segunda-feira, 26 de abril de 2010

Höstsonaten


"É preciso aprender a viver.
Eu treino todos os dias.
Meu maior obstáculo é eu não saber quem sou.
Vou tropeçando, às cegas.
Se alguém me amar do jeito que eu sou...
Talvez eu me arrisque a olhar para mim mesma.
Para mim, esta possibilidade é bastante remota." Eva (Liv Ullmann)





Por mais difícil que venha a ser controlar a ansiedade de devorar, agradeço à vida pela oportunidade de, entre tantos filmes de Ingmar Bergman, nunca ter assistido A Sonata de Outono até duas horas atrás. Prolongar-me não posso, resta-me balbuciar pela criatura de Eva. "Mãe e filha: que mistura terrível... de sentimentos, confusão e destruição." Uma rajada cortante de sopro glacial. Assim como O Sétimo Selo e Luz de Inverno, esse filme de Bergman, inédito até o início desta noite tediosa, entram para a galeria dos sagrados, se assim posso me pronunciar.


O Filme está pronto pra assistir após o download. Não precisa baixar mais nada, nem copiar legenda. É clicar e assistir.

p.s.: Se alguém conseguir achar algum link para download da música de abertura, eu agradeço.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Inaldo Tenório de Moura Cavalcanti


O apresentador e alma do programa Provocações da TV Cultura, Antônio Abujamra, vez por outra pergunta a seus convidados: "Obra ou destino?" Quase todos respondem: obra. Pois bem, desse cidadão que peço a intromissão em comentar, fica a difícil missão de distinguir qual caminho é mais bonito e singelo, obra ou destino? Conheci Inaldo no ano de 2007 quando trabalhei no Programa Parceria nos Morros da Prefeitura da Cidade do Recife. Uma nova remessa de funcionários estava chegando na nossa estação na Guabiraba. Diziam: "São duas moças e um coroa." E a primeira vez que ouvi falar de Inaldo, pela boca de terceiros, é que era um coroa, um crente e que não gostava de brincadeiras. Teríamos que conviver oito horas por dia com aquele coroa-crente. Mas, dia após dia, Inaldo foi conquistando todas as pessoas do lugar com seu jeito polido, mas simples; com sua religiosidade, mas com perspicácia; com intelectualidade, mas humildade.

Inaldo Tenório é escritor, natural da pequena cidade de Pedra, meio sertão, meio agreste de Pernambuco. Inaldo é um homem religioso, mas um apaixonado por Nietzsche. Inaldo é um dos intelectuais com uma bagagem de leitura mais respeitável entre os que tive oportunidade de conhecer, mas foi trabalhar como Técnico Social da Prefeitura, a função mais vulnerável na estúpida hierarquia do "funcionalismo público". Quantas vezes não o perguntei: "Inaldo, o que é que estás fazendo nesse lugar, rapaz?" Eu, o rapaz. E Inaldo sorria timidamente. Ah, ele é dostoievskiano! E todos os dias, subia aquelas escadarias trôpegas dos morros da zona norte do Recife para ter contato com a gente mais simples, com a realidade mais crua, porque daquela pobreza emana a sensibilidade mais vulcânica da sociedade: os gozos mais primitivos, as mais vorazes baixezas, a fé balbuciante dos ineloquentes. Inaldo é poeta, escritor de contos e romances. É tenor. Nos horários de folga, cantava o primeiro movimento de Carmina Burana, a nona sinfonia de Beethoven. Apreciava, em especial, o "Messias" de Haendel. De modo que a convivência com ele era um aprendizado constante. Revisou meu projeto quando fui tentar o mestrado. Às vezes, no horário do almoço, falávamos baixezas perto dele para provocar. O espírito humano gosta de suscitar a maldade naqueles que são benignos. Não os deixamos descansar e, muitas vezes, vamos ao seu encontro para lhes propôr o vil e abjeto.

Inaldo, o homem de Pedra, um romântico novecentista no século XXI. Está prestes a lançar mais um livro no dia 30 deste mês. Será uma honra acompanhar esta estréia desse amigo que, mesmo distante, deixou lembranças inesquecíveis de amizade e o exemplo de amenidade e cordialidade. Foi difícil escolher uma poesia dele para dividir com meus amigos leitores do Blog. Mas, entre os temas recorrentes, suas conversas com Deus, a dúvida do suicídio, as diáfanas luzes e os sombrios penhascos, encontrei na tempestade um bom exemplo do ardor espiritual que sua panóplia de brandura esconde.

A Tempestade (Inaldo Tenório de Moura Cavalcanti)

A tempestade rasga-se
no sono do dia anterior,
nas hóstias sagradas
da murcha flor-de-lis.

É de manhã, mostra-se
a sonolência de têmpera oca,
os pés mancos escondem
a essência da luz fosca
nos olhos sujos do criador.

Céu e terra se encontram
em desalinho e a luneta
mágica cruza o caminho
dos ramos verdes,
em sangue fétido de flor.

É domingo. A casa vazia
enche a ventania da celebração.
A luz acende a vela na
sublevação da etérea fala no
canto mórbido do santo templo.

A rajada varre as intempéries
e o silêncio cruza os braços;
do apocalipse as pernas
cambaleiam sem rumo certo.

Fecha-se a porta em desagravo
enquanto a trepadeira cresce
nos jardins que suspendem
as capas lisas dos rostos lúcidos.

O corpo lânguido se enrijece
à apresentação da alma no púlpito,
o ser dorme na sacra carcaça
do modelito rústico da cria
e a tempestade passa intocável sob
os frios pés de barro do andor.

Opinião Pernambuco

Hoje recebi por e-mail a triste notícia que o programa Opinião Pernambuco que ia ao ar pela TV Pernambuco às 20h saiu do ar. Desconheço as causas da extinção do programa. É difícil julgar as coisas tendo como certeza apenas o fato concreto do ocaso. Mas, para não perder o ensejo, pronunciar-me-ei contra a triste notícia da morte do Opinião Pernambuco. Um programa que falava de humanidades, artes e cultura no horário nobre, valendo-se da participação de vários professores das universidades locais, alunos e pesquisadores que faziam o canal direto com a população através do meio de comunicação mais popular que existe. O Opinião era capitaneado pelas hábeis mãos do jornalista e crítico literário Cristiano Ramos. Talvez, os mandas-chuvas achassem que o IBOPE estivesse baixo demais pra concorrer com o Jornal Nacional ou o Show da Fé. Ou ainda, o conteúdo dos debates fosse inacessível para o grosso da população. Não sei o que realmente aconteceu e fica o pedido de um esclarecimento. Como telespetador, gostaria de saber o por quê. Enquanto a resposta oficial não chega, formulo outra pergunta: Por que um programa como o Opinião Pernambuco não se mantém num Estado "tão rico culturalmente" como Pernambuco?

Enojam-me as pessoas que levantam a bandeira desse Estado pobre, semi-analfabeto, orgulhoso de um período colonial que se sustentava de trabalho escravo (veja a quantidade de prédios de classe média cujos nomes usam a palavra "colonial". Vende-se, e muito!) e se auto-intitula, ridiculamente, de Nova Roma de altos coqueiros. Nova Roma... temos pretensões de abarcarmos os estados vizinhos novamente? E me dói ouvir as entrevistas de gente que se diz orgulhosa de ser pernambucana. E quais as razões? O maracatu? A multiculturalidade? Porque nós torcemos pelos nossos torpes times de futebol em detrimento dos fortes times do eixo Rio-São Paulo?! Nessa província, as elites gostam de ostentar, parecer-ser o que de fato não são. Somos uma Nova Roma, sim, de bárbaros, que invadem em hordas, com panos cobrindo o rosto e armas em punho, o império da classe média assustada. A auto-reflexão dói. Saber-se uma doença, uma chaga, um corpo que apodrece, a consciência da fraqueza, não é pra qualquer um. Para qualquer um, é dada a alieNação, o carnaval multicultural, a novela e o pastor. Um programa que levava pensadores e instigava o telespectador à leitura, ao debate e à libertação através do conhecimento, não poderia continuar em Pernambuco.

Isso é um desabafo de alguém que se sente cada dia mais acuado nesse manguezal. Caranguejo, definitivamente, não anda pra frente.

Há 161 anos...

O dia 22 de abril, data da última reunião na casa de Petrachévski, foi um dia de chuva torrencial; às seis horas da tarde, Dostoiévski passou pela casa do Dr. Ianóvski para se secar da chuva e tomar uma xícara de chá. O médico presumiu que Dostoiévski estivesse a caminho da casa de Petrachévski, e nada do que lhe disse o amigo levou-o a modificar essa impressão. Dostoiévski até pediu um dinheiro emprestado para o táxi por causa da longa distância que separava a casa de Ianóvski da de Petrachévski. Ou Ianóvski foi traído pela memória nesse caso, ou Dostoiévski deliberadamente escondeu-lhe seu destino, pois o fato é que ele passou a noite na casa de Grigoriev, talvez discutindo com este e outros os planos para o funcionamento da prensa manual.

Às quatro horas da madrugada, Dostoiévski voltou para casa e foi dormir; mas pouco depois foi acordado por leve som metálico em seu quarto. Abrindo os olhos, meio adormecido, viu de pé, à sua frente, o chefe da polícia do seu distrito, ostentando um par de exuberantes costeletas, e um tenente-coronel vestido com uniforme azul-claro da polícia secreta, cuja espada, pendente do seu cinturão, batia-lhe contra as botas, produzindo o suave ruído metálico que acordou o escritor. O policial solicitou gentilmente a Dostoiévski que se levantasse e se vestisse e, enquanto ele o fazia, seu quarto foi revistado e seus papéis lacrados. Uma moeda de 15 copeques bastante gasta em cima da mesa atraiu a atenção; e quando Dostoiévski perguntou brincando se era falsa, isso foi solenemente adicionado às provas. Um sargento recebeu ordens para revistar a prateleira em cima da lareira, e subiu na mesa para alcançá-la. Mas caiu estrondosamente no chão quando o friso da prateleira cedeu e, com isso, a busca foi dada por encerrada. Por último, Dostoiévski foi conduzido até uma carruagem que estava à espera, acompanhado pelo chefe de polícia, pelo tenente-coronel, por sua senhoria apavorada e pelo criado desta, Ivan, também assustado, mas que olhava tudo com uma expressão de estupefata solenidade, muito apropriada à ocasião. Quando Dostoiévski saiu do quarto e entrou na carruagem, deixou para trás a vida relativamente normal que vinha levando até então - exceto pelo seu breve aprendizado como conspirador clandestino - para ingressar num extraordinário mundo novo.

Esse mundo novo ia pôr à prova até o limite sua capacidade de resistência emocional e espiritual e ampliar incomensuravelmente os horizontes de sua experiência moral e psicológica. O que ele conhecera antes apenas pela leitura das mais exageradas fantasias metafísicas ou sociais dos românticos iria converter-se agora na essência e matéria de sua existência. Iria conhecer o tenebroso desespero da solidão total do cárcere; sentiria a opressiva angústia do perseguido; passaria pela aterradora agonia do condenado à morte que se apega desesperadamente aos últimos instantes preciosos de vida; mergulharia nas camadas mais baixas da sociedade, onde viveria lado a lado com os párias e os criminosos e ouviria a conversa dos sádicos e dos assassinos, para os quais a própria noção de moral era uma farsa; e também passaria por momentos de sublime harmonia interior, momentos de fusão com o princípio divino que governa o universo, naquela "aura" de êxtase que precede os ataques epilépticos. Quando regressar à sociedade e começar a redescobrir-se como escritor, o horizonte das suas criações estará então delimitado por ste novo mundo e suas esmagadoras revelações. E tudo isso permitirá a Dostoiévski produzir obras de uma extensão imaginativa incomparavelmente mais profunda e sutil do que poderia ter feito na década de 1840, quando os estereótipos românticos eram seu único meio de aproximação desse mundo.

domingo, 18 de abril de 2010

Together We Will Live Forever


Amigos, alguns já conhecem esse vídeo. Essa música diz muita coisa pra mim, uma linguagem que transcende as palavras. A música é a última faixa do disco The Fountain de Clint Mansell http://ceusemfronteiras.blogspot.com/2009/08/clint-mansell-fountain.html) e chama-se "Together we will live forever". Nesse vídeo, o pianista inglês Phillip Sear é quem toca. A música pode falar melhor do que eu. Espero que apreciem. Boa semana,
Dodô.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Simentera

Ontem recebi uma encomenda dos correios. Uma caixa grande e pesada com remetente vindo da Ucrânia. Pois bem, a família de Portanov me enviou sua vasta coleção de discos de suas prospecções ao redor do mundo. Entre a imensa variedade de sons, achei um grupo de jazz do Turcomenistão, flautistas de bambu da Samoa Americana, percursionistas de Guiné Bissau, o canto das aldeãs idosas do interior da Bulgária. De ontem pra hoje, passei o dia a separar e ouvir a imensa variedade de sons que nosso amigo DJ Portanov deixou de lembranças pro seu público brasileiro.

No ano de 2005, Portanov esteve no Brasil pela primeira vez. O levei até a praia de Atapuz com mais alguns amigos. Viajamos de catamarã até Barra de Catuama, bebemos caipirinha e fomos pro brega de Atapuz atrás de namoradas nativas. Nessa ocasião, ele me falou de um grupo de Cabo Verde chamado Simentera e, de pronto, me interessei pelo ritmo gostoso da música
deste grupo criollo. Só que Portanov voltou pra Ucrânia e eu estava sempre muito ocupado com minhas viagens de negócios, com o stress do oscilante mundo das bolsas de valores e nunca mais tinha escutado esse maravilhoso grupo chamado Simentera. Hoje de madrugada, enquanto acompanhava em tempo real o desenvolvimento das bolsas de Mianmar e do Quirguistão, estive ouvindo os cd's que Portanov me enviou. Ah, meus amigos! Tamanha inspiração o conjunto caboverdiano me ofereceu que há uns três anos não tinha uma noite de investimentos tão proveitosas.

Não posso demorar muito nessa postagem. Estou de malas prontas pra mais uma viagem. Soube de umas terras de laranjal em El Salvador que estão uma verdadeira barganha, devido às ameaças de terremoto na região. Sendo assim, pretendo tirar vantajosos lucros nessa região utilizando mão de obra cearense que um amigo que é chefe na transposição das águas do Rio São Francisco está me arranjando. Eles pensam que estão indo pro Texas, mas vão pra El Salvador. Pois bem, voltando ao assunto inicial, encontrei uma coletânea imperdível com as músicas do Simentera gravada pelo recém-falecido DJ Portanov, são diversos ritmos (funaná, tabanca, codjeta), uma riqueza! De repente, pretendo trazê-los pra uma temporada no Brasil, por isso, preciso que vocês escutem. É necessário público! No mundo de hoje, comunicação é dinheiro. Sem mais, deixo-vos com o link. Só chegarei em El Salvador amanhã de noite e a próxima postagem já será de lá. Abraço e me desejem boa viagem!

Simentera por DJ Portanov: http://www.4shared.com/file/252538315/9c822fc0/Simentera_por_Dod.html

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Uma Covarde Melancolia

Findou o filme, 500 Days of Summer, noutros tempos estaria com a cabeça enterrada no sofá. Mas, desta vez não. Com uma covarde melancolia associou o filme ao seu passado recente. Poderia contar seu drama amoroso com outro título, pensou por um instante, 180 Dias de L. Abriu a janela, uma brisa gostosa soprava. Quase meia-noite. O silêncio era tamanho que podia ouvir os carros passando pela rodovia interestadual. Caminhoneiros cruzavam aquelas estradas, pensava. Uma vida solitária na maior parte do tempo. A noite como companheira, o orvalho no teto de ferro, o canavial ao redor. Em seu romantismo, a vida de caminhoneiro não lhe parecia de todo ruim. A rara brisa soprava na janela. Desacostumado às carícias climáticas, fechou-a, após constatar o sepulcral silêncio vindo do lado de fora. Todos viajaram. A cidade estava deserta. Imaginou que naquelas condições, um passeio noturno o faria bem.

A lua estava minguando, mas ainda estava grande, prateada. Era a lua que ele mais gostava. Desde a adolescência escutava histórias sobre as paixões causadas pela lua cheia. E quantas vezes não saiu de casa na esperança de encontrar algo especial na noite de lua cheia e não acontecia nada. Por isso, a lua que minguava lhe interessava mais, era despretensiosa. Ela iluminava a frente do carro enquanto dirigia. No rádio, ele repetia inúmeras vezes a música “There’s a light that never goes out” dos Smiths. A mesma que a moça do filme cantarolava. Há algum tempo ele não ouvia Smiths! O filme, a lua minguando, a rua vazia. O sinal de trânsito fechado. Olhava as calçadas sem ninguém. A última vez que gostou de alguém foi de uma moça estrangeira. Ela se fora há um mês. Olhava aquelas ruas vazias. Achou ridículo viver ali. O que aquele lugar significava finalmente? Ela passou sete meses ali, era o suficiente. Mas ele, já ia completar trinta anos.

Não, tenha paciência por favor! Isso é culpa dessa dose de melancolia que derramaram, em excesso, no teu sangue. Isso passa. Comprou uma cerveja no posto. A polícia não estaria na rua naquele dia para vigiar os motoristas que bebem. Ninguém estava na rua. Desejou boa noite ao homem que trabalhava no caixa. O homem respondeu pelo ofício. Uma garoa caía. Dirigia sozinho. O refrão da música dizia: “And if a double-decker bus crashes into us. To die by your side is such a heavenly way to die.” Sorriu ao imaginar que se realmente colidisse com um ônibus, seria a solidão sua prazerosa parceira na viagem pro outro mundo.