sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Verdade e História

"Príncipe _ De todos os lugares, o que menos me agrada é a torre. Não foi Julio César quem construiu, Milorde?
Buckingham _ Sim, gracioso senhor, foi ele que lhe deu início; mas as idades sucessivas foram as que a reedificaram.
Príncipe _ Essa notícia consta da História, ou tudo é simples lenda que através das idades nos vem vindo?
Buckingham _ Consta da História, meu gracioso Lorde."

William Shakespeare, A Tragédia do Rei Ricardo III

domingo, 4 de janeiro de 2009

La Tristeza... Me Encanta

Nesse início de ano, num momento de otimismo e adoração aos deuses do futuro, eis que resolvo escrever uma pequena nota sobre a tristeza, sentimento adubado pelos acontecimentos da vida, respaldado pela razão e a loucura, de fronteira transparente entre o ódio, o amor e a indiferença. A tristeza é paradoxal em seu íntimo, quase sempre solitária em sua física, simultânea em sua filosofia. Uma ode à tristeza é o que proponho. Gostaria de externar minha afetividade àqueles que souberam laborar em seu tortuoso recinto, transformando em arte toda a força criativa que se engendra deste sentimento.

A melancolia nos assalta o espírito, mesmo quando não há razões para tal, mesmo que nossa vida seja agraciada, o derredor sempre nos abastecerá de amarguras. Particularmente, nesse momento, não tenho do que me queixar da vida. Porém, é-me impossível ficar indiferente à beleza da dor, do trepidar da carne do pecado, do arrepio da débil brisa que sussurra de dentro dos ataúdes.

Como diria Lukács, a alma é mais vasta e mais larga do que todos os destinos que a vida pode lhe oferecer, e sê inteiro na ventura é alargar-se escassamente neste manancial de possibilidades que é a vida. Por isso, me encanta penetrar no cerne da tristeza, onde é preciso a aproximação e o estudo, pois, ela é insensível ao longe. A morte de Jesus Cristo, seu sofrimento e martírio, nos forneceram imagens fascinantes no universo das artes. Certa vez, um jovem de quinze anos se aproximou de nosso profeta russo e perguntou-o o que seria necessário para ser um grande escritor. O mestre, resumidamente, disse: “É preciso sofrer.” Um sofrimento que não se resume ao corpo, talvez este seja o menor, mas algo muito maior, transcendente e espiritual.

Gostaria de terminar agradecendo aos grandes mestres da reflexão, aos que enxergam a beleza num vale de lágrimas, fascínio no apocalipse, abrigo na desordem. Em uma de suas crônicas da década de 1890, Machado de Assis deixa escapar: “Não é a tempestade que me aflige; é o enjôo do mar.” Ao final, a idéia de escrever sobre a tristeza partiu das músicas de Nick Cave e Belchior, mesmo reconhecendo que vários outros artistas, em outros campos da arte, também nos estimulam. Lembrando que a tristeza é a mola propulsora da alegria, desejo-os um feliz ano novo, meus queridos visitantes.

sábado, 3 de janeiro de 2009

Dínamo de Kiev

Olá meus queridos visitantes, espero que todos tenham tido uma excelente passagem de ano. Hoje, não vou postar um texto que surgiu de minha caixola, mas sim, um e-mail que recebi do meu amigo Daniel Breda e que achei por demais interessante e gostaria de compartilhar com vocês. Infelizmente, na reportagem, não aparece o nome do escritor, então não vai ter os créditos devidos. Espero que gostem, é um texto interessante até para quem não gosta de futebol.





A Partida da Morte



A história do futebol mundial inclui milhares de episódios emocionantes e comovedores, mas seguramente nenhum seja tão terrível como o protagonizado pelos jogadores do Dinamo de Kiev nos anos 40. Os jogadores jogaram um partida sabendo que se ganhassem seriam assassinados e, no entanto, decidiram ganhar. Na morte deram uma lição de coragem, de vida e honra, que não encontra, por seu dramatismo, outro caso similar no mundo.




Para compreender sua decisão, é necessário conhecer como chegaram a jogar aquela decisiva partida, e por que um simples encontro de futebol apresentou para eles o momento crucial de suas vidas.




Tudo começou em 19 de setembro de 1941, quando a cidade de Kiev (capital ucraniana) foi ocupada pelo exército nazista, e os homens de Hitler aplicaram um regime de castigo impiedoso e arrasaram com tudo. A cidade converteu-se num inferno controlado pelos nazistas, e durante os meses seguintes chegaram centenas de prisioneiros de guerra, que não tinham permissão para trabalhar nem viver nas casas, assim todos vagavam pelas ruas na mais absoluta indigência. Entre aqueles soldados doentes e desnutridos, estava Nikolai Trusevich, que tinha sido goleiro do Dinamo.




Josef Kordik, um padeiro alemão a quem os nazistas não perseguiam, precisamente por sua origem, era torcedor fanático do Dinamo. Num dia caminhava pela rua quando, surpreso, olhou um mendigo e de imediato se deu conta de que era seu ídolo: o gigante Trusevich.




Ainda que fosse ilegal, mediante artimanhas, o comerciante alemão enganou aos nazistas e contratou o goleiro para que trabalhasse em sua padaria. Sua ânsia por ajudá-lo foi valorizado pelo goleiro, que agradecia a possibilidade de se alimentar e dormir debaixo de um teto. Ao mesmo tempo, Kordik emocionava-se por ter feito amizade com a estrela de sua equipe.




Na convivência, as conversas sempre giravam em torno do futebol e do Dinamo, até que o padeiro teve uma idéia genial: encomendou a Trusevich que em lugar de trabalhar como ele, amassando pães, se dedicasse a buscar o resto de seus colegas. Não só continuaria lhe pagando, senão que juntos podiam salvar os outros jogadores.




O arqueiro percorreu o que restara da cidade devastada dia e noite, e entre feridos e mendigos foi descobrindo, um a um, a seus amigos do Dinamo. Kordik deu trabalho a todos, se esforçando para que ninguém descobrisse a manobra. Trusevich encontrou também alguns rivais do campeonato russo, três jogadores da Lokomotiv, e também os resgatou. Em poucas semanas, a padaria escondia entre seus empregados uma equipe completa.




Reunidos pelo padeiro, os jogadores não demoraram em dar o seguinte passo, e decidiram, alentados por seu protetor, voltar a jogar. Era, além de escapar dos nazistas, a única que bem sabiam fazer. Muitos tinham perdido suas famílias nas mãos do exército de Hitler, e o futebol era a última sombra mantida de suas vidas anteriores.




Como o Dinamo estava enclausurado e proibido, deram um novo nome para aquela equipe. Assim nasceu o FC Start, que através de contatos alemães começou a desafiar a equipes de soldados inimigos e seleções formadas no III Reich.




Em sete de junho de 1942, jogaram sua primeira partida. Apesar de estarem famintos e cansados por terem trabalhado toda a noite, venceram por 7 a 2. Seu seguinte rival foi a equipe de uma guarnição húngara, ganharam de 6 a 2. Depois meteram 11 gols numa equipa romena. A coisa ficou séria quando em 17 de julho enfrentaram uma equipe do exército alemão e golearam por 6 a 2. Muitos nazistas começaram a ficar chateados pela crescente fama do grupo de empregados da padaria e buscaram uma equipe melhor para ganhar deles. Trouxeram da Hungria o MSG com a missão de derrotá-los, mas o FC Start goleou mais uma vez por 5 a 1, e mais tarde, ganhou de 3 a 2 na revanche.




Em seis de agosto, convencidos de sua superioridade, os alemães prepararam uma equipe com membros da Luftwaffe, o Flakelf, que era um grande time, utilizado como instrumento de propaganda de Hitler. Os nazistas tinham resolvido buscar o melhor rival possível para acabar com o FC Start, que já gozava de enorme popularidade entre o sofrido povo refém dos nazistas. A surpresa foi grande, porque apesar da violência e falta de esportividade dos alemães, o Start venceu por 5 a 1.




Depois dessa escandalosa queda do time de Hitler, os alemães descobriram a manobra do padeiro. Assim, de Berlim chegou uma ordem de acabar com todos eles, inclusive com o padeiro, mas os hierarcas nazistas locais não se contentaram com isso. Não queriam que a última imagem dos russos fosse uma vitória, porque acreditavam que se fossem simplesmente assassinados não fariam nada mais que perpetuar a derrota alemã.




A superioridade da raça ariana, em particular no esporte, era uma obsessão para Hitler e os altos comandos. Por essa razão, antes de fuzilá-los, queriam derrotar o time em um jogo.




Com um clima tremendo de pressão e ameaças por todas as partes, anunciou-se a revanche para 9 de agosto, no repleto estádio Zenit. Antes do jogo, um oficial da SS entrou no vestiário e disse em russo:




- "Vou ser o juiz do jogo, respeitem as regras e saúdem com o braço levantado", exigindo que eles fizessem a saudação nazista.Já no campo, os jogadores do Start (camisa vermelha e calção branco) levantaram o braço, mas no momento da saudação, levaram a mão ao peito e no lugar de dizer: - "Heil Hitler!", gritaram - "Fizculthura!", uma expressão soviética que proclamava a cultura física.




Os alemães (camisa branca e calção negro) marcaram o primeiro gol, mas o Start chegou ao intervalo do segundo tempo ganhando por 2 a 1.Receberam novas visitas ao vestiário, desta vez com armas e advertências claras e concretas:




- "Se vocês ganharem, não sai ninguém vivo". Ameaçou um outro oficial da SS. Os jogadores ficaram com muito medo e até propuseram-se a não voltar para o segundo tempo. Mas pensaram em suas famílias, nos crimes que foram cometidos, na gente sofrida que nas arquibancadas gritava desesperadamente por eles e decidiram, sim, jogar.




Deram um verdadeiro baile nos nazistas. E no final da partida, quando ganhavam por 5 a 3, o atacante Klimenko ficou cara a cara com o arqueiro alemão. Deu lhe um drible deixando o coitado estatelado no chão e ao ficar em frente a trave, quando todos esperavam o gol, deu meia volta e chutou a bola para o centro do campo. Foi um gesto de desprezo, de deboche, de superioridade total. O estádio veio abaixo.




Como toda Kiev poderia a vir falar da façanha, os nazistas deixaram que saíssem do campo como se nada tivesse ocorrido. Inclusive o Start jogou dias depois e goleou o Rukh por 8 a 0. Mas o final já estava traçado: depois dessa última partida, a Gestapo visitou a padaria.




O primeiro a morrer torturado em frente a todos os outros foi Kordik, o padeiro. Os demais presos foram enviados para os campos de concentração de Siretz. Ali mataram brutalmente a Kuzmenko, Klimenko e o arqueiro Trusevich, que morreu vestido com a camiseta do FC Start. Goncharenko e Sviridovsky, que não estavam na padaria naquele dia, foram os únicos que sobreviveram, escondidos, até a libertação de Kiev em novembro de 1943. O resto da equipe foi torturada até a morte.




Ainda hoje, os possuidores de entradas daquela partida têm direito a um assento gratuito no estádio do Dinamo de Kiev. Nas escadarias do clube, custodiado em forma permanente, conserva-se atualmente um monumento que saúda e recorda àqueles heróis do FC Start, os indomáveis prisioneiros de guerra do Exército Vermelho aos quais ninguém pôde derrotar durante uma dezena de históricas partidas, entre 1941 e 1942.




Foram todos mortos entre torturas e fuzilamentos, mas há uma lembrança, uma fotografia que, para os torcedores do Dinamo, vale mais que todas as jóias em conjunto do Kremlin. Ali figuram os nomes dos jogadores.