terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Medo de Avião

Sempre me perguntei como alguém se dispunha a arriscar a vida, voando. Pois bem, resolvi experimentar dessa adrenalina que é entregar a vida à uma máquina que se movimenta a quase mil quilometros por hora, pesando num sei quantas toneladas e se sustentando única e exclusivamente sobre o ar.

Na ida, não tive tanto medo. Tomei um comprimido que um amigo me arranjou que me deixou um pouco "grogue". E pensava comigo, na nebulosa realidade, se algo de ruim acontecesse, não duraria nem um segundo, talvez. O céu estava limpo e rapidamente o avião se estabilizou. Apesar do medo, preferi ficar na janela. No dia em que a morte vier, quero fitá-la nos olhos, conhecer sua panóplia, escutar seu silencioso discurso. Pois bem, da janela pude ver o belo litoral brasileiro do alto. O avião partiu de Recife às 05 da manhã, o sol levantava-se à esquerda e as vilas praieiras no meu lado direito. O vôo não estava cheio. Pude trocar de lugar, inclusive. A mais bela imagem foi quando a cidade do Rio de Janeiro surgiu na janela. Era manhã, a ponte Rio-Niterói estava tão pequenina em seus 15 km de extensão. As praias com suas areais brancas, os navios imensos trafegando como formigas sobre a Baía da Guanabara. Enquanto passava desapercebido pelo alto, ficava imaginando meus amigos cariocas em suas atividades corriqueiras. Uns acordando tarde, outros dentro de algum coletivo, deslocando-se pro trabalho. Ninguém poderia conceber que, lá do alto, naquele pontinho prateado que risca o céu, havia alguém a os observar. E podia ver cada um fazendo uma atividade qualquer. E assim, a paisagem do Rio me abandonou, vindo as praias, mata atlântica e... as nuvens.

Não é à toa que São Paulo recebe a alcunha de Terra da Garoa. Faltando uns 15 minutos pro avião pousar, mergulhamo-nos numa espessa nuvem, com chuva e turbulência. O piloto advertiu a tripulação que passaríamos por um minuto de forte turbulência. O avião tremia pra todo lado e minha satisfação me abandonou cedendo lugar ao temor. Pousamos em Guarulhos entre nuvens e um friozinho gostoso de dezenove graus. Como narrado, na ida não tivemos muitos problmas. Já na volta...

Meus problemas já começaram pela minha má distribuição do dinheiro. Andado pelas ruas de São Paulo, dirigi-me à Rua 25 de Março na intenção de comprar um pen-drive baratinho. Pois bem, no meio do caminho tinha uma loja de fantasias, tinha uma loja de fantasias no meio do caminho. Gastei um quarto do dinheiro que tinha levado nessas fantasias carnavalescas. E continuo sem pen-drive. Pois bem, consegui a façanha de chegar no aeroporto sem 1 real na carteira. Se o vôo atrasasse, não teria dinheiro nem pra voltar pra casa das meninas na Lapa.

Mas, não atrasou. Entrei no avião, sem tomar o comprimido milagroso, esperando que o tempo melhorasse pra diminuir minha tensão. Mas, que nada! Quando o avião começou a taxear, caiu uma chuva muito forte, era 01:30 da madrugada, na janela muitas gotas fortes pingavam. Meu coração acelerava e meu corpo se contraía. A respiração tornara-se pesada, cheia de sopros tensionados. O avião apontou na reta e o comandante disse que a pista tinha sido liberada. O avião estava lotado, diferente da ida. O avião acelerou e demorava pra subir, corria rapidamente, mas não se desligava do solo, aqueles dois, três segundos em que aguardava que ele subisse, demoraram uma eternidade. Quando subiu, não pegava altura. Deu um rasante sobre as casas que ficam perto do aeroporto, tremia pra um lado, tremia para o outro. Até que conseguiu entrar numa nuvem. Balançava. Foi o maior teste cardíado desde que fiquei preso no alto de uma montanha, quando fazia rapel em Buíque. O avião não saía de dentro da nuvem. Um temporal caiu em São Paulo. Aliás, muitas pessoas morreram nos últimos dias. Da janela, via a asa do avião se tremendo, emitindo aquelas luzes coloridas e fortes que me confundiam pensando que eram raios. Sei lá, estava em pânico. O homem do meu lado, dormiu. A nuvem não acabava nunca. Pensei que quando chegasse no Rio de Janeiro poderia ver a cidade de novo, dessa vez de noite. Mas, o tempo passava e o máximo que podia ver eram as estrelas no alto. Fazia promessas que nunca mais viajaria de avião de novo. Preferiria passar dois dias dentro de um ônibus. Chegando perto de Salvador, as nuvens se dissiparam e podia ver as luzes dos vilarejos litorâneos. Logo veio Salvador. Aquele mar de luzes brancas e amarelas. Depois Aracaju e Maceió. Era hora de pousar. Começou a apontar pra baixo, diminuir a velocidade. Pude reconhecer o Recife. Nunca senti alegria semelhante ao ver a cidade da qual sou filho se aproximar. Reconheci o bairro de Dois Irmãos, Casa Amarela. Passei por cima do Engenho do Meio, veio o IPSEP, Imbiribeira e pousou. Ufa! Respirei fundo. Tive vontade de gritar de alegria. O corpo ainda estava todo contraído.

Enquanto estive lá em cima experimentando o medo, muitas coisas vieram à minha reflexão. Contentava-me que a morte não poderia ser uma coisa ruim. Nem sequer sentiria dor. Livraria-me da necessidade de entender essa coisa multiforme que é vida. Mas, também me sobreveio a idéia das coisas que ainda quero viver. Dos livros que preciso ler, das surpresas da vida, das próximas viagens, dos amores que ainda quero viver, de um amor que preciso reencontrar... Enfim, são várias as motivações pra viver, pensar e sofrer. "E sei que há gozos para mim guardados, entre aflições, desgostos e cuidados, inda a concórdia poderei cantar. Sobre prantos fingidos, triunfar. E, quem sabe, com sorrir de despedida brilhe o amor no sol-pôr de minha vida."

4 comentários:

JOSÉ RAFAEL MONTEIRO PESSOA disse...

Pois bem, meu amigo. Você esta vivo. Medo de avião dá e passa, mas é feito paixão. Sempre existe uma nova viagem. Bem-vindo novamente. Abraços.

Dani The Girl disse...

Dodô, quando lia o texto não sabia se era eu ou você. Sofri muuuuito nessas viagens. Até hoje me sinto feliz por ter voltado. Viajar é bom, voltar pra casa é bom de mais!
Bjos.

Dodô Fonseca disse...

Essa lindíssima música do REM, uma das minhas favoritas, fala sobre a sensação de deixar uma cidade de avião, vendo as luzes se apagando. No caso dessa canção, a cidade de Nova Iorque, tão cara ao vocalista Michael Stipe, vai ficando pra trás e como que um vazio o acompanha. Assistam, acredito qu não se arrependerão! é só copiar e colar no navegador o link abaixo:

http://www.youtube.com/watch?v=tCvnGxfBfiw

water.of.jellyfish disse...

céu sem fronteiras...
céu sendo o encontro de céu e não-céu ... Vôo, portanto sendo o encontro de vôo e não-vôo...
eu sem fronteiras...