e a possibilidade de se tornar independente financeiramente.

As vantagens parecem incontestes do ponto de vista econômico. Mas, “quando a esmola é demais, o santo desconfia”, e alguns fatores me deixam escaldado. O primeiro foi a rapidez em se resolver pela venda do estádio. Entre o surgimento da notícia, a votação pelos conselheiros e a assinatura do contrato, não teve o intervalo de três meses, sequer. Um, dois, três e pimba! Não houve uma pesquisa entre os amantes do clube, uma enquete séria com as grandes mídias, uma urna na entrada dos sócios para pedir-lhes a opinião. Mal os torcedores discutiam nos bares ao redor do estádio, a notícia já estava pronta, com as “vantagens” supracitadas.

Entretanto, assim como na reprodução do cotidiano, os sentimentos são esmagados pelos números convincentes do discurso econômico. Ufanam os entusiastas: “virão títulos, modernidade, seremos a maior força do Nordeste...” Mas, se esquecem que o maior patrimônio de um clube é a torcida. A relação do Náutico com seu (ainda) atual estádio é visceral. O Estádio dos Aflitos foi o palco do hexacampeonato; da mais dolorosa derrota da nossa história, a umbrática Batalha contra o Grêmio; é, acima de tudo, o caldeirão que faz a diferença nos últimos anos pró-Náutico (vide sermos o único clube invicto das duas principais divisões em seu mando). É o teatro lato sensu, onde se ri e se chora.

O Náutico não possui a maior torcida da capital, perdemos em números para o Santa Cruz e o Sport, porém a presença da comunidade em um estádio central como os Aflitos mostra à cidade a presença da nação alvirrubra. Os Aflitos deram visibilidade ao Náutico, pois quando o time joga em seu reduto, mesmo quem não gosta de futebol sabe: hoje o Timbu tá na área. Sem demérito à cidade de São Lourenço da Mata, o novo estádio dificultará o acesso de quem mora em cidades como Olinda, Paulista e Jaboatão, por exemplo. Sem contar que nos jogos que acabariam à meia-noite, seria perigoso pegar a BR-232 e voltar pra casa. Além do mais, essa conversa que "vamos construir isso e aquilo pra facilitar o acesso", fica ao gosto de quem acredita em promessas políticas.

Em suma, corremos o risco de termos uma Arena vazia, que satisfará uma minoria obsequiosa por dinheiro, em oposição ao legítimo sentimento da torcida de perda da identidade. O que me incomoda nesse processo relâmpago é a velocidade como a negociação foi conduzida. Por que não se maturou um pouco mais sobre o tema? Por que não fizeram uma pesquisa com torcedores em dias de jogos? Será que ainda há tempo de conter o irremediável? A cidade continua crescendo, atropelando a história e as afetividades, em nome da glória mercadológica. Há de se endurecer a alma um pouco a cada dia para se adaptar às necessidades do mundo descartável.