quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Desrespeito no Morumbi


Neste domingo (18/11/2012), dirigi-me com minha noiva até o Estádio do Morumbi para assistir o jogo entre São Paulo Futebol Clube e Clube Náutico Capibaribe. Sabia de antemão que a previsão de público era enorme, devido a estreia do jogador Paulo Henrique Ganso e a possibilidade do clube paulista garantir a vaga na Libertadores por antecipação, liguei para o SPFC na quinta-feira (15/11/2012) para saber como deveria proceder para comprar meu ingresso para a torcida do Náutico no Morumbi. A funcionário me informou que os ingressos para a torcida visitante seriam vendidos no dia do jogo, à tarde. Entrei no site do clube paulista e no site do Globo Esporte para verificar e lá estavam informando que o espaço da torcida pernambucana seria no Portão 15, com capacidade para 3 mil torcedores, no anel superior (arquibancada vermelha). Pensei que não haveria problema em conseguir dois ingressos entre os 3 mil lugares reservados.

Cheguei nas imediações do Estádio Cícero Pompeu de Toledo às 15:10h e me dirigi ao portão 15. Para minha surpresa, havia uma multidão tricolorida adentrando pelo Portão 15. Segui e avistei uma faixa branca de pano com os dizeres: Torcida Visitante Portão 18. O local reservado era o confortável “espaço vip” de uma famosa empresa de cartões de crédito. O local não comportava mais que 200 pessoas! Antes de entrar, os funcionários do SPFC informaram que não havia mais ingresso para a torcida visitante e que só liberaram 200 míseros bilhetes para os pernambucanos. Ficamos no sol escaldante, sem segurança policial, vestidos com a camisa do Náutico no meio da multidão de mais de sessenta mil pessoas do São Paulo. Por sorte, uma moça vestida com a camisa da Fanáutico apareceu com uns ingressos, por volta das 16:15h e “salvou” a tarde de umas 40 pessoas. Muitos alvirrubros não toparam esperar ou não conseguiram pegar um dos 40 ingressos e não puderam entrar no Morumbi.

Todos os 200 torcedores do Náutico que estiveram no Morumbi poderão servir de testemunhas (além das imagens da TV). Ou seja, o São Paulo Futebol Clube não respeitou as leis do Estatuto do Torcedor que prevê a acomodação e a segurança dos visitantes. Se haviam 62 mil pessoas no Morumbi, 6.200 ingressos deveriam ser reservados para a torcida do Náutico. Mas, deixaram apenas 200 e as bilheterias do Morumbi fecharam às 10:45 da manhã, sem ingressos. Como torcedor alvirrubro residente em São Paulo, peço à diretoria do Náutico que entre com uma representação contra o São Paulo Futebol Clube para que, da próxima vez, cumpra a lei. Nada mais do que a lei. Já acompanhei jogos do Náutico no Pacaembu, Arena Barueri, Canindé e Anacleto Campanela, e fui encontrar a mais horrenda bagunça no pretenso clube mais moderno e organizado do Brasil. O local onde ficamos só podia ser ocupado da metade pra trás, porque quem sentasse nas primeiras cadeiras estava sujeito à cusparadas, copos plásticos e sapatos da torcida mandante.A diretoria do Náutico tem a obrigação de defender e representar seus torcedores que moram fora de Recife. Nós somos embaixadores e seguidores do clube fora de Pernambuco. Conto com a ajuda dos outros torcedores para a divulgação do fato para que as outras diretorias dos clubes pernambucanos policiem junto ao clube mandante a locação e a segurança dos torcedores visitantes em outras praças esportivas. 

Saudações alvirrubras,

Dodô.  

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Tempo de tolerância


Quando Ivan Turguêniev publicou seu mais famoso romance, Pais e Filhos, em 1862, inaugurou uma temática de importância fundamental no estudo da literatura russa da segunda metade do século XIX: a questão niilista. A grandeza do romance proporcionou um acalorado debate entre os pensadores da época, e a locação do protagonista Bazárov em determinado nicho ideológico era primordial para a popularização do homem "liberal" russo. Após o sucesso do romance, Fica evidente a bifurcação entre literatura niilista e anti-niilista. 

Neste universo onde não havia espaço para a tolerância, onde os radicais e intelectuais liberais viviam sós, num abismo duplo entre o povo ignorante de sua tarefa política e de uma autocracia distante, havia uma voz que tentava conciliar as partes separadas: a voz de Dostoiévski no seu periódico, O Tempo.
Recém-chegado da Sibéria em São Petersburgo, Dostoiévski retornou num momento de forte discussão política e tratou de colocar O Tempo na praça. Seus companheiros eram os críticos Apolon Grigóriev e Nikolai Strákhov, além do seu irmão mais velho, Mikhail. Juntos fundaram um movimento chamado “Pótchvenichestvo”, uma espécie de “retorno às raízes”, mas num sentido mais amplo do que o fornecido pelo primeiro Romantismo alemão. Dostoiévski e sua plêiade intentavam difundir uma ideia que fosse conciliatória, que levasse a educação ao povo do campo, mantendo as tradições russas e transformando pacificamente a sociedade. Assim pensava Dostoiévski em 1861:
Outro aspecto digno de nota no programa editorial de Dostoiévski, que mais uma vez o distingue dos radicais, é sua insistência no fato de que a transformação deve ocorrer pacificamente e a convicção (ou esperança) de que a violência será evitada. 'Sem dúvida, a questão mais importante atualmente é a melhoria das condições de vida dos camponeses. […] O desenvolvimento dos futuros princípios de nossa vida não deveria fundamentar-se na inimizade entre as classes, entre conquistadores e conquistados, como acontece em toda a Europa. Nós não somos a Europa, e entre nós não deveria haver conquistadores e conquistados.'” (FRANK, 2002; 69)

Este é um período interessante da carreira de Dostoiévski, o escritor dos abismos da alma, dos gestos extremos, encontrava-se receoso em opinar sobre o tema, buscando conciliações entre os conservadores e liberais. 
Mas, a paciência de Dostoiévski teve um limite. Com o passar dos anos, suas relações com os radicais foi se agravando e seus termos com Turguêniev foram se tornando mais distantes. O tema do niilismo acompanhou Dostoiévski por toda a década de 1860, tendo se iniciado em Notas do Subsolo (1864); encontrado em Raskólnikov de Crime e Castigo (1866) um niilista que vai transpôr para a prática as teorias do “tudo é possível”; até chegar na sua ojeriza máxima aos radicais nos personagens aloprados de Os Demônios (1871).

E se tivesse morrido...


Faz calor em São Paulo. Duas quadras abaixo, a polícia faz um pente fino na favela. Mataram um policial da Rota dias atrás. Ainda ficarei mais uma semana sem qualquer dinheiro. Pela janela, o mundo nitente. O livro de Sartre que abandonei há doze dias, diz na página 96: “E se tivesse morrido...” Li toda a página sem entender, talvez devesse retroceder. Faz tempo que não escrevo nada, nem sobre a desilusão. Seria esse o estado mais avançado do niilismo?

Que dia estúpido para se morrer.

quarta-feira, 23 de maio de 2012

O Assunto da Semana

A semana começou conturbada no maior país da América do Sul, tudo porque a mais famosa apresentadora infantil expôs uma parte dos seus problemas pessoais para a imprensa. Bem, não me cabe estabelecer juízo de valor, pois tenho uma péssima relação com o presente. As mudanças são tantas que, cada dia menos, sei jogar este reality show. Portanto, me eximo de comentar sobre o caso, ao menos neste primeiro parágrafo. Mas, muita gente andou comentando por aí. Eu não vi a famosa entrevista, mas imaginem só - sei de tudo! – Isto porque todo mundo deu a sua opinião: 

Primeiro, os gaiatos. Ah, esses fizeram fotomontagens com a apresentadora na entrevista e no seu mais famoso filme, Amor, Estranho Amor; criaram frases moralistas do tipo: “Ah, reclama de abuso infantil e fez um filme pornô com um menino de doze anos!” - Acusaram os revoltosos. E mais, tantos outros escreveram justificativas pautadas no comportamento da juventude dos anos 2000, com dados sociológicos, inclusive! O argumento era, grosso modo, assim: muitas crianças que faziam as coreografias sensuais que Xuxa ensinava no fim dos anos 80 foram molestadas pelos mais velhos por despertarem uma primaveril sensualidade. Isto, veja bem, explicaria a liberação sexual mais agressiva após a segunda metade da década de 1990. Houve até quem citasse o famoso livro de Vladímir Nabokov, Lolita

E por falar nos sociólogos, esses paladinos da verdade coetânea, eles também opinaram. Estes nossos amigos imprescindíveis, são os carimbadores oficiais da justiça, os delimitadores da fronteira do legal. Eu mesmo, na ausência do entendimento do presente, sigo-os sempre. Sinto até vontade de ir pras suas ocupações, marchas e protestos. E sinto vergonha quando não participo. Pois bem, estes vanguardistas das ciências humanas alertaram para a importância de se discutir o caso: a pedofilia no Brasil precisa ser combatida. Um problema antigo, que remete ao machismo impetrado em nossa sociedade colonial, cujas origens se encontram no século XIX. 

E por falar no século-pai da contemporaneidade, como não lembrar dos historiadores! Pois bem, eles também dissertaram sobre o desabafo da Rainha dos baixinhos. Li relatos que buscaram as origens do interesse sensual pela juventude. Um amigo historiador comentou sobre o acontecimento que envolve o baile de 15 anos de uma garota. E vejam, seus argumentos foram tão convincentes que se não fosse por um niilismo covarde, eu até me abraçaria à sua preleção. Ele dizia que, historicamente, as moças após a primeira menstruação já começavam a ser cortejadas pelos marmanjos, sendo assim, a festa de 15 anos, tão tradicional entre mocinhas da minha geração, por exemplo, seria uma maneira de o pai apresentar a filha à sociedade: “Vejam, minha beldade está à disposição dos homens de boa corte.” Que argumento imperioso! Pautado numa tradição de décadas, quiçá séculos! É, mas houve quem questionasse a maturidade da donzela... 

E os psicólogos também encheram as redes sociais de argumentos muito seguros de que o cérebro humano ainda está em formação e que precisava ultrapassar as etapas necessárias para uma boa auto condução moral, além do tempo necessário para a transição entre a infância e vida adulta, de maneira que toda moléstia a adolescentes, se encerra em crime a ser repudiado pela justiça. 

Os jornalistas escreveram sobre questões técnicas: houve quem lembrasse que as paredes do cenário e o piano ao fundo da análise pública eram muito apelativos. Outros, filiados à imprensa marrom (acho que os oceanos midiáticos possuem essa cor hemorroidal), traçaram mil especulações e ganharam assunto para semanas, garantindo assim, a informação para o ávido público consumidor. 

Parece que todos possuem uma opinião sobre o caso e, ficaria até feio para mim não opinar também, já que o pobre leitor perdeu seu tempo até o último parágrafo. Escrevo de dentro do metrô, ao meu lado, duas senhoras gordas conversam sobre o depoimento da apresentadora ao programa dominical, acharam um absurdo aquela super exposição. Imaginem, o metrô está parcialmente em greve, anda tão devagar, devido à operação tartaruga, que deu até tempo de escrever essas linhas. A voz mecânica advertiu: “Estação Terminal Butantã, solicitamos que desembarquem do trem nesta estação.” Bem, na próxima postagem, eu dou minha opinião sobre o valioso caso.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

O Quirguiz



Esse foi meu último dia no Tartaristão. Partindo da casa de Masha para a estação de trem, o tempo já era curto, mas Masha teve a ideia de que eu deveria comprar uma matriosha numa lojinha de souvenirs, pois em Kazan seria mais barato que em São Petersburgo. Estava um dia quente, uns 14 graus positivos, fazia sol e não tinha muitas nuvens no azul-claro tártaro. Compramos a matriosha e entrei no vagão da terceira classe (plazkard) com o trem já apitando a partida. Para minha sorte, o trem não estava lotado, das seis vagas da cabine, apenas três pessoas ocupavam: eu, um lutador de sambo (luta greco-romana) e um homem moreno, com a pele do rosto queimada do frio, olhos levemente puxados, era um quirguiz.

Cumprimentei meus companheiros de viagem, afinal passaríamos 25 horas e meia, juntos, no trecho entre Kazan e Peter. O trem partiu às dez da manhã e eu não comprara cigarros, minha carteira de Marlboro Light só tinha mais duas unidades. Perguntei se algum dos companheiros tinha isqueiro. O lutador de sambo não fumava e o quirguiz tinha fósforos, e foi me fazer companhia no último compartimento do trem, donde se pode ver a estrada ficando pra trás. Enquanto fumávamos, mostrei minha preocupação que após aquele cigarro, só teria o último. O quirguiz me mostrou uma carteira de cigarros muito barato, cheinha. Dentro de uma hora passei a me utilizar da sua carteira que, por cortesia, ele deixava em cima da sua mesa e me oferecia o tempo todo. O lutador de sambo pouco se comunicava, estava muito calado e pelas marcas no rosto, deveria ter lutado em Kazan dias atrás. Talvez tivera perdido a luta, estava com o rosto todo cortado. Não ousei perguntar muitas coisas, ele apenas disse que era de Tver e estava voltando pra casa, na cidade que fica no caminho entre Moscou e Petersburgo.

Novamente, fui fumar com o quirguiz e passamos a conversar longamente. Ele ficava muito feliz em conversar comigo, dizia que era a primeira vez que via um brasileiro. Era a primeira vez que eu conversava com alguém do Quirguistão também. Durante os três meses em que fiquei no Tartaristão, tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas da Ásia Central: azeris, turcomenos, tadjiques e uzbeques, mas nenhum quirguiz. O Quirguistão é o mais pobre desses países pobres da Ásia Central. Ainda pagando o tributo de uma recente guerra civil, o país vive no caos, sendo habitado, em sua maioria, por mulheres, velhos e crianças, pois os homens adultos vão tentar a sorte noutros países, especialmente no vizinho Uzbequistão, um pouco mais organizado. Assim também acontecia com meu amigo, cujo nome diferente agora não me lembro, mas que deixou impressões fortes no meu espírito.

Como eu não tinha me preparado para a viagem, chegara em cima da hora, não tinha trazido lanches e, de início, tive que comprar o chá no próprio trem, por 12 rublos. Ao me ver pagar pelo chá, o quirguiz disse: não precisa, eu tenho bastante chá e pão preto, além de uns biscoitinhos doces. Eu prometi que tão breve o trem fizesse uma parada mais longa compraria tudo: chá, lanche e cigarro. Fomos fumar seu cigarro, pois o meu acabara. Era péssimo, tinha gosto de pólvora e era mais “quente” que o normal. O quirguiz me contou sua história: estava há três anos longe de casa, onde deixara esposa e três filhos numa aldeia e fora tentar a sorte em Bukhara, cidade uzbeque. Lá trabalhava como pedreiro, até que apareceu a chance de trabalhar como peão numa fábrica em Nizhnekamsk, perto de Naberezhnye Chelny, onde eu morei. A fábrica ia de mal a pior e já fazia três meses que ele não recebia salário. Com o pouco dinheiro que recebia na Rússia, sustentava a família no Quirguistão. Gastava muito dinheiro com ligações telefônicas pra falar com os filhos e esposa. Eu escutava seu relato emocionado. Mas, a emoção desses homens das montanhas da Ásia Central são diferentes das nossas. Eles nem pensam em chorar, embora seus corações fiquem trêmulos de saudade. Desde cedo aprendem a ser fortes. Agora, estava indo para São Petersburgo, onde um amigo prometera-lhe um novo emprego na construção civil. Ele me perguntou se eu sentia falta da minha família, no Brasil. Disse-lhe que sim, mas que os via todos os dias pelo Skype, sem pagar um copeque por isso. Ele arregalou os olhos! Expliquei-lhe que havia um programa de computador que permitia conversar com as pessoas, vendo as imagens, inclusive. Ele se interessou demais pelo assunto, anotou os nomes e disse que tão breve recebesse o salário, compraria um computador e enviaria para a família. Mas, depois ele se entristeceu novamente, pois na aldeia quirguiz ainda não tinha internet.

Ficamos conversando longamente, falei-lhe do Brasil, de como nosso país é bonito, mas pobre também. Ele me falava das montanhas e desertos de sua terra. Quando o trem parou numa cidade da Tchuváshia, comprei cigarros, dei um Marlboro pra o meu amigo e comprei comida para uns três dias de viagem. Logo o lutador de sambo entrou na conversa também, ele achava engraçado um brasileiro e um quirguiz conversando no mesmo vagão que ele, em russo, cheios de erros gramaticais. O lutador de sambo mostrou foto da namorada, falou da sua cidade, a famosa Tver, terra natal de Bakúnin e onde Dostoiévski viveu por seis meses, na volta da Sibéria. Às quatro da manhã, o lutador desceu em Tver, estava escuro ainda, eu via as luzes manchadas da cidade grande. Voltei a dormir. Quando acordei estava claro e o quirguiz estava na janela olhando a paisagem cheia de pântanos, lagos e rios. Era a certeza que estávamos chegando perto do destino, a capital de Pedro, o Grande. Quando o trem chegou ao destino final, tive vontade de abraça-lo, mas sabia que isso não seria correto para a cultura dele, apertei sua mão com força e desejei-lhe muita sorte na vida, saúde para si e sua família. As imagens do seu rosto, das nossas conversas, estão vivas em mim, e continuarei levando nas memórias daqueles meses inesquecíveis. Outro dia, caminhando perto da Praça Sennaya, na Avenida Staro Petergovskyi, observei um grupo de pessoas jogando futebol numa quadra, aproximei-me, disse que era brasileiro e gostaria de saber como poderia entrar pra jogar. Um quirguiz falou comigo, não era o mesmo do trem, mas disse: “ora, um brasileiro, você vai jogar no meu time na próxima partida!”