quarta-feira, 27 de julho de 2011

O Inverno na Aldeia

O Inverno na Aldeia é uma pintura à óleo do artista A. F. Gaush (1873-1947) e se encontra no Museu Nacional do Tartaristão, na cidade de Kazan.

quinta-feira, 14 de julho de 2011

Sobre a Necessidade de Deus

Há exatos dois meses, minha indefinição perante o mundo tem me deixado bastante desassossegado. Estou envolvido num projeto que consiste na análise do pensamento do escritor Dostoiévski e sua relação com o surgimento dos grupos anarquistas, niilistas e terroristas na sua Rússia. Para tanto, vou me aprofundando nas leituras sobre Bielinski, Herzen, Bakunin, Tchernichevski e sobre as atuações de revolucionários como Korokózov e Netcháiev. Dostoiévski e seus amigos eslavófilos, defensores da ortodoxia cristã, combatiam através de seus discursos impressos em revistas e folhetins, a atuação desses grupos radicais conhecidos como a "nova geração", homens da década de 1860.

Para Dostoiévski, em linhas gerais, a crença era fundamental para o futuro do seu país. A religião seria o elo que uniria o povo russo e o conduziria a um grandioso futuro, governado pela fé em Cristo. Pausei minha pesquisa por um instante, preparei um copo de chá preto, eram duas da manhã, peguei meu hollywood de menta, e fiquei a meditar na janela do meu apartamento, acompanhado pelo silêncio da madrugada. Da janela, sentia-se a tranquilidade das ruas numa madrugada de quarta para quinta feira. De vez em quando chovia e fazia um clima bastante agradável nesses dias, de maneira que todo mundo estava dormindo no bairro. Havia um imperioso silêncio. Ouvia-se os fortuitos carros a trafegar na rodovia federal, ao longe. Envolto nesta tranquilidade, organizava meu inquieto pensamento. Pensava que a idéia de Dostoiévski é fundamentada numa bagagem histórica muito coerente: a sociedade precisa de Deus. São os mitos que unem os povos, para uns é Cristo, para outros Maomé ou Buda, mas é a divindade que dá sentido os povos. Sem a presença desta entidade mítica, caberia ao homem, sempre falho e egoísta, o papel de assumir o panteão mitológico que uniria um povo. Deste modo, no século XX, Stálin e Hitler, para citar apenas dois nomes, tornaram-se mitos em suas nações, abolindo a idéia de um deus, tornaram-se homens-mitos, e guiaram seus povos para o caminho que todos nós conhecemos. O mito é inevitável.

Para Dostoiévski, era Cristo o fim, e a Igreja Ortodoxa, o meio. Para outros, é o socialismo, o anarquismo, o budismo ou niilismo punk. Alguém sempre toma partido por alguma causa. Inquieta-me este voto nulo que confiro às entidades míticas. Não consigo tomar partido de nenhuma causa divina, nem política. Deus se perde na abstração cósmica do universo e nas suas escolhas aleatórias para com os seres humanos. As organizações políticas, por sua vez, pela própria imperfeição humana na concepção e execução de seus projetos estão sempre fadadas ao fracasso, mais cedo ou mais tarde. Poxa, como queria crer em Deus e encontrar a paz! Ou quem sabe, militar nalguma causa política devotamente, onde pudesse enxergar de modo cristalinos as benesses de uma causa positiva para a humanidade. Onde estaria a utopia?

O cigarro já estava na metade, quando o silêncio da madrugada começou a ser rompido por um barulho que crescia de modo progressivo. Era uma moto que vinha em disparada, vrum, vrum, vruuum, as marchas trocavam rapidamente e as lombadas da rua pareciam ser obstáculos menores. Para minha infelicidade, em frente à janela de casa há uma lombada e um cruzamento. A moto diminui sua aceleração e pude ver dois homens se aproximarem sem capacete. O da frente dirigia concentrado, como quem vem numa fuga alucinante. O de trás vinha sem camisa, tinha o corpo moreno e era magro. Possuía um revólver na mão direita. A cena toda, desde a percepção do ruído do motor, não durou mais do que oito, talvez dez segundos. Ao perceber um espectador e a luz acesa da sala, o homem da garupa apontou a arma em direção à minha janela, enquanto eu só tive tempo de me esquivar. Mesmo que ficasse parado, a bala não me atingiria, mas explodiu ruidosamente contra a madeira de cerejeira da janela. Pá! Corri para o meio da sala e apaguei a luz. Escutava ao longe a gargalhada do bandido desaparecendo pela rua, assim como o motor da moto. Fiquei uns dois minutos sentado no chão, no breu da madrugada, com o coração disparado e morrendo de medo. Alguns vizinhos acendiam as luzes para ver o que tinha se passado. Voltei pra janela, havia um projétil encravado na madeira de cerejeira. E agora, devo acreditar em Deus ou no anarquismo?

quinta-feira, 7 de julho de 2011

кино


Pronto, este é, finalmente, o último dos cinco discos prometidos da série "Holiday in Tatarstan" (na verdade, não tem nome). Poxa Dodô, fosse na Rússia e não postasse nenhum disco de música russa? Pois bem, chegou a hora. Enquanto os outros discos faziam parte da minha seleção (todos estavam no Ipod), esse eu aprendi a gostar durante a viagem. A banda кино (lê-se Kinô, e significa Cinema) foi pioneira no punk rock soviético. Liderada por Viktor Tsoy, compositor e vocalista, o кино recebia as influências do ocidente que entravam pelas fronteiras enfraquecidas da União Soviética e lançava tendência num país onde as pessoas possuíam um nível educacional alto, mas uma qualidade de vida material deprimente. Conversei com a mãe de uma amiga e ela dizia que nos anos 80, durante o inverno, as pessoas comiam durante cinco meses apenas: leite, pão preto, batatas, chá e salsichas. E nada mais! Excepto se alguém plantasse um condimento na varanda dos pequenos apartamentos. É famosa a dureza do inverno.

O кино é respeitado por todo mundo. Nas praças, se um jovem empunha um violão e faz uma roda, logo junta uma rapaziada e, se ele ainda não cantou uma música do кино, a platéia puxa rapidinho. Acho que no Brasil não há referência de popularidade, talvez o Legião Urbana, talvez Raul Seixas. Vou deixar pra vocês o disco clássico deles Ночь (lê-se Nôtch, e significa Noite) de 1986. Eu tenho vários discos deles, mas acho que esse é o melhor. Recordo-me de Tata, uma bela moça que conheci em São Petersburgo cantando "Mama Anarkhia" nas escadas rolantes do metrô após termos bebido duas garrafas de vinho chileno. Outra música marcante é a primeira: Videly Noch, onde em qualquer praça as pessoas cantam e repetem efusivamente o refrão. Espero que gostem, tem muito punk-rock clássico e new wave, bem típico dos anos 80.