quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Saudades do Marista






Faltam dois minutos para as duas da manhã da quarta feira pré carnavalesca de 2009. Estava eu lendo o primeiro romance de Dostoievski, Gente Pobre, onde a personagem Várvara Dobrossiólova narra em formato de cartas, suas tristes recordações da primavera da vida. A leitura fazia-se tensa, carregada de imagens turvadas. Dostoievski faz a gente sentir a dor de uma experiência que não vivenciamos. Ler suas obras é um aprendizado e um exercício de reflexão de nossas ações. Ele sempre nos lembra que esquecemos de alguém na margem que ficou da ponte que nos leva ao super-homem. Após o relato de Várvara sobre a morte de Pokrovskii, adormeci com a luz do quarto acesa, com o livro aberto na cama e com os óculos fazendo função de marcador de texto. O coração angustiado encontrou na escuridão do sono um repouso. Ao mergulhar nessa tal escuridão, acordei nas memórias de minha infância. Período em que tudo é mais fantasioso, pois as impressões do mundo são muito maiores. Estava eu sentado num batente do carredor em frente à capela do Marista e podia ouvir o barulho nítido da algazarra que vinha dos dois lados para onde o corredor servia de ligação. Há algum tempo, desejava falar sobre as memórias do Colégio Marista e se não for sob essa impressão que me toma, não posso crer noutro momento.




Pensar em minha infância é lembrar do Marista e isso tem uma explicação. Até os dez anos de idade, eu estudava pela manhã e à tarde vinha para minha casa aqui no Engenho do Meio. Aqui pelas ruas vizinhas, jogava futebol de barrinha nas ruas de barro, bola de gude e video game Atari, além de tomar o raspa-raspa no fim da tarde. Certo dia, o time da nossa rua jogou com o pessoal da comunidade Sapo Nu (hoje, Vila Redenção) e eu era o goleiro do time e levei um gol que não foi frango, mas defensável. Um amigo mais velho que era como se fosse um capitão do time, robusto, bateu em mim na frente dos colegas. Ele tinha doze anos. Voltei pra casa chorando e meus pais para evitarem conflitos de vizinhança por causa dessas coisas que são até normais, embora sejam malévolas para a criança, resolveram que eu passaria o dia na escola, fazendo esportes e estudando, voltando para casa apenas no final da tarde. Assim, rompi com os colegas da rua. Chegava no Marista de 06:30 da manhã nas terças e quintas para assistir a missa, por vontade própria e, chegava em casa entre seis e sete da noite. Nesse período treinei futebol de salão e basquete, sem destaque algum. Muitos alunos também passavam o dia fazendo atividades no Colégio, que era imenso. Recordo-me das tardes na biblioteca que ficava perto da quadra de basquete, quando eu ficava lendo e anotando as informações sobre os países ao redor do mundo nas enciclopédias da Mirador e Britannica. Também fui representante do DEFE (Departamento de Educação Física e Esportes) pela 5ªE, 6ªF e 8ªD (essa última prometendo pagar picolé pra quem votasse em mim), o que me garantia ocupações diárias como organizar a turma para o grande evento do colégio que eram as Olimpíadas Champagnat. Tudo isso que estou falando carece de maiores explicações. O Padre Marcelino Champagnat foi o fundador dos Maristas no período da Revolução Francesa... Ah, google it! Além do mais, numa das gincanas do colégio não acertei o nome do local onde Champagnat tinha nascido perante a quadra cheia de alunos e pais. Fiquei roxo de vergonha.






O que me motiva a escrever sobre minha infância no Marista é o fato do colégio não existir mais, fisicamente. Na minha cabeça, cada pedaço do colégio existe. Desde os detalhes dos jardins, dos campos de futebol, piscina, salas e carteiras, o toque Für Elise de Beethoven, até a passagem para o telhado, onde gazeava aula. Desde que saí do colégio no final de 1994, tendo terminado a oitava série lá, sempre ouvi falar na decadência do colégio, que seria vendido, que estava para acabar... mas, nunca imaginei que da queda ao coice, o intervalo seria tão curto. Um belo dia, estava eu numa daquelas cadeiras altas do ônibus, que ficam em cima dos pneus traseiros e olhei para o lado e tomei um susto, um tapa que só de lembrar parece que o sinto novamente: o Marista havia sido implodido! E ao invés de sua arquitetura belíssima do início do século XX, havia apenas o vazio, onde podia-se ver da Avenida Conde da Boa Vista, a Rua da Conceição, ao longe. Ainda hoje, quando passo no ônibus que vejo o prédio da portaria abandonado, o azulejo com a foto de Champagnat ali esquecido, meu coração se apequena. A capela do Marista era belíssima! Bem adornada, com pinturas de bom gosto no teto, quadros de valor. Fico imaginando o quão abandonado é o patrimônio de nossa cidade, pois será que nenhuma autoridade pode impedir a derrubada de tão rico acervo?! Mesmo que o colégio falisse, a estrutura poderia ser preservada. Se bem que imaginar aquelas salas cheias de vida sendo hoje uma loja de shopping não seria nada consolador.





O que mais me intriga é o fato de hoje em dia não ter permanecido os laços de amizade dos colegas comigo. Quantos deles eu me recordo o nome completo, a fisionomia e apelidos, mas que hoje, se passarem por mim na rua, sou capaz de não reconhecer. Para cada acontecimento é necessário uma postagem, como o dia que minha turma ia brigando com a 8ªB ou do dia em que fiz um gol no campeonato de futebol da olimpíada que ainda hoje me recordo vivamente do som da bola batendo na grade de ferro que ficava atrás da rede que estava furada. Da vergonha que eu sentia em dançar na abertura das olimpíadas. Dos passeios para Apipucos onde tinha uma árvore que tinha um bebedouro dentro. Do dia dos namorados em que me declarei para uma das meninas mais lindas do colégio que tinha 15 anos e eu tinha 13 e por causa dessa façanha virei o herói da turma e no período em que eu estava conversando com ela, o professor Murilo de Matemática não conseguiu dar as duas últimas aulas. Do desespero para passar em Matemática na sétima e oitava série que quase enlouquecia meus pais que pagavam o colégio derramando sangue. Do meu primeiro amor platônico: Viviane. Do inesquecível diretor Alcides Tedesco, de quem tenho uma imagem santificada. Da coordenadora Neide que aliviava minha barra com os professores, pois durante um mês o professor de matemática me proibiu de assistir as aulas dele. Do corredor polonês para entrar na sala. Do dia que ganhei a eleição pra coordenador de sala por 1 voto de diferença. Dos funcionários. Das aulas de religião com o professor Fábio quando ele botava a gente pra cantar músicas de Lulu Santos. O laboratório de ciências e o inolvidável professor Macário e seus fetos e esqueletos guardados pela sala. Do dia que desmaiei na sexta série e, dizem, depois desse dia deixei de ser um aluno comportado. Como diria o Rei Roberto: "São tantas emoções."




Sou grato dessas memórias me trazerem alegria. Na verdade, tenho medo esquecê-las. Tenho a impressão de ter vivido intensamente, com horas completas. A infância pode ser um período traumatizante e sei que ninguém passa incólume às decepções, aos anseios, desejos e cobranças. Mas, depois de quase duas horas tentando escrever o que sinto, fico com a sensação de não ter falado nada do que queria. São 03:54, o sono começa a enuviar minhas idéias, talvez nada mais venha à mente quando tudo escurecer. Hoje, para mim, o Marista é como um fantasma, um espírito amigo, onde aprendi lições das quais nunca vou me desvencilhar. Quando escolhi fazer o vestibular para História, tinha o sonho de um dia ensinar lá, mas assim como tantos outros que relato por aqui, não será realizado. O importante é estabelecer caminhos. Assim como Kublai Khan ouvia os relatos das Cidades Invisíveis de Marco Polo, sabendo que tudo era uma grande mentira, mas ouvia por devoção ao relato, devoto meu viver às lembranças e sonhos em meu distentio animi.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Um Eremita no Carnaval


Era tarde de segunda feira na cidade de Salzburg, tinha acabado de almoçar com investidores islandeses e o desengano emanado da situação atual em que os países ricos se encontram tomou conta do meu abalado espírito. Há alguns meses tenho tratado com empresários e investidores à beira do desespero, devido às variações (quase sempre negativas) do mercado financeiro. Semana passada, um empresário francês do ramo de automóveis, cometeu suicídio. Esse ato de fúria contra si próprio muito me abalou, pois me fez recordar o verão em que passei na residência do Monsieur Donatien na praia de Acqua Doria na Corsega. Ao sair da reunião com os islandeses minha cabeça rebentava e resolvi sentar-me à frente do Museu Mozart e ler algumas páginas do Hipérion de Hölderlin, que narra a viagem de um eremita pela Grécia perdida. A idéia de abandonar meus afazeres veio à tona com uma força vulcânica, mas antes das idéias irromperem, adentrei no museu e resolvi mergulhar no universo das composições de Wolfgang Amadeus. Tudo o que antes assolava meu espírito em irascíveis amolações começava a transformar-se em vontade, desejo de viver como Hipérion, de deitar-me sobre um rochedo e conversar com os deuses naturais, confabular com o Criador sobre as belezas que os errantes enxergam. Na sala em que minha cabeça volteava, a música da sinfonia concertante tornava-me mais altivo. E, salvo pela arte, sai saltitante pelas gélidas ruas de Salzburg com uma decisão: abandonaria minha vida de consultor financeiro de sucesso e viajaria para um país onde pudesse exercitar outros saberes mais espirituais, assim como Engels atravessara a França à pé, dormindo em estalagens modestas e deliciando-se com o vinho.


Uma vida de eremita neste final de Inverno europeu não seria nem um pouco agradável. Resolvi que iria em busca de minhas raízes no nordeste do Brasil, mais precisamente, na cidade do Recife. Dei-me conta que estávamos às vésperas do carnaval e que não haveria melhor ocasião para ter com meus conterrâneos. Tomei outra decisão radical: levaria apenas 100 reais para o Brasil, compraria cachaça e iria vender "meladinha", uma cachaça que fazia nos tempos da juventude e assim, obteria meu sustento. Também seria ocasião para rever meus parentes que há muitos anos não tinha notícias. Entrei na internet para saber notícias dos preços dos shows no carnaval e fiquei agraciado quando percebi que todos as apresentações de artistas que há muito tempo sequer ouvia falar, seriam gratuitas, todas! Resolvi fazer uma agenda das coisas imperdíveis que poderei assistir de graça (deixarei essa agenda no final).


Sendo assim, estarei desembarcando na cidade maurícia no sábado de tarde, 13h, e irei direto para a festa do Cabeça de Touro no Engenho do Meio, onde nos tempos de minha juventude, esta festa era frequentada pela mais bem opinada elite intelectual recifense. Será bom viver como um eremita na cidade onde cresci e aprendi a enxergar o mundo com olhos desconfiados. Além do mais, poucos realmente sabem minha identidade e o padrão de vida que levo na Europa, portanto só hão de se aproximar de mim, aqueles cujas intenções transcedem os interesses econômicos. Segue minha programação na maurizstaadt. Ah, minha meladinha estará sendo vendida por 4 reais uma garrafinha. Na promoção, faço 3 garrafinhas por 10. É nóis, Queiróz!


Sábado, 14/02: Cabeça de Touro


Domingo, 15/02: Velha Guarda da Mangueira no Fortim em Olinda, 19h. Show de Lula Côrtes na Rua da Moeda, 22h.


Quarta-Feira, 18/02: Demônios da Garoa e Paulinho da Viola no Fortim em Olinda, 20h.


Sexta-Feira, 20/02: Abertura Oficial do Carnaval do Recife no Marco Zero com Caetano Veloso, Claudionor Germano e a Orquestra da Bomba do Hemetério, 19h.


Sábado, 21/02: Sobrecú em Afogados, 09h e depois Eu Acho É Pouco em Olinda, 16h. Pela noite, irei ao RecBeat assistir o show do Afrika Bambaata, 22h.


Domingo, 22/02: Timbu Coroado, 09h. Pela noite no Marco Zero: Mundo Livre, Manu Chao, Gogol Bordello, Nação Zumbi e Siba & a Fuloresta (todos no mesmo palco).


Segunda-Feira, 23/02: Bloco da Ema em Olinda, 16h.


Terça-Feira, 24/02: Eu Acho É Pouco nas ladeiras de Olinda, 16h. Depois a festa de encerramento do carnaval no Marco Zero, 00h.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Timbu Coroado



Olá queridos visitantes do blog. Acho que vocês perceberam que voltei com gosto de gás: quatro postagens em três dias. Concordo que quantidade não é sinônimo de qualidade, mas espero trazer pra vocês assuntos dos mais relevantes, daqueles que tornam vocês orgulhosos de serem meus amigos, mesmo que virtuais. O assunto do dia tem se tornado bastante frequente por aqui e nas esquinas recifenses: é o velho e bom carnaval. Hoje, gostaria de falar sobre a troça carnavalesca mais antiga (que ainda está em atividade) da cidade do Recife, é o Timbu Coroado. Troça que desfilou pela primeira vez em 1934 (já já eu conto a história) e ainda hoje agita as ruas do bairro dos Aflitos no domingo de carnaval. Por minha devoção ao carnaval das ladeiras de Olinda, nunca brinquei o carnaval do Timbu, mas prometi que desse ano não passa, no domingão de manhã estarei por lá, bebendo cachaça (como um bom timbu) e dançando frevo. Aliás, tudo isso merece uma melhor explicação.




Para quem mora longe do Recife e não sabe a origem de tudo isso que estou falando, vou detalhar melhor. O timbu é um masurpial facilmente encontrado na beirada dos rios e, sendo nossa cidade um estuário, é muito comum encontrá-lo nos bairros onde o saneamento deixa brechas, por exemplo na Várzea do Capibaribe. Assim como se come carne de tatu, de faisão, de gato (vai dizer que nunca comesse um espetinho de gato no carnaval?!), também se come a carne do timbu. E a maneira de se caçar o nosso querido mascote é muito simples: coloca-se um pires com cachaça e o masurpial vem rapidinho, bebe e fica tonto, sendo facilmente caçado. Então, sempre que alguém queria chamar uma pessoa de bêbado, pingunço ou qualquer outro sinônimo (e olhe que a variedade é imensa) chamava-se de timbu. O timbu é o mascote do Clube Náutico Capibaribe, o que enche de orgulho nossa torcida, pois ao contrário dos nossos rivais, nosso símbolo é original, além de homenagear um dos hábitos mais saudáveis que existe: tomar a velha cachacinha (e se tiver um caju, melhor ainda). Enquanto o nosso maior rival em Pernambuco resolveu adotar o leão como símbolo e assim tem que dividir a majestade com tantos outros clubes do Brasil (Remo, Fortaleza, Vitória, Portuguesa, Avaí...), o Náutico adotou um mascote original, que não se destaca pela força nem violência, mas porque gosta mesmo é de ver o mundo rodar. O Náutico é famoso por ser um clube de origem aristocrática, porém é comum a gente passar por um daqueles botecos caindo aos pedaços e encontrar aquele papudinho, com o olho torto e vestindo uma camisa surrada do Náutico e vá perguntar a ele se ele torce pelo timbu porque é o clube aristocrático. Sua resposta será simples: eu sou timbu!




Tudo começou no ano de 1934, quando o Náutico ia jogar uma partida decisiva, um clássico, com o hoje agonizante, América, da Estrada do Arraial (conhecido como o Clássico da Técnica e da Disciplina). O Sport para ser campeão necessitava que o Náutico não vencesse o América e sua torcida se misturou à torcida do esmeraldino da zona norte e ficaram "agorando" o clube alvirrubro. Ao final do primeiro tempo, o jogo estava 1x1 no antigo estádio da Jaqueira, chovia na capital pernambucana. Um diretor do Náutico entra no gramado com uma garrafa de Cinzano e pede que os jogadores esvaziem o litro da bebida. O diretor dizia que a equipe estava fria, sem ímpeto e, precisava acordar em campo. Imediatamente, a torcida do Sport e do América começaram a gritar: Timbus, Timbus!! O segundo tempo recomeçou e a tática do diretor deu certo, o Náutico venceu o América por 3x1, ganhou seu primeiro título estudual e os jogadores e torcedores gritavam pelas ruas da cidade: Timbu, Timbu!! Para comemorar tal feito, os torcedores resolveram criar um bloco de carnaval, o Timbu Coroado, que desde então desfila no carnaval pernambucano.




A relação entre o Náutico e o carnaval é bastante estreita. Não bastasse o hino do Timbu Coroado ser escrito por Nelson Ferreira (maioral do carnaval), este também presenteou o clube da Avenida Rosa e Silva com um frevo instrumental chamado Come e Dorme, em homenagem aos jogadores reservas do hexa, que não precisavam fazer mais nada e, este hino foi, durante décadas, o hino oficial do Náutico. O Náutico está no guiness book como sendo o clube do mundo que tem mais músicas gravadas em sua homenagem: são mais de 250 frevos! Isso sem contar esses funks e raps de torcida organizada (deixa isso pros rivais mesmo). Na verdade, o que mais me encanta no clube alvirrubro não é sua origem aristocrática e sim o ludismo que permeia toda a essência timbu. Nosso clube não precisa ter a maior torcida, nem o maior número de títulos, o torcedor do Náutico é feliz por ser o que é: um timbu!




Hino do Timbu Coroado:
Composição: Nelson Ferreira



O nosso bloco é mesmo enfezado


É o Timbu, é o Timbu Coroado


Desde cedinho já está acordado


É o Timbu, é o Timbu Coroado


Entre no passo


Que o frevo é de amargar


Pois a turma é muito boa


E no frevo quer entrar


Não queira bancar o tatu


Eu conheço seu jeito, você é Timbu


Esse negócio de casá, casá, casá


É negócio pra maluco


Pois ninguém quer se amarrar


Timbu sabe isso de cor


Casá pode ser bom, não casá é melhor


N-Á-U-T-I-C-O


Todo mundo vai saber isso de cor!




obs: quem quiser baixar o hino do Timbu Coroado tá no final dessa página da NáuticoNet.


segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

Vashti Bunyan


O Blog do Dodô mantém a tradição de sempre trazer algum disco escondido para os queridos visitantes. Dessa vez, a artista em questão é a inglesa Vashti Bunyan, embora seu nome remeta ao mundo indiano. A artista em questão tem uma trajetória musical muito diferente de todos em sua geração. Ela começou a se apresentar em festivais em meados da década rebelde, the sixties, e cativou uma parcela do público que conseguia compreender sua poesia rural. O gênero de suas canções é taxado como folk, o que é muito justo, na minha opinião. Muitos artistas acabam ganhando esse vantajoso rótulo por empunhar um violão e fazer qualquer voz um pouco mais melosa e assim se tornam ícones da juventude indie(ota).

Vashti Bunyan sofreu um imenso trauma após lançar esse álbum que vou deixar pra vocês no final da postagem. Ela foi duramente criticada na época por fazer músicas tão simples que beiravam a infantilidade. Os temas eram os mais bucólicos possíveis, falavam sobre um arco-íris sobre um riachinho ou sobre uma pequena rosa colorida que ficava na beira da estrada. O disco Another Diamond Day foi todo composto enquanto Bunyan fazia uma viagem de carroça com seu namorado da Inglaterra para o norte da Escócia e todo o repertório surgiu das belezas que encontrava pelo caminho. As belezas das coisas do interior era o que realmente fascinava nossa artista. Porém, para os críticos musicais da época, acostumados com a sagacidade de artistas como Bob Dylan, Pink Floyd, The Kinks e The Who, não deram a devida atenção às suas canções, atacando-a imperdoavelmente. Vashti Bunyan ficou tão traumatizada que só gravou esse primeiro disco em 1970 e não se arriscou mais ao apedrejar da crítica musical. Acontece que muitas vezes uma obra de arte não pode ser interpretada por uma geração por não responder aos anseios desta. A geração dos anos 60 e início dos anos 70 queria mesmo era chocar, romper, instaurar novos conceitos e uma música que buscava valorizar as coisas mais simples da vida interiorana não poderia servir de modelo para aquele determinado presente.

O resgate de Vashti Bunyan vai se iniciar no final dos anos 90, quando novos artistas como Cat Power e Belle and Sebastian buscaram reescrever a essência da música folk. Mais de trinta anos após Another Diamond Day, Vashti Bunyan lançou mais dois discos seguindo a mesma linha composicional do primeiro disco. Deixar-vos-ei com a página para download desse maravilhoso disco que nos passa uma sensação gostosa de paz e harmonia. As flautas e o violão encaixam perfeitamente com as letras e a voz de Bunyan. Para quem não conhece esta artista, fica o convite. Ficarei muito feliz se alguém se arriscar a conhecer a música desta cantora e compositora, contemporânea de outro grande nome do folk inglês, Nick Drake. Destaco as músicas Rainbow River, Rose Hip November e Timothy Grub. A sensação de paz é inevitável. É só deixar-se mergulhar nesse jardim de melancolia e mansidão.

link para baixar o álbum: http://www.filecrop.com/12251671/index.html (copiar e colar)

video não-oficial no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=_zSY2XfF0kc

Boa semana para todos!

Fórum Social Mundial: Um Outro Mundo É (Im)Possível


Na última semana de Janeiro ocorreu na cidade de Belém o Fórum Social Mundial, evento que visa discutir a situação dos países pobres enquanto os ricos se reúnem na Suíça. Não foi a primeira vez que participei de tal evento, tendo viajado para Porto Alegre no ano de 2005, já tinha uma razoável impressão das coisas que encontraria por lá: comunista até doer na vista e ouvidos. Não serei hipócrita, tinha razões mais pessoais de conhecer o Pará do que salvar a humanidade de sua ignorância capitalista. Além do mais, conviver com comunistas brasileiros não é tão desagradável assim, pois em sua maioria são pessoas que estavam ali pra se divertir tanto quanto eu, bastava desligar a fita do discurso copiado e éramos todos iguais, num verdadeiro comunismo da pajelança.

Sob o lema "Um Outro Mundo é Possível", o Fórum, em seu início, parecia um local de convergência de pessoas realmente engajadas. Nossa delegação pernambucana chegou dois dias antes da reunião começar oficialmente e tive a oportunidade de acompanhar a chegada de gente do Brasil e do mundo todo. Um dos acampamentos me chamou muito a atenção, foi a Aldeia da Paz. Nesse recinto é terminantemente proibido o consumo de bebidas alcoolicas, cigarro industrializado, privadas sanitárias, carne... sem contar que tem que rolar uma inscrição antecipada pra ficar acampado lá, onde o sujeito é arguido de inúmeras perguntas para ser aceito, ou não. Ainda teve gente que conseguiu entrar sem a tal inscrição, mas aí tinha que rolar um face control: se não se parecer com um hippie, é quase impossível que consiga participar. Na primeira manhã, acordei cedo no meu acampamento onde podiam beber e sujar o chão e, parti para a Aldeia da Paz pra ver o que estava rolando no local onde as pessoas demonstravam maior empenho em mudar o mundo para uma perspectiva zen naturista. Cheguei no momento da reunião. Um monte de hippie argentino falando as regras do local, banho de incenso e regras para a alimentação. Tudo natural, brow! Depois passaram meia hora cantando músicas que diziam: Eu sou o ar, a água, a terra e o fogo. Seria melhor cantar Gita de Raul Seixas. Depois de quase uma hora observando, percebi que aquele lugar não era pra mim e com quase 28 anos na cara, não ficaria bem pagar de hippie por uma semana. Sai e só voltei na Aldeia da Paz no último dia.

O campus da Universidade F. Rural da Amazônia (UFRA) transformara-se numa verdadeira cidade com mais de 40 mil pessoas circulando a qualquer momento. Se por motivo de insônia, o cidadão resolvesse dar um passeio às quatro horas da manhã, encontraria alguém que estaria fazendo o mesmo pelos mesmos motivos. Se um extraterrestre desembarcasse por ali, pensaria que Che Guevara era o deus da Mecah social, pois sua foto estava estampada em milhares de camisas, brincos, chapéus, colares e quiçá na roupa íntima de alguém. Alguém devia fazer uma pesquisa séria sobre isso. Eu acho que a devoção a Che tem muita influência do cristianismo. Já perceberam como seu retrato lembra o Jesus Cristo da Paixão de Cristo de Nova Jerusalém? Além do mais, assim como Cristo, ele foi perseguido pelo povo que pretendia libertar. Ou vocês acham que os comunistas defenderam ele da CIA?

Minhas maiores experiências se desenvolveram do lado de fora da UFRA. Vizinha à citada universidade situa-se a mais perigosa favela de Belém, que saiu até numa reportagem de uma revista eletronica dominical como tendo a rua mais violenta do Brasil. Pois bem, resolvi encarar o Vietnã amazônico e cautelosamente sentei-me numa mesa de bar onde só tinha os nativos. Depois de uma hora de conversa, o pessoal já tava "amigo" meu. E traziam peixada de casa. Compraram charque pra fazer churrasco e outras cositas mais. Me falaram sobre o cotidiano na Terra Firme (nome da favela) e pude aprender mais do que nas palestras invisíveis de Leonardo Boff, Michael Löwy e Chomsky. Sabe, são essas coisas que eu não entendo no comunista brasileiro. Pra mim, o comunista brasileiro é um alienado. Durante a semana inteira ninguém falava sobre a situação da pior favela de Belém, que ficava ali ao lado. Entretanto, ai da Palestina! Que dor imensa vive o povo Palestino. Que sofrimento, Senhor Che! E um passava correndo enrolado na toalha, com sotaque paulista, e gritava aos berros: "Viva a Palestina!!" E qualquer um que ouvisse onde quer que estivesse, respondia: "Vivaaa!!!" E a Palestina respondia aos anseios utópicos de nossos intelectuais. Na metade da semana, eu desejava voltar para o convívio da realidade. Acho que na cidade onde esses adoradores de partido vivem, não tem favela ou gente analfabeta precisando de escola, porque realmente só a Palestina convém. E amigos, essa não posso deixar de relatar, sabem quem é o novo queridinho da intelectualidade universitária?? Pasmem! Barack Obama, o Presidente dos Estados Unidos. O mundo é realmente uma bola, como diria a canção do brega, porque comunista usando camisa com a foto do Presidente dos EUA é a primeira vez que eu vejo! Hahaha!! Perdoem-me a gargalhada, mas é inevitável. O pior de tudo é a inocência de imaginar que Obama vai ser bonzinho com os países pobres. Os mexicanos que o digam! Ouvi dizer que depois dessa novela na India, a globo vai fazer América II, e graças a Obama, a brasileira vai conseguir atravessar a fronteira!

Todos os dias um outro mundo é possível, mas não é fácil. Acredito que quando um professor faz o seu melhor pra ensinar crianças carentes, mesmo recebendo um salário humilhante, a verdadeira transformação ocorre, uma mudança que não altera os percentuais da macroeconomia. Quando se deixa de jogar o saquinho de pipoca pela janela do ônibus. Essa é a verdadeira mudança. Tenho nojo da política e dessa "democracia". Odeio o fanatismo político. No último dia do Fórum, um cidadão saiu correndo pelado pelo acampamento e discursando as coisas que aprendeu em tantos anos de partido, decorou bem a cartilha. Usava apenas um sutiã. Se era um protesto, pouco me interessa. Mas, aquela imagem serviu pra fechar o que o Fórum Social Mundial representa. O louco grita mesmo sabendo que não será ouvido. Ah, e a Aldeia da Paz, será que conseguiu manter-se limpinha no final? Depois que todos gritaram seus discursos e voltaram pras suas confortáveis casas, ficou no seringal apenas a chafurda.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

E o Carnaval já começou...

Depois de uma hibernação de mais de um mês, retomo minhas postagens aqui no blog para falar de um assunto que associa-se ao cotidiano de todos que moram na cidade maurícia, a folia de momo. Em italiano, folia significa loucura, o que não deixa de ser bastante justo. Ontem, o sábado quinze dias antes do carnaval oficial, aconteceu uma prévia de carnaval na avenida principal do bairro onde moro, o Engenho do Meio. Uma prévia daquelas bem populares, com trios elétricos tocando axé, brega e similares. Particularmente, eu não tinha o menor interesse de acompanhar tal evento, mas eis que o acaso... ah, o acaso.

Aqui em casa criamos dois canis domesticalis, Lilica e Bianca, esta última é um animal da raça pitbull. A pobre animal, por pertencer a uma raça tão mal comentada em nossa sociedade acaba pagando pelo mal juízo dos homens. Acordo que se um pitbull for criado sofrendo maus tratos e preso numa corrente, agressivo será. Mas, não é o caso da doce Bianca, que até brinca com minha sobrinha de 5 meses. Por ser um pitbull e ter fama de violenta, o cunhado do meu cunhado, que mora na rua onde o carnaval passaria, pediu que Bianca ficasse em sua casa para proteger de uma possível invasão dos foliões. Quando acordei no sábado, Bianca já não estava mais em casa, tinha ido cumprir sua missão de defender o patrimônio humano. O dia foi se passando e eu pouco me lembrava da nossa cadelinha. Até que a pândega proporcionada pela festa começou a chegar aos meus ouvidos. Então, minha mente fértil começou a imaginar cenas terríveis da qual Bianca seria a personagem principal. Os maloqueiros subindo no muro e atirando pedras nela, por ela ser um pitbull. Ou então, o barraqueiro jogando cerveja nela de longe, sem contar a imensa desordem que o som do trio elétrico não causaria aos seus ouvidos, muito mais sensíveis que os nossos. Antes que minha imaginação me enlouqecesse, parti para a casa do cunhado do meu cunhado para fazer companhia à cadela (os papéis se inverteram).

Ao me deparar com a rua, avistei uma série de jovens senhoras, vestidas em minúsculas indumentárias, coladíssimas ao corpo trepidante e simulando uma dança acasalamental. Minha rua que fica transvessal ao logradouro oficial da festa estava terminando e eis que já me encontrava no meio da multidão. Para as câmeras do helicóptero, eu era mais um na multidão, também era um folião. Cheguei à casa de Vágner (o cunhado do meu cunhado) e chamei pelo interfone a doméstica, senhora de religião protestante, muito assustada pelo carnaval e pelo pitbull ao redor da casa, jogou a chave para que eu pudesse entrar. Ao adentrar no lar, encontro Bianca extremamente nervosa, com o corpo todo trêmulo. Nunca tinha-a visto tão aterrorizada. Comecei a brincar com ela e a mesma foi se acalmando, mas sem relaxar um momento sequer. Não tinha como levar a cadela pra minha casa no meio da multidão e fiquei com pena de deixá-la sozinha naquele terror. Decidi que ia ficar na casa de Vágner até que o carnaval terminasse. Subi no muro da casa e lá de cima passei a acompanhar o baile assombroso de fazer inveja a qualquer freak show.

Como diria alguém que não me recordo (acho que Vinícius de Moraes), as feias que me perdoem, mas a beleza é fundamental. Meus amigos, acho que alguém lá em cima passou uma vassoura e resolveu juntar toda a bizarrice nas ruas do Engenho do Meio na troça do bloco Barriga de Fora. Só joinha. Lá do alto, eu tentava observar o máximo de ações possíveis, desde a abrasada atuação policial ao tráfico de loló, as músicas, os camarotes improvisados, as danças e o burburinho sem fim das pessoas. Lá vem o primeiro trio elétrico, era a Frevioca, cantando sucessos dos carnavais antigos, músicas de Capiba, Nélson Ferreira, Edgard Morais. Entretanto, apenas poucos acompanhavam. Um clima quase familiar. Um pai com uma filha vestida de odalisca na cacunda fazia um passo cuidadoso. O sol das quatro da tarde tornava tudo agradável. Arrisquei um comentário qualquer com o vizinho do muro ao lado, até pra dizer que eu era parente de Vágner, pois percebi que ele estranhava minha presença no muro, na ausência do titular da casa.

Lá vem o segundo trio elétrico. Ao longe, a música era indecifrável, apenas as mãos em sintonia batiam palmas ao ar, uma massa se deslocava para um lado e para o outro e a balburdia era total. O trio se aproxima sem cordão de isolamento. Comecei a me preocupar com tantas pessoas bêbadas e alucinadas de loló. E se alguém perder o controle e cair embaixo do caminhão? Certamente o motorista não olharia. Que desgraça seria! O trio já estava quase na minha frente quando o cantor solta uma música que enlouquece a multidão e cujo refrão dizia apenas assim: "É no gegé, é no gegé... é no gegé." Não me perguntem o que é gegé que eu não sei, mas acho que todo mundo sabe e gosta, pois as mulheres enlouqueciam e os rapazes (quase todos de cabelo tingido de louro, me senti quase na Finlândia) faziam roda de funk e ai de quem não se defendesse. Na minha frente, uma cena bizarra se desenrolava, duas mulheres mui afeiçoadas uma a outra, faziam uma dança erótica. A indumentária da que estava à frente era quase nenhuma e seu corpo avantajado esforçava-se em pulular sua adiposidade enquanto sua parceira atrás osculava-a no pescoço. Um açougue à céu aberto de fazer inveja às memórias de Aluísio de Azevedo. Mais à frente o cantor manda parar a música. Então o mesmo pede ao motorista que adiante o trio elétrico e pede auxílio do bombeiro que um homem havia sido esfaqueado. Começa um corre-corre na multidão e o cantor pede que as pessoas se afastem para que a vítima pudesse respirar. O cantor se despede do rapaz agonizante desejando boa recuperação e diz que a festa não pode parar. Assim que o carro do bombeiro, que a muito custo chegara no local, recolhe o rapaz, a multidão volta a pular como se nada tivesse acontecido. A todo momento os policias carregavam pessoas que vendiam ou consumiam loló, arranjavam confusões ou roubavam os foliões. Na casa à frente, nenhum sinal de vida. Ou o dono se trancou em casa e tentou se isolar da fanfarra que se desenrolava lá fora ou abandonou seu lar em busca de paz. Outro carro se aproximava, dessa vez não era um trio elétrico e sim uma caminhoneta da polícia cheio de infratores em cima. Todos muito apertados, sentados um no colo do outro e um rapaz forte atrás alegando ao policial que não caberia na carroceria. O policial muito delicadamente sopapeia o mesmo obrigando-o a subir na caminhoneta e se aconchegar com os outros. Outro trio elétrico se aproxima cantando músicas de Alceu Valença e Zé Ramalho. Pensei: "Pôxa, menos mal." Mas, parece que os cantores dos trios sabiam que eu estava lá e iria escrever no blog sobre as bizarrices de uma tarde de carnaval no subúrbio do Recife e, resolveu parar o trio na minha frente. A cantora disse: "Pára o carro, motorista. Vocês agora vão dançar coladinhos." E começou a tocar brega por quase meia hora. Eu olhava pra dentro da casa e Bianca já exausta de tanto latir olhava pra mim pedindo pra tirá-la daquele tormento. Mas não havia como, não naquela hora ainda.

Os trios se foram, as pessoas enlouqueceram e retornavam pras suas casas. Talvez para brigarem com suas mães ou esposas, outros arranjavam namoradas, senão para a vida toda ao menos para o suficiente presente. Paredes molhadas de urina. Sujeira no chão. São quase sete da noite. Há mais de uma hora não passava nenhum trio mais, mas a rua ainda estava cheia, embora desse para passar sem esbarrar em ninguém. Disse à doméstica que estava indo embora e levando a cadela, pois a festa já havia acabado e com a porta trancada, mal nenhum haveria de ocorrer. Ela disse que tinha fé que nada de mal ocorreria. Compreendi seu medo e sua coragem. Sai com Bianca mui cuidadosamente pelo meio do povo que ainda fechava a rua. As pessoas se afastavam e se assombravam: "Olhem, um pitbull!" Cheguei na minha rua, entrei em casa e a pobre cadela sentiu-se, finalmente, feliz. Tive a sensação de ter vivido por dias naquelas três horas em que voyeurizei o carnaval do Barriga de Fora. Eu adoro o carnaval, mas ontem passei a entender o por quê da necessidade desta festa. É o local onde podemos expôr nossas bizarrices escondidas sem medo da repressão alheia, onde nosso lado animal aflora e nos banqueteamos de nossas imundícies e prazeres.