sábado, 29 de novembro de 2008

Reencontro Inesperado

Olá amigos e amigas, espero que todos estejam bem e com saúde. Nessa tarde ensolarada de sábado, o último de Novembro, o verão incendeia as ruas e os corpos. Todos devem estar a essa hora na praia, tomando aquela cerveja gelada, pedindo um caldinho de sururu, comendo ostras (cuidado pra não estar estragada) e observando as beldades a passear. Mas eu não, sou um brasileiro que tem objetivos na vida, não me deixo levar por modismos nem pela perniciosidade. Enquanto vocês estão perdendo tempo aí, vivendo, eu estou aqui nesse meu quarto, dialogando com os mortos. Tem problema não, pelo menos o último morto com quem conversei foi um sujeito que veio me narrar uma história muito interessante que nem foi ele que escreveu, foi um conterrâneo dele. Esse conterrâneo já narra a história de outra pessoa. E vocês acham que esse telefone sem fio vai dar certo? Vou deixar que Walter Benjamin conte por mim:


"XI


A morte é a sanção de tudo que o narrador pode relatar. Ele derivou sua autoridade da morte. Em outras palavras: ela é a história natural a que suas histórias remetem. Isso foi exprimido de modo exemplar numa das mais belas histórias que temos do incomparável Johann Peter Hebel. Esta na Caixinha de Tesouros do Amigo Renano, chama-se Reencontro Inesperado e começa com o noivado de um jovem que trabalha nas minas de Falun.Na véspera do casamento a morte dos mineiros o surpreende no fundo de uma galeria. A noiva permanece fiel após a morte e vive tempo suficiente para um dia, já velhinha, reconhecer o noivo num cadáver retirado da galeria perdida, poupado à decomposição pela impregnação de vitríolo de ferro. Depois desse reencontro ela também é chamada pela morte. Quando Hebel, no curso da narrativa, se viu ante a necessidade de tornar manifesta a longa série de anos, ele o fez com as seguintes frases: 'Nesse interim, a cidade de Lisboa foi destruída por um terremoto, a Guerra dos Sete Anos terminou, o Imperador Francisco I morreu, a Ordem dos Jesuítas foi suprimida, a Polônia dividida, a Imperatriz Maria Tereza morreu, Struensee foi executado, a América tornou-se independente e as forças francesas e espanholas reunidas não conseguiram conquistar Gilbratar. Os turcos cercaram Stein na Cova dos Veteranos na Hungria. O imperador José também morreu. O rei Gustavo da Suécia conquistou a Finlândia russa, começou a Revolução Francesa e a longa guerra, e o imperador Leopoldo I também baixou ao túmulo. Napoleão conquistou a Prússia, os ingleses bombardearam Copenhague, os camponeses semearam e colheram. O moleiro moeu, os ferreiros martelaram, os mineiros buscaram veios de metal na sua oficina subterrânea. Mas quando os mineiros de Falun, no ano de 1809...' Nunca um narrador ancorou seu relato na história natural mais fundo do que Hebel o fez nesta cronologia. É só lê-la atentamente: a morte aparece em turnos tão regulares como o homem da foice nas procissões de meio-dia no relógio das catedrais."


Não sei o que vocês acham, mas para mim, lendo esse relato, parece que a História é um universo paralelo, onde os grandes fatos passam como nuvens sobre nós, cidadãos comuns. Quero saber o comentário de vocês. Vamos debater.

p.s.: foto de Hebel

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

A República da Estrela

Boa Ventura (ontem e hoje, mesma coisa) >>>>




No início do século XX uma Revolução aconteceu no sertão brasileiro e muito pouca gente sabe pelo Brasil. Acredito que entre os historiadores, nem 5% sequer ouviu falar ou leu algum artigo sobre um exemplo de luta, resistência e pululância nordestina, a proclamação da República da Estrela. Esta República abrangia os importantes municipios de Boa Ventura, então com 7 mil habitantes e Curral Velho, com mil e quinhentos, no Vale do Piancó, alto sertão da Paraíba. Esses dois municípios, comandados pela mão forte do Coronel Zuza Lacerda, declararam independência do Estado da Paraíba e consequentemente da nação brasileira.






Depois de perder a eleição no município de Misericórdia, atual Itaporanga, Zuza Lacerda resolve separar Boa Ventura e Curral Velho, então pertencentes a Misericórdia. O seu governo gozava de organização invejável a muitas nações da Oceania, como Tokelau, Tuvalua e Kiribati. Possuía Ministério de Relações Exteriores, cujo secretário era o Major Sula; e seus dois filhos eram secretários de Guerra e da Fazenda. O mais audacioso projeto era o do Ministério da Marinha, que servia para fazer a importante travessia do Rio Piancó, que pra facilitar o trabalho dos marinheiros, fica seco durante 6 meses do ano.



Curral Velho (hoje, mesma coisa)>>>>>>


A República durou três meses e Zuza Lacerda abandonou a cidade quando as tropas estaduais ameaçaram acabar com o sonho de um povo. Zuza Lacerda se mandou pro Ceará e depois foi a julgamento na cidade de Pombal/PB. Terminara a República da Estrela. Anos depois, Boa Ventura se emanciparia de Misericórdia e hoje em dia, Curral Velho também é emancipada.






Boa Ventura é a cidade da família do meu pai e Curral Velho, da família da minha mãe, embora ninguém estivesse envolvido em tal episódio, creio eu, acho interessante que esse evento tenha ocorrido lá, tão inusitado e lúdico. Na verdade, minha narrativa não oferece uma abordagem histórica muito ampla porque advém da História Oral e de um livro de André Raboni que li e devolvi (devia ter roubado!) que poderia me ser útil para dar uma abordagem mais técnica. Mas, vou fazer melhor, vou deixá-los com o link para a História da República da Estrela contada em versos de literatura de cordel, escrito por MarcodiAurélio (assim mesmo, meu nome é Odomiro). Vale muito a pena ler esse cordel, possa crer! Também tem um trabalho profissional do historiador Lourival Inácio no site da Prefeitura de Itaporanga.






Saudações a todos que tem visitado o blog e espero continuar postando por aqui. Estou dando um tempo do orkut por uns 15 dias, disse que tava viajando (acho que vou inventar isso mais vezes). Mas, do blog espero não me distanciar. Abraço a todos, fiquem em paz e leiam pelo menos o cordel. (Ah, e vá na missa no domingo) Bom menino!





















quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Música Regional ou Retratação Minha




Vocês, caros amigos, que tem visitado meu blog desde que ele foi lançado há 1 mês, devem ter percebido meu flerte com a World Music, com a cultura de povos distantes e até meu desapego com a origens da identidade nacional. Pois bem, achei justo que vocês também conhecessem um outro lado das minhas preferências musicais, cujas raízes (ui, Rodrigo!) se encontram na música regional. Agora, vamos nos deparar com uma série de questões a levantar: A música regional brasileira é autêntica? E se não for, isso constitui um problema? Não seria a maior riqueza da música brasileira a pluriculturalidade?




Fico muito chateado quando encontro pessoas que vem com aquele discurso fabricado, mais ou menos assim: "Pô, eu só escuto música brasileira. Tenho que dar valor às coisas do meu país. Não gosto de nada que venha do estrangeiro." Ora, pensar assim é uma tremenda contradição, penso eu, já que nosso país é rico pela mistura incomum de elementos mouros, europeus, africanos, indígenas e quem sabe mais o quê. O Brasil não precisa ter identidade, porque assim, será residência de passagem de infinitas possibilidades. Ao meu ver, temos que ter senso crítico, não identidade.




Quando resolvi postar nesta tarde de quarta-feira, estranhamente nublada do fim de Novembro, me propus a escrever sobre artistas da música brasileira, que vez por outra são classificados como regionais, armoriais, sertanejos e etc. Mas que para mim, transcendem as expectativas de definição de gênero. Nos últimos dias tenho estado com a cabeça muito cansada. Hoje, quando cheguei da universidade, não foi diferente. Mas, ao invés de correr para os livros (o que seria mais correto), deitei-me no chão frio do meu quarto e fiquei escutando um disco de um autêntico artista "regional", Rolando Boldrin. Que maravilha, meus amigos! Rolando Boldrin foi, por muitos anos, apresentador do Som Brasil que passava na Rede Globo. Uma das imagens mais vivas da minha infância era que eu acordava muito cedo nos domingos, tão cedo que quando não assistia o Corujão III, assistia o desenho do Picolino. Logo na sequência passava um programa que meu pai não perdia por nada, o Som Brasil, com sua famosa abertura: "Amanheceu, peguei a viola, botei na sacola e fui viajar..." Meus pais são naturais da República da Estrela (isso dá outra postagem!), que são as cidades de Boa Ventura e Curral Velho, no Vale do Piancó, Paraíba. "Sertão das muié séria e dos hômi trabaiadô".




Dia desses, outra imagem da infância reavivou em mim, foram os filmes dos anos 80 dos Trapalhões. Os Trapalhões e o Mágico de Oroz. Lembro-me de Didi Mocó (Renato Aragão) e Soró (Arnaud Rodrigues) tendo a casa guinchada por um jumento no alto sertão cearense. Pois bem, esse mesmo Arnaud Rodrigues, serratalhadense, é um dos grandes artistas da música nacional, que além da valorosa carreira solo, criou em dupla com Chico Anísio, o mui original Baiano e os Novos Caetanos, cujo primeiro álbum de 1974 é uma das flores mais preciosas da música brasileira. Aqui em Pernambuco, como não destacar os armoriais da Banda de Pau e Corda, com letras poéticas e melodia irretocável.




Devido à influência dos meus pais, também tenho que destacar a influência do forró no meu gosto musical, embora não saiba dançar sem pisar no pé da minha companheira, e olhe que uma pisada minha deve doer! Luís Gonzaga sempre foi de lei aqui em casa. Músicas como "Frei Damião", "Meu Araripe", "Pau de Arara", "A Mula Preta" e por aí vai, ainda me emocionam. Aliás, me emocionam mais do que nunca, pois lembram um tempo bom que não voltará. Trio Nordestino e Assisão. Este último é um forrozeiro daqueles de levantar poeira de qualquer terreiro (Quem dança em terreiro hoje em dia?). Neste último São João eu estava em Gravatá e quem estava tocando lá na noite de São João? Quando escutei a primeira música pensei: "Eita, tão tocando a música de Assisão!" E o tal cantor continuou na sequência, cheguei mais perto do palco e pude ver que era o próprio Assisão que estava tocando, bem mais velho que a capa dos LP´s que meus pais tinham. Não resisti, liguei pra mainha e disse a ela que tava num show de Assisão em Gravatá. Ainda hoje aqui em casa, Assisão toca pelo menos uma vez por semana. Mas, não em LP, gravei um disco de MP3 com umas cento e cinquenta músicas dele.




Sá e Guarabira, Quinteto Armorial, Ednardo, Belchior, Pinduca... São alguns dos artistas nacionais que reverencio de coração. Estou escrevendo isso pra evitar os rótulos. Morro de medo de ser rotulado. Já pensaram, eu passando pelas ruas e o povo dizendo:"Eita, lá vai aquele cara que só escuta Heavy Metal da Ucrânia." Embora eu goste de umas duas bandas de Metal da Ucrânia, acredito que ultrapasso essas barreiras, além do mais, que bom que existe boa música pra que a gente possa ouvir em diversas ocasiões. Ah, chega de me retratar! Minha convivência com o DJ Portanov não deixa que eu caia em monotonia musical, mesmo que chamem isso de falta de autenticidade. Um abraço nos amigos e um beijo nas amigas que passam por este caminho.
obs: Depois que o SomBarato foi detonado, fiquei meio orfão de sites de download de música brasileira. Quer dizer, estava, agora achei esse. Vou "jogar" vocês na página de Rolando Boldrin, mas tem centenas de discos de dezena de artistas:
aproveitem e se alguém cobrar, bota na conta de Tião Galinha!

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Aberdeen Football Club







Vou fazer minha primeira postagem sobre um tema que é uma das minhas maiores paixões: o futebol (Aê, ele vai falar do Náutico!). Na madrugada do dia 21 de junho de 2002 (tive que procurar na internet, não decorei a data), o Brasil estava prestes a enfrentar a Inglaterra pelas quartas de final da Copa do Mundo da Coréia e Japão. Tinha acabado de instalar meu computador e a internet ainda era discada, lenta pra cacete. Resolvi entrar numa chatroom da BBC onde as pessoas falavam sobre futebol. Faltava duas, três horas pra começar o jogo e tanto os ingleses quanto os brasileiros estavam excitados ante a decisão que se aproximava. Na sala de bate-papo os ingleses estavam hostis para comigo, afirmando que o Brasil ia apanhar e etc. Me xingando, inclusive. Um escocês começou a defender o Brasil e me ajudando nos xingamentos para com os ingleses e tudo mais. O nome do cara é/era Jonathan Stephen, morador da cidade de Aberdeen, norte da Escócia. Depois de uma hora de chat, troquei os emails com o tal escocês. A partir de então, ele ficou me mandando links sobre o time da sua cidade, lembro-me que o primeiro foi uma matéria da BBC Sports sobre a vitória de 2x1 frente o Hibernian de Edinburgh. Na época, meu email era da AOL (hoje em dia nem me lembro mais o endereço) e depois abandonei o email e perdi o contato com o Jonathan Stephen. Mas, continuei a acompanhar os jogos da equipe vermelho e branco do norte da Escócia.






O Aberdeen FC, ou The Dons, é um clube muito tradicional da Escócia. Calma, aos poucos vou passando as informações sobre o clube e, como sempre digo, informações sobre o clube são facilmente encontradas pela internet. Quem acompanha um mínimo de futebol internacional sabe que há mais de 20 anos o campeonato escocês vive uma dicotomia extremamente monótona: os títulos se dividem entre o Celtic e o Rangers, os dois rivais de Glasgow. Os outros times brigam para ficar em terceiro lugar e conquistar uma vaga para a Copa UEFA. Entre os times tradicionais do campeonato escocês podemos destacar os dois grandes de Edinburgh: Heart of Midlothian e Hibernian, além do Dundee United e o Dundee FC (atualmente na segunda divisão).






Todos esses clubes que citei agora há pouco são importantes e já fizeram boas campanhas pelos campeonatos europeus, mas nenhum deles (exceto o Celtic em 67) conseguiu atingir a glória que o Aberdeen alcançou no fim dos anos 70 e início dos anos 80. Sob o comando do lendário treinador Sir Alex Ferguson, que está no Manchester United há mais de vinte anos, que ficou no Aberdeen por oito anos como técnico, o clube alcançou a hegemonia do futebol escocês e se fortaleceu o suficiente para disputar um torneio europeu com os milionários times da Espanha, Itália, Alemanha, França e Inglaterra. No ano de 1983, o trabalho do Aberdeen foi coroado, com um elenco de jogadores que na maioria eram escoceses e surgidos nas divisões de base do clube, os Dons foram disputar a European Cup Winners sem merecer nenhum destaque da mídia, apesar das goleadas sobre o Sion da Suiça. Os comandados de Alex Ferguson foram eliminando seus adversários de pouca expressão até chegarem no todo poderoso Bayern München, nas quartas de final da competição. Primeiro jogo em Munique, 0x0. Ferguson montou uma poderosa retranca para levar a decisão para o alçapão do norte, o Pittodrie Stadium. Em casa, o Aberdeen venceu o Bayern por 3x2, enlouquecendo a torcida e empolgando os atletas, que pegariam nas semifinais o Waterschei Genk da Bélgica, tão zebra quanto o Aberdeen. Os Dons comandados por um dos maiores goleiros da história do futebol escocês, Jim Leighton, além dos imortais McMaster, Cooper, McLeish, McGhee, Strachan e Hewitt, entre outros, não tomaram conhecimento dos belgas e golearam no Pittodrie por 5x1, indo pro jogo da volta folgados e perderam por 1x0. Chegara o momento da grande final, o jogo seria realizado em campo neutro, na cidade de Gotemburgo, Suécia, contra nada mais, nada menos que o poderosíssimo Real Madrid, o maior papa-títulos do futebol europeu.






Mais uma vez, o então jovem treinador Alex Ferguson arma um esquema de retranca, partindo nos contra-ataques e que foi coroado com um gol logo no começo do jogo, aos 7 minutos, 1x0. O Real empatou aos 15. O jogo segue com a pressão madrilenha e com Leighton fechando o gol. O segundo tempo continua com a incrível pressão espanhola, cansando seus principais jogadores até que o juiz apite o fim dos 90 minutos. Prorrogação. Primeiro tempo permanece no 1x1. No segundo tempo da prorrogação, a arma secreta de Ferguson, John Hewitt que ficara no banco até a metade do segundo tempo para pegar a zaga cansada, aparece de surpresa no meio da área, após um rápido contra ataque e fuzila de cabeça na saída do goleiro Agustín, do Real Madrid. Aberdeen campeão europeu de 1983. Até então, apenas o Celtic em 1967 tinha sido campeão da Champions League, mas agora a hegemonia dos Bhoys estava equiparada pela força dos jogadores da fria cidade de granito.






Vou aproveitar o sucesso do meu blog para pedir ao governo britânico que libere as transmissões de rádio, não apenas para usos futebolísticos, para os países que estão fora daquela ilha. Era muito bom acompanhar os jogos do Aberdeen pela Northsound, mas desde 2006 não é mais possível. Ainda bem que surgiu um novo site (justin.tv) que é possível assistir os jogos ao vivo. É isso, posso dizer que o Aberdeen é meu segundo time e tenho o sonho de algum dia assistir um jogo no histórico Pittodrie Stadium. Graças a meu amigo Tiago Perez, quando da sua estadia na Holanda, hoje eu tenho uma camisa dos Dons. Atualmente, o Aberdeen é um clube da faixa intermediária, que mantém a tradição de ter jogadores locais, diferentemente das estrelas do Celtic e Rangers, mas que possui valorosos jogadores como o atacante Lee Miller e o médio defensivo, Scott Severin. Os tempos são de vacas magras, mas a memória da Glória de Gotemburgo jamais será esquecida.






p.s: vou deixar o link dos gols da campanha de 1983. Vale a pena conferir!









Come on Yep Reds!

domingo, 23 de novembro de 2008

Pernambucanidade


Quando eu era pré-adolescente, pelas bandas de 1992 e 1994, apesar de muito jovem, conseguia reparar o marasmo cultural e social em que a sociedade pernambucana, principalmente recifense, estava mergulhada. O Recife que outrora gozava status de grande cidade brasileira, pujança e orgulho do Nordeste, ainda sofria da decadência do açúcar, decaindo há mais de um século no cenário nacional. Nesse período, quem era o grande ídolo da música pernambucana? Os eternos Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Reginaldo Rossi? Quem tinha coragem de usar uma camisa com a bandeira de Pernambuco? Que dirá cantar o hino completo!


A verdade é que em meados da década de 90 uma conjunção de fatores favoreceu uma revitalização da imagem do Estado e da capital. O historiador inglês Eric Hobsbawn (sempre ele, com justiça) organizou um livro chamado As Invenções das Tradições, em que mostra que várias sociedades modernas do ocidente, para legitimar a tradição burguesa, principiaram-se em tradicionalizar costumes que estavam esquecidos, ou até mesmo, inventar ritos e mitos para um fortalecimento da identidade nacional dentro desses novos valores. Hoje em dia, quando pensamos num cidadão usando uma saia xadrez, nos vem a cabeça que povo? Não vou fazer mistério, lógico que são os escoceses. Mas, essa tradição de se usar saias, sempre foi um motivo de orgulho para a nobreza escocesa? Definitivamente, não. O historiador Hugh Trevor-Roper, nesse mesmo livro que indiquei acima, mostra que os highlanders que viviam ao norte do país eram a grande vergonha da Escócia, seriam equivalentes ao que chamamos de matutos brabos, mal vestidos, insolentes, pobres, cuja música era sempre acompanhada da ridícula gaita de foles que lembrava tempos obscurecidos. A tradição burguesa incorporou-se desses valores que outrora envergonhavam o pensamento elitista e transformou em kitsch, sendo atualmente, símbolo nacional usar saias e tocar gaita de foles.


Aqui em Pernambuco, quiçá com cem anos de atraso, em meados da década de 90, inicia um processo de revitalização da sua tradição e de recuperação de uma cultura que sempre foi esquecida e ignorada pelo poder metropolitano. A imprensa local, a política, os artistas e formadores de opinião (você não vai colocar o nome de Rogêr, não?!) começaram a esmiuçar a cultura popular em busca de nossas verdadeiras origens pernambucanas! A revitalização do Recife Antigo, que até então tinha se tornado ponto de prostituição barata, de mendigos e desalojados, trará um novo palco, centralizado, para a exibição e amostragem da nova tradição pernambucana. Lembro-me muito bem que nesse tempo começaram a tocar o hino de Pernambuco na televisão, antes dos jogos de futebol, fizeram campanha nos meios de imprensa para decidir se colocavam uma estrela em cima do arco-íris da bandeira de Pernambuco. Fazia-se necessário tornar íntimo aquele símbolo esquecido e que agora erigira-se perante a população, como símbolo de orgulho e força frente o resto do Brasil.


Ídolos surgem, Chico Science e Nação Zumbi, Mundo Livre S.A., Eddie... bandas com nomes descolados e um som que mixava a força universal do rock com a nova tendência do momento, a vedete maracatu, que passara dezenas e dezenas de décadas, sendo a representação da cultura de cidades como Nazaré da Mata e outras da Zona da Mata do Estado. Coco, caboclinho, ciranda... esses ritmos da cultura popular vão ser absorvidos pela classe média recifense (onde mais tem classe média nesse Estado pobre?), não sem um tom kitsch, e o "mosaico Pernambuco" respaldado na multiculturalidade, começa a fazer fama pelo Brasil e dirá pelo mundo.


Atualmente é muito comum caminhar pelas ruas do Recife Antigo, numa daquelas sextas feira em que não se tem muito o que fazer e pouco trocado no bolso e dar de cara com um grupo de 20, 30 pessoas derramando suor pelas ruas e entoando a manjada batida do maracatu. O que chama a atenção é que quando reparamos no perfil desses "músicos" é que são todos jovens, brancos e de classe média e conduzindo a velha endumentária pernambucana, que vai da sandália de couro aos colares hippongas. Dia desses, reparei que num desses grupos de maracatu não tinha sequer um negro tocando, eram trinta jovens brancos e de classe média, buscando sua identidade regional.


Certa vez eu criei uma comunidade no orkut: "Eu Odeio Maracatu". Já deletei a pobre e polêmica comunidade, porque eu já estava tão incomodado com o rótulo que se criava ao meu redor, de não ser "amigo da cultura pernambucana". Além do mais, quando você conhece um(a) turista, de São Paulo por exemplo, você não vai levar ela pro Burburinho prá ouvir uma banda fazendo cover de Pink Floyd e Ira! Eles querem ouvir/ver as nossas coisas originais, que brotaram espontâneas da rua, a resistência cultural pernambucana. Uma vez uma menina que eu tava paquerando há semanas, foi visitar meu orkut e viu a comunidade, e ainda viu mais, viu que eu era o criador da comunidade. O sonho havia acabado. Ela disse: "Não acredito que você odeia maracatu! Eu adoro! Todo domingo eu toco com meu grupo lá em Olinda." Depois desse dia, eu parecia um bicho. Um amigo que hoje está distante, Cristiano Randau, dizia que a pernambucanidade dele começava na ponte da capunga e ia até os limites do mar. A minha vai da Várzea até o mar.


Ao final de tudo (e tome vasilina!), declaro que admiro algumas coisas da cultura pernambucana, o ritmo do afoxê, a capoeira, a cultura armorial (sem ideologias, por favor!) e por aí vai, sou um cara total flex, para usar uma linguagem da época. Apenas me utilizei desse blog para analisar certos comportamentos da nossa época e pra afirmar que toda essa leva cultural pernambucana só foi possível porque a burguesia regional resolveu se apossar dela. Se dependesse dos próprios continuadores da cultura popular, o batuqueiros ainda estariam na zona da mata, a ciranda em Itamaracá e Lirinha em Arcoverde (meu Deus, que mal que fizemos!) Abraço, meus amigos e não me levem muito a sério, eu mudo de opinião da manhã para tarde. Aliás, vou lembrar um ditado (que só pode ser medieval, trazido pela igreja pro sertão): "Do cavalo pro chão, ainda se pede perdão". Lirinha, você é o cara!

sábado, 22 de novembro de 2008

Skinheads na Rússia


Quem me viu nas últimas semanas deve ter reparado que me encontro com a cabeça completamente raspada. Alguns amigos se aproximam de mim, em tom de brincadeira (logicamente!), perguntando se eu virei skinhead ou coisa parecida. Não sei se meu tamanho um pouco robusto, juntamente com as tatuagens, formam uma imagem agressiva da minha pessoa, eu não me importo e quem me conhece, sabe que eu sou da paz (sempre!), e que jamais me envolveria com qualquer tipo de facção que usasse da covardia para atingir outras pessoas por causa de sua cor ou religião. O problema é que em alguns países da Europa, especialmente do leste, os grupos ultranacionalistas tem causado terror para imigrantes vindos de outros recantos do planeta.


Esse fenômeno vem se espalhando e se fortalecendo em países da antiga Cortina de Ferro, mais acentuadamente entre os que se dizem de etnia eslava. Através do youtube podemos assistir vídeos amadores feitos por estes grupos que afirmam a supremacia da "raça" branca e que querem suas respectivas nações apenas para os povos de tez clara e que sejam de descendência eslava. O mais paradoxal é que eles têm na figura de Hitler seu mais adorado messias. Ora, logo Hitler que matou mais de 5 milhões de eslavos na invasão do leste, muito bem retratada no filme Vá e Veja do diretor Elem Klimov, filmado em 1983.


A verdade é que a maioria desses membros de grupos ultranacionalistas não possui um alto grau de escolaridade, são desocupados ociosos pela vida moderna e que canalizam (usar uma linguagem de psicólogo) sua raiva seguindo idéias que nunca conduziram a humanidade a nada de positivo. Esses brutamontes nunca estudaram a história do próprio país, pois se assim o fizessem, não adorariam um dos maiores inimigos da História da Russia (incluindo ucranianos e bielorussos).


Alguém poderia definir etnicamente um brasileiro? Dizer que um brasileiro típico é branco, moreno, alto, olho escuro ou claro? Entre os russos, a variedade é menor, mas definir etnicamente um russo também não é tarefa muito fácil. Um cidadão russo pode ter aparência de um mongol, de um tártaro, de um iraniano ou de um finlandês. Também é um país mestiço. O que se entende por povo eslavo, motivo da reinvidicação dos skinheads russos, é um grupo étnico que assim se entende desde o século VIII d.C. O primeiro grupo a ocupar a região da Rússia e que eram indo-europeus, foram os Citas no século III a.C., depois os Sármatas e os Ávaros. Todos povos vindouros da região onde hoje é o norte do Irã. O primeiro reino eslavo organizado, foi a Grande Morávia, entre os séculos VI e VIII da nossa era e que compreendia um território que ocupava toda a atual Eslováquia, parte da República Tcheca e o todo o sul da atual Polônia até as margens do Rio Vístula (Wisla). Esse grupo vai se disperssar no século VIII, aproveitando-se do espólio do Império Romano, uma parte vai para os Balcãs, outra vai para o norte, onde hoje é a Polônia e outro grupo vai para o leste, da atual Ucrânia até a cidade de Novgorod.


A primeira miscigenação dos eslavos do leste foi com os vikings suecos, que em aliança com os eslavos de Kiev, formaram o Grão-Principado de Kiev, ou Russia Kieviana, no final do século VIII d.C.. Com a invasão de Genghis Khan (século XIII), toda a região ocupada pelos eslavos ficará sob o jugo dos tártaros, aliados dos mongóis e que nessa época eram recém convertidos ao Islamismo. Durante quase trezentos anos os russos foram vassalos dos povos da Ásia Central. Vocês acham que eles não se misturavam? Depois que o Reino de Moscou consegue unir as provícias e expulsar os tártaros, no final do século XIV, começa a expansão territorial para todas as direções, encontrando nos poloneses e germânicos, uma barreira no ocidente. Mas, com contínua expansão para a absorção e catequese de outras culturas.


Em suma, a intenção desta análise é mostrar que não existe uma única etnia na Rússia e o que esses ultranacionalistas exigem, não tem fundamentação histórica. Além do mais, a própria História da Rússia apresenta uma nação que sempre englobou outros povos, ou foi anexada pelos visitantes, mostrando uma heterogeneidade cultural. A dança folclórica e a música popular russa, imagem marcante do país, tem profunda influência da cultura cigana que penetrou o país no século XVI, vinda da India. A língua, religião e alfabeto receberam forte carga da cultura bizantina. Logicamente, que outros valores cresceram no seio da comunidade eslava, mas é preciso ressaltar que a grandiosidade da sua cultura provém da heterogeneidade do povo.


As tristes imagens que vos deixo nos links abaixos, são da atuação desses grupos neo-nazis, que agridem, covardemente, os imigrantes de outras etnias. Relembrando que em muitos vídeos, veremos o culto ao Nacional Socialismo alemão, maior inimigo do povo russo no século XX, que assombrou muito mais que os mísseis norteamericanos da guerra fria. Aqui em casa, tenho um cd de canções do tempo da Guerra, com discursos de Stálin clamando união ao povo para enfrentar a ameaça nazista e as canções populares ou militares conotando o pânico pelo qual a população passava. Ainda bem que esses grupos são uma pequena minoria no país, não deveriam nem existir. Atualmente, encontram refúgio nos estádios de futebol, utilizando-se da covardia para atacar pessoas indefesas nas ruas, parques e metrôs.


links do youtube:






quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Mestre e Margarida (Мастер и Маргарита)



Olá queridos visitantes, espero que estejam bem e que se o demônio estiver ao seu lado, que esteja bem intencionado. Hoje, resolvi postar sobre essa obra do grande escritor russo Mikhail Bulgakov, chamada Mestre e Margarida. Essa obra é, infelizmente, muito pouco conhecida no Brasil. Acho que na biblioteca da UFPE não temos esse livro. Conheci essa história através da minha professora de russo, a ilustríssima Larissa Chevtchenko, que juntamente com o outro aluno, Marcone, pegaram a cópia do filme pela internet. Na realidade, é uma série. São 10 horas de filme, onde todos os diálogos presentes no livro se encontram no filme. Detalhe: o filme é em russo e não tem legenda.

Quando eu estava viajando para o ENEH em Florianópolis, no ano de 2006, conheci uma estudante paranaense, chamada Máira, que por coincidência, tava terminando de ler Mestre e Margarida que ela tinha tomado "emprestado" (tomara que ela não fique chateada com esse furo de reportagem) da biblioteca da UFPR. Travamos amizade e ao último dia do congresso, ela me deu o livro, um tanto comprometido. Comecei a ler na volta no ônibus e o livro, simplesmente, me prendeu. Bulgakov, que era muito querido por Stálin que adorava assistir suas peças, escreveu o livro entre 1936 e 1940, mas só o pode divulgar em 1960, depois da morte de Stalin, quando a literatura pôde se desintoxicar um pouco da fuligem do calabouço.

O livro, que é uma grande paródia ao período stalinista, se passa na Moscou dos anos 30, onde a comitiva de Satanás vem banquetear-se com os mortais. Na primeira cena, o demônio, ou melhor, o Professor em ciências ocultas, Woland, está passeando pelo Largo do Patriarca, numa tórrida manhã de verão e dá de cara com um famoso literato, Berlioz e um jovem poeta, Ivan Biezdomny. Os dois conversando sobre Jesus enquanto personagem histórico. Se ele realmente teria existido e se tudo acontecera como as pessoas acreditam até os dias de hoje. Woland se interessa pelo assunto e pede para intrometer-se na conversa. A partir daí começa uma belíssima narração onde Woland começa a contar detalhe por detalhe o dia da execução de Cristo, seu debate com Pilatos e o "sopro" que ele teve que dar no ouvido de Caifás para condenar Jesus. Meus amigos, possam crêr, a narrativa da morte de Jesus pelo demônio é comovente! Por mais que pareça uma heresia, o demônio nutre um profundo respeito pela figura do Cristo.

A partir de então, a comitiva do demônio, composta pelo Professor Woland (ele próprio), Koroviev, Azazello e um gato preto enorme que anda nas patas traseiras e fala, chamado Behemoth, vão fazer as maiores estripulias na cidade. No Teatro de Variedades vão dar uma sessão de ilusionismo que vai causar furor entre os cidadãos moscovitas. Ainda nos dias de hoje, o apartamento número 50 da Rua Sadovaia é ponto turístico no centro de Moscou.

Não vou narrar toda a história porque quero que vocês leiam e sintam a culpa e o arrependimento de Pilatos e a ironia do escritor para com o stalinismo, desde o debate sobre a existência de Jesus enquanto personagem histórico até o show de ilusões no Teatro de Variedades. É uma crítica muito sutil ao regime socialista. Por favor, não venham me dizer que o stalinismo não é socialismo! O Brasil é o único lugar do mundo em que os burgueses são comunistas e o socialismo é cristão.

No final de tudo, a história do Mestre e seu romance com Margarida se tornam coadjuvantes, à medida que a trama vai se desonvelvendo até culminar no Grande Baile de Satã e na libertação de Pilatos. Falando tantas sandices, fico me colocando no lugar de vocês, devem pensar que não estou falando coisa com coisa. Implorei a Rodrigo que lesse o livro, prá ter com quem debater, depois de muito insistir, ele começou a ler e não conseguiu se separar até terminar. E debatemos sobre o livro e acrescentou bastante ao aprendizado (nossa, quanta pedagogia!) Chega, leiam o livro!

Notas sobre a Violência


Olá queridos visitantes, hoje gostaria de tratar de um assunto que está muito próximo de nós brasileiros, mais ainda dos moradores da manguecéia, que é a violência urbana. Todos nós sabemos que o ser humano tem seus impulsos agressivos e que a guerra e a violência citadina existe desde que os primeiros homens resolveram se juntar em coletividade. A questão é quando essa violência extrapola os limites do tolerável para uma convivência em comunidade. Muito se fala pelas academias que a violência é um reflexo do nosso atraso econômico e do nosso subdesenvolvimento cultural, porém, como podemos explicar que existe criminalidade em países bem estabelecidos, como Canadá, Noruega ou Japão?



Na nossa cidade, os assaltos sempre fizeram parte do nosso cotidiano. Quando eu era criança e estudava no centro do Recife, sempre via perambulando pela rua, os famosos "cheira-cola", ou "trombadinhas", como queiram. E eles assaltavam as outras crianças e mulheres com cacos de vidro na mão, e muitas vezes, até nos convaleciamos de sua triste situação, depois que a raiva da perda do objeto passava. A questão é que o maior problema de assalto na nossa cidade não é mais do pobre trombadinha que roubava um relógio ou um trancelim, os "novos" assaltantes de hoje, assaltam por conta de uma doença social que toma conta de muitas cidades grandes do Brasil, que é a chegada do crack. Não sou químico para dar uma abordagem correta dos efeitos do crack num ser humano, mas é certo, empíricamente, que essa droga tem um poder de destruição infinitamente maior do que as outras e que já derrubou muito "neguinho" experiente por aí.



Sei que esse papo pode parecer careta da minha parte, entretanto, eu sou a favor da legalização de algumas drogas recreativas que estimulam o pensamento e o conforto dos usuários, desde que usadas de forma consciente. Por exemplo, um cidadão que toma um LSD, jamais deverá guiar um carro, ou coisas desse tipo. Mas, em relação ao crack, percebemos que se trata de uma doença, mais social do que física. Ele degenera a moral. Eu trabalhei durante muitos anos em comunidades carentes do Recife, seja como professor ou como assistente social, e cansei de ouvir relatos de pessoas que vendiam a televisão da mãe, que se prostituíam e que passaram a roubar para sustentar o vício. A chegada do crack na nossa cidade consta de, aproximadamente, cinco anos e é esse o período em que houve um boom de criminalidade na cidade do Recife. Para mim, o determinismo nesse caso é bastante justo.



Em cidades como o Rio de Janeiro, os traficantes locais "apagam" os consumidores de crack e os negociantes, porque eles vêem essa droga como extremamente danosa ao seu comércio ilegal. De que maneira isso se dá? Ora, o Tráfico no Rio se sustenta, basicamente, do consumo de cocaína. O consumidor dessa droga pode passar anos e anos como cliente, ficando vicíado depois de um tempo, logicamente, mas sem trazer a degradação moral que o crack traz. Porque o crack vicia e destrói rapidamente, então não é lucrativo para os traficantes do Rio de Janeiro que essa droga se estabeleça por aquelas bandas. Aqui no Recife, essa droga criou ramificações e contaminou diversas camadas da sociedade. O fenômeno resulta nas ruas, nos próprios assaltos. Antigamente, os trombadinhas roubavam relógios e celulares e os ladrões adultos roubavam carros novos e assaltavam bancos e supermercados. O que vemos hoje é uma multiplicação dos assaltos, onde homens viciados roubam o que estiver ao alcance, desde carros velhos, bermudas, celulares ultrapassados; enfim, tudo o que puderem trocar por 30, 40 reais e consumirem de crack. Os que ficam devendo 100, 150 reais e não tem mais como pagar, quitam o débito com a própria vida, é o que constatamos diariamente. Daí, na nossa cidade contarmos com a mais nova atração turística, o Contador de Homicídios. Quando passamos no ônibus de 11:30 da manhã já temos 13, 14 mortos por assassinato.



O assunto é polêmico e o que eu escrevi não é, necessariamente, a verdade. É apenas a visão de como enxergo a avalanche de assassinatos e assaltos que assola o Recife de uns anos pra cá. Repito: Recife nunca foi o paraíso dos capuchinhos, sempre houve violência e desmandos na nossa cidade, mas é inegável que esse período atual é, sem dúvida, o mais violento da nossa história.

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

A Bolsa Caiu


Olá amigos que acompanham meu blog. Estive ausente nos últimos dias, pois estava bastante ocupado. Vocês sabem, pois assistem TV e lêem jornal, que o mundo está em crise. Hoje, oficialmente, o Japão admitiu estar em crise. Os japoneses perderam o costume de comprar uma televisão de 98 polegadas a cada ano. Agora, só comprarão de dois em dois anos. Nesse último fim de semana, praticamente não dormi, acompanhando o sobe e desce (mais desce do que sobe!) da bolsa de valores. Tentando me esquivar da crise que assola o sistema financeiro dos países do primeiro mundo, comprei ações das bolsas ditas periféricas. Meus amigos, não foi nada fácil! A bolsa de Macau fechou, na madrugada de sábado para domingo numa vertiginosa queda de 7.84% afetando minhas ações na Woo-Ping, empresa que fornece bamboos para os pandas chineses, normalmente lucrativa. Devido a essas intempéries, tive que me desfazer da metade das minhas terras na Suazilândia, vendendo parte da minha savana para uma empresa sulafricana de turismo.



O pior de tudo foi imaginar que enquanto muitas pessoas se divertiam em festas e eventos, eu tentava acompanhar, simultaneamente, o desenrolar das bolsas de Macau e Islamabad, através de uma rádio de Bangalore, que trata única e exclusivamente de assuntos ligados ao comércio internacional. Se não fosse esse tão importante meio de comunicação, com certeza absoluta, não restaria nem uma foto de zebra das minhas terras suazilandesas. A recessão continuará e quem não estiver engajado em defender seu patrimônio, como estou, poderá ficar à mingua do novo reinado de Genghis Khan que se aproxima. Sim, um império do oriente se aproxima mais uma vez e promete não aliviar com o ocidente. Logo agora, que o mundo judaico-cristão (que expressão batida) parece ter encontrado certa homogeneidade! A Europa, por exemplo, já não briga entre si e criou até uma União oficializada. Nos Estados Unidos, um negro foi eleito presidente e em breve os mexicanos poderão ser considerados cidadãos! Se até os Estados Unidos e o Japão estão em crise com a (pós) modernidade, que diremos nós pobres seres individuais, indefesos e tristes. O citibank vai fechar o halifax já embarcou dessa pra uma pior. Não existe crise sem mortes.



Meus amigos, sugiro que mantenham suas reservas de ouro e diamante para o ano de 2009, que promete ser o ponto culminante dessa crise. O barril de petróleo está por 55 dólares, uma ninharia! Ainda esta semana viajarei para Frankfurt para dar uma palestra para banqueiros estonianos e finlandeses, preocupados com a diminuição dos preços do pescado no Mar Báltico. Espero que nesses próximos dias o dólar se estabilize no Brasil, tenho grande confiança no meu amigo particular, Dr. Henrique Meirelles, que vai saber contornar a crise internacional sem mergulhar a nação emergente no buraco. Só volterei ao Recife no dia 26 de Outubro, precisamente para assistir o show de Tom Zé. Daqui pra lá, meu nome é trabalho! Os acionistas necessitam de minha especulação e minha agenda está cheia. Mas, prometo postar notícias dos lugares por onde andarei. Estou com a idéia de falar algo sobre a banda inglesa, Queen. Uma banda tão ímpar que o guitarrista Brian May foi o primeiro roqueiro da história a ser PhD em alguma coisa. Ele escreveu sobre a teoria do Big Bang. Isso é papo pra outra história. Falando em história, ninguém deu nome pra essa crise. O surgimento do universo é o Big Bang, a quebra da bolsa em 1929, ficou conhecida como o Crack de Nova Iorque. Aquí no Recife, a crise do Crack é outra e tem arrastado até fusquinha das ruas. Daqui pra Frankfurt vou propôr um nome oficial pra essa crise, quem sabe "Tsunami Financeira", "Aviões em Mannhattan", ou ainda "Nem Osama nem Obama, volta Bush de Lama". Daqui pra lá, espero que a minha fertilidade mental reapareça. Saudações alvirubras! 5x2. Pelas bandas dos Aflitos a crise se foi. Abraço.

domingo, 9 de novembro de 2008

Sunday Morning Coming Down



Na falta de um assunto de primordial interesse, vou escrever sobre o cotidiano. Hoje, às cinco da manhã desci do fusquinha de Yuri, que carona salvadora! Imaginem voltar do centro da cidade de ônibus em deplorável estado de embriaguez... isso nunca dá certo. Desci do fusca e em meio à cambaleante realidade, avisto no horizonte a alvorada, com seus raios amarelo-claros, os pássaros cantando, um vira-lata atravessando uma encruzilhada sem medo dos carros, a rua que se espraia para o alvorecer.



Na realidade, inicio minha narrativa pelo final (calma, isso não é mais um roteiro de filme pós-moderno!), quando na verdade gostaria de perpassar meus olhares sobre uma noite de sábado no Recife. Ao me lembrar do belo amanhecer em minha rua, inevitavelmente me conecto ao início de minha jornada em busca do prazer mundano, minha opereteante busca pela felicidade. Ao cair da tarde, um aniversário infantil no bairro do Parnamirim. Não vou relatar nada sobre a festa, porque não tem o que comentar. Festa de criança é tudo igual. Fiquei por lá, conversando, bebendo, socializando. Na verdade, o que me chamou a atenção em tudo é como o horizonte desaparece nesses bairros de classe média superpovoados com prédios de 20, 30 andares. Ao olhar pra cima, confesso, sentia medo daqueles monstros de concreto. Soube de uma história que num reveillon um jovem foi estourar o champagne na varanda e a garrafa escorregou. Não caiu na cabeça de ninguém. Mas, que morte mais banal, seria. No primeiro sinal do novo ano, uma marretada de champagne que vomitaria miolos por um raio de cinco metros. Depois dessa história, foi que não relaxei mais. Num sábado a noite, todos os térreos desses prédios tem festas de aniversário ou churrasquinhos movidos a pagode e axé, muita lascivia e gritaragem. Ao redor do prédio onde eu estava pude observar três festas que ocorriam simultaneamente. O tempo vai passando e o whiskey vai relaxando os nervos. Estou pronto para o próximo estágio.



Vou para o Recife Antigo. Show de Nação Zumbi no Marco Zero. Muita gente na rua, parecia carnaval, licença pra lá, empurrão prá cá. Garrafas se quebrando no chão, catadores de latinhas, o comércio de drogas deprê, músicas indecifráveis ao longe e a multidão buscando prazer, assim como eu. O prazer e a razão. Abandono-me da razão para tentar esbarrar no prazer e aí ocorre a grande virada da noite. Perde-se o espírito zaratustriano e mergulha-se no inferno de Dante. Quanto mais bestial, melhor o status. Enfim, não existe nada de novo. Recife Antigo e depois Garagem. Tenho certeza que meus leitores já experimentaram essa situação. O inferno já perdeu seu brilho e é hora de esperar a carona. Ao longe, o céu começa a ganhar leves contornos róseos. A última dose de vodca. Vem aquela velha reflexão: "Estou ficando velho." Ou então: "Será que eu ainda preciso disso?" Volto pra casa sabendo a resposta, mas sem forças pra tomar qualquer decisão. O fusca, quase solitário, atravessa a Avenida Caxangá em direção ao Engenho do Meio. À medida que os minutos passam, o azul vai ficando mais claro, nas ruas as pessoas saudáveis saem para o exercício matinal, o carro estaciona à porta da minha casa.


A rapsódia está concluída. Desci do fusca e em meio à cambaleante realidade, avisto no horizonte a alvorada, com seus raios amarelo-claros, os pássaros cantando, um vira-lata atravessando uma encruzilhada sem medo dos carros, a rua que se espraia para o alvorecer.



"Oh Lord it took me back to something that I lost somewhere, somehow along the way.

On the sunday morning sidewalk, I´m wishing Lord, that I was stoned, ´cause there´s something in the sunday that makes the body feel alone.

And there´s nothing short of dying that's half as lonesome as the sound of a sleepin' city sidewalk And Sunday mornin' comin' down." Johnny Cash.
p.s.1: um vídeo pra ilustrar: http://www.youtube.com/watch?v=NoSHIUmpF6M
p.s.2: foto de Diogo Luna.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Stare Dobre Małżeństwo



Olá amigos, resolvi postar um comentário a respeito dessa banda que faz um som lindo, suave e bem harmônico. Eles são da Polônia e se chamam Stare Dobre Małżeństwo(Bom e Velho Casamento), sua levada lembra um pouco o folk do Belle and Sebastian e do Simon and Garfunkel (isso é um elogio). Eu não entendo quase nada de polonês, exceto as palavras que se parecem com o russo, mas graças ao esforço de amigos virtuais consegui a tradução de uma das minhas músicas favoritas pro inglês, chama-se "jak". O que caracteriza esse grupo, além da qualidade dos músicos é que eles adotaram uma maneira diferente de composição, eles simplesmente musicam poesias polonesas, principalmente de Edward Stachura. O grupo goza de forte sucesso em seu país e consegue fazer um som agradável com letras inteligentes e sem aquele ar presunçoso. Vou deixar um vídeo de uma apresentação ao vivo que retirei do youtube, se vocês gostarem, procurem no emule que tem vários discos deles por lá. E se se interessarem por outros bons artistas poloneses, deixo Marek Grechuta como opção, brinco comigo mesmo (com quem mais posso fazer esse tipo de comentário?) que ele é o Nick Cave da Polônia. Vou deixar o vídeo e a letra da música Jak traduzida pro inglês. Agradeço a uma polonesa chamada Ania pela tradução, mesmo sabendo que ela não lerá isso.

link youtube: http://www.youtube.com/watch?v=xd4zslZmUjg

Jak
Like/how
Jak po nocnym niebie sunące białe obłoki nad lasem
Like white clouds nosing over forest in the night

Jak na szyi wędrowca apaszka szamotana wiatrem
Like scarf on hiker’s neck flapping on the wind

Jak wyciągnięte tam powyżej gwieździste ramiona wasze
Like yours helpfully hands ( I don’t know how to translate ‘wyciągnięte tam powyżej gwieździste” ‘wyciągnięte’ means ‘hold out’, tam = ‘there’, powyżej = ‘above’, „gwieździste” = means ‘full of stars’ or ‘ shining’

A tu są nasze, a tu są nasze.
And here are ours, here’re ours

Jak suchy szloch w tę dżdżystą noc
Like dry sob in that pluvial night

Jak winny - li - niewinny sumienia wyrzut,
Like guilty – guiltless prick

Że się żyje, gdy umarło tylu, tylu, tylu.
That we’re still alive, when so many, so many, so many people died

Jak suchy szloch w tę dżdżystą noc
Like dry sob in that pluvial night

Jak lizać rany celnie zadane
How to cure hard injury (in psychical meaning)

Jak lepić serce w proch potrzaskane
How to cure heart’s wounds (in unmet love)

Jak suchy szloch w tę dżdżystą noc
Like dry sob in that pluvial night

Pudowy kamień, pudowy kamień
pudowy stone, pudowy stone

Jak na nim stanę, on na mnie stanie
When I stand at it, it will stand at meOn

na mnie stanie, spod niego wstanęit
stand at me, but I’ll get out of it.

Jak suchy szloch w tę dżdżystą noc
Like dry sob in that pluvial night

Jak złota kula nad wodamilike
gold ball on the lakeside

Jak świt pod spuchniętymi powiekami
like new day for swelled eyelids

Jak zorze miłe, śliczne polany
Like nice northern lights, beautiful clearing

Jak słońca pierś, jak garb swój nieść
like sun, how to live
Jak do was, siostry mgławicowe, ten zawodzący śpiewlike
this yelling song, for you, misty sisters. (sister of mist )

Jak biec do końca, potem odpoczniesz, potem odpoczniesz
how run to finish, you’ll rest later, you’ll rest later,

Cudne manowce, cudne manowce, cudne, cudne manowce
Beautiful deserts (place without people), beautiful deserts beautiful deserts

Na, na, na... Jak biec...
how run
Jak biec... Jak biec...

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Estudando a Bossa




Alô amigos e visitantes desse blog. Ontem tentei baixar o disco novo de Tom Zé pelo emule e não consegui encontrar, por ser muito recente ainda. Então, andei xeretando pela internet e aqui está o link do novo disco. Estou ouvindo-o nesse exato momento que estou postando. Não posso emitir opinião porque ainda tô ouvindo pela primeira vez, mas logicamente, tem uma levada de bossa nova em todas as músicas. É isso, Tom Zé sempre vale a pena!


http://rs561.rapidshare.com/files/160379805/UQT2008_Tom_Ze_-_Estudando_A_Bossa.rar

Mogilev (Mohilióv, могилев)








Mogilev é uma cidade da Bielo-Rússia, ao sul da capital Minsk, e um distrito importante da região. Cidade antiga. Vou deixar abaixo um link pra vocês terem informações básicas e enciclopédicas a respeito dessa cidade, fundada na era medieval. Num tempo em que o comércio fluvial interligava boa parte do leste europeu, pela bacia do Rio Dnieper.


O rio Dnieper (existe também o Dniester, mais ao leste do mapa), é um rio fundamental da História da formação dos países do leste europeu. Diria que vai muito além do Leste, é um rio importante também para o contato entre bizantinos e árabes com os vikings suecos. Nos dias de hoje, essas cidades acinzentadas da Ucrânia e Bielo-Rússia são, normalmente, cidades industriais, geladas, com aquele ar de socialismo e extração de minerais e gases.




Quem me vê falando assim, talvez pense que eu conheço a região, né? Isto é apenas um excêntricidade! As propagandas de refrigerante exigem que sejamos diferentes e originais. Wooow! Esse foi meu jeito de ser original. Pois bem, resolvi me interessar por estudar as coisas dessa região do planeta. Não tenho descendência desses povos nem nunca viajei pra fora do Brasil. Mas, é uma excentricidade. Sempre gostei de folhear as páginas de enciclopédias e mapas da Terra. Quando eu tinha sete anos eu sabia todas as capitais do mundo. E tenho testemunhas! Na biblioteca do falecido Colégio Marista do Recife, com seus azulejos azuis e vasta coleção de enciclopédias, eu visitava as cidades e países.




Dessa forma, eu gostava de imaginar as regiões, por fotos eu via os povos e suas culturas. Atualmente, a internet tem me ajudado a ampliar esses conhecimentos, inclusive me tornando razoavelmente íntimo de pessoas que nunca imaginei conhecer. Por exemplo, eu converso no msn com uma inglesa do interior há 6 anos e uma jovem de 19 anos de Baku, Azerbaijão. Treinamos russo pela internet, embora o meu seja bem precário, como um silvícola e um urbanóide. Mas, assim vamos conhecendo outras coisas e respeitando. Vocês sabiam que os vizinhos azerbaijanis e armênios são inimigos vorazes?? Pois bem, dois pequenos países, vizinhos, espremidos pelo Mar Negro e o Mar Cáspio, e que não se toleram, historicamente.




A surpresa reside em nossa ignorância. Quando criamos imagens que nos são passadas pela tradição, antiga ou inventada, desses países, fechamos as portas para riquíssimas culturas e conhecimentos. Formas de arte que relatam outra realidade, ou ausência de realidade, ou fuga da realidade. Várias possibilidades de conhecimento. Jorge Luís Borges gostava de brincar com os mapas em suas ficções, essas se passavam numa cidade no interior da Irlanda, numa cidade do interior do Uruguai ou numa cidade imaginária perto do Cazaquistão.




Para a maioria de nós, Moguilev é apenas uma cidade desconhecida de um país desconhecido. Talvez não haja um grande artista famoso na cidade, nem um acontecimento histórico relevante, mas meu dever é esse, lançar olhares para coisas distantes, que se perdem na penumbra da cegueira, que são engolidos pela linha do horizonte até que a própria visão se torne uma criação. Sejam bem-vindos a Moguilev. O link é do wikipedia mesmo.




terça-feira, 4 de novembro de 2008

Luz de Inverno

O pastor e o Corcunda
O pastor e Jonas

Meus amigos e amigas, aquí na minha escrivaninha, possuo um caderno onde anoto as coisas que considero interessantes nos livros que leio, nos filmes que assito, numa palestra que escuto. Ao folhear essas páginas, dei-me com dois diálogos do filme Luz de Inverno do grandioso cineasta sueco Ingmar Bergman. Eu não compreendo muita coisa de fotografia, edição de imagens. Deus não me deu um dom artístico que fosse de grande valor, mas me deu sentidos capazes de admirar as grandiosidades e maravilhas realizadas pelos grandes homens. Esses homens tão admiráveis que conseguem se elevar da realidade cotidiana e encher de luzes fractais nossa triste caminhada.



Em Luz de Inverno um pastor encontra-se em profunda crise após a perda de sua esposa. Não reconhece Deus e ainda sim tem que guiar almas desesperadas para um caminho que não acredita, e pior, que sabe não existir. O pastor (Gunnar Björnstrand), ao final de uma de suas obrigações religiosas (culto), recebe a visita de Jonas (Max von Sydow), homem profundamente desenganado de sua missão na terra e da necessidade de viver.



Calma. Preciso de um intervalo na narrativa. Não posso passar pelos nomes de Gunnar Björnstrand e Max von Sydow sem deixar minha profunda reverência a esses atores, esses próceros espectros das mais belas imagens do cinema. Que perfeita sintonia! Vida eterna ao cavaleiro Antonius Block e seu escudeiro Jöns!


Esse desafortunado homem que deposita no pastor sua última esperança de conseguir achar uma nova razão para viver, uma flor azul romântica, um novo destino. Eis que esses homens desesperados vão colidir suas frustrações na sala do pastor, após a missa. A fala inicia-se com o pastor:

"_Percebe que erro monstruoso eu cometi? Um sacerdote ignorante, infeliz e ansioso. Fazia minhas preces para um Deus-eco... que me dava respostas agradáveis e bençãos tranquilizadoras.

Toda vez que confrontava Deus com questões reais, percebia... que ele se transformava em algo feio e revoltante.

Um Deus-aranha, um monstro.

Então, tentei colocá-lo a parte da vida... mantendo a imagem que tenho dele só para mim. A única pessoa a quem mostrei meu Deus foi minha esposa. Ela me apoiou, me incentivou e me ajudou. Tapou os buracos. Nossos sonhos.

_ Eu tenho que ir.

_ Não vá. Quero que entenda porque falo tanto de mim. Para que perceba o quanto sou infeliz. O coitado que...

_ Tenho que ir ou Karin ficará preocupada.

_ Fique um pouco mais. Vamos conversar com calma. Me pordoe por falar de forma tão confusa... Mas, de repente, isso tudo veio à tona.

Se Deus não existe... Isso realmente faria alguma diferença?

A vida se tornaria compreensível. Seria um alívio. E a morte seria a extinção da vida. O fim do corpo e do espírito. Crueldade, solidão e medo... todas essas coisas seriam claras e transparentes. O sofrimento é incompreensível, portanto não exige explicação.

Não existe um criador. Nenhum provedor da vida. Nenhum desígnio.


[Jonas sai em silêncio]


Deus... Por que me abandonaste?"



Após o tenso debate, Jonas se suicida. O pastor segue sua triste e covarde trajetória. Na outra cena que resolvi destacar, ele conversa com o corcunda que o ajuda nos trabalhos da Igreja. O corcunda inicia o diálogo:



"_ Uma vez lhe disse que minhas dores não me deixavam dormir à noite e me sugeriu que eu lesse.

_ Eu me lembro.

_ Para me destrair. Comecei a ler o Evangelho. Devo dizer que é um excelente sonífero... Pelo menos de vez em quando. Agora, estou na parte da Paixão de Cristo e as dores pararam. Por isso, pensei em discutir com o senhor. A Paixão de Cristo. Seu sofrimento. Não acha que é um equívoco enfatizar Seu sofrimento?

_ O que quer dizer?

_ Enfatizar a dor física. Não pode ter sido tão ruim. Posso parecer presunçoso... mas, humildemente digo... que sofrí tanta dor física quanto Jesus. E Seus sofrimentos foram breves. Duraram umas quatro horas, certo?

Sinto que ele sofreu muito mais em outro aspecto.

Talvez eu esteja errado.

Mas, pense em Getsêmani, pastor. Todos os discípulos de Cristo adormeceram. Eles não haviam entendido o sentido da última ceia. E quando os guardas chegaram, eles fugiram... e Pedro O negou. Cristo já conhecia seus discípulos há três anos. Eles conviviam dia e noite... mas nunca entenderam o que Ele pretendia. Eles O abandonaram, todos eles. Ele ficou totalmente sozinho. Isto deve ter sido um grande sofrimento. Perceber que ninguém o compreende. Ser abandonado quando precisa contar com alguém. Isto deve ser extremamente doloroso.

Mas, o pior ainda estava por vir. Quando Cristo foi pregado na cruz, em meio ao sofrimento... Ele gritou: 'Deus, meu Deus! _ Por que me abandonaste?' Ele gritou tão alto quanto podia. Ele achou que o Seu pai o havia abandonado. Achou que tudo que havia pregado era mentira.

Nos momentos que antecederam Sua morte, Cristo teve dúvidas. Certamente, aquele deve ter sido Seu pior sofrimento. Deus ficou em silêncio."







"Ser abandonado quando precisa contar com alguém." Esta também foi a falha do pastor. O corcunda tratou de lhe encriminar em sua culpa. Ao final, não existe justiça, apenas um incomensurável vale de tristeza. Também assim, Nietzsche classifica os homens ao dizer que o intelecto foi concedido para auxiliar o mais infeliz, delicado e perecível dos seres. Amigos, não neguemos uma palavra de motivação uns aos outros, nesse mundo cada vez mais agressor.


Saudações.

segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Provocações




Vou falar um pouco sobre esse programa da Tv Cultura que abrilhanta e estimula nossas noites de domingo. Aliás, a Tv Cultura e sua programação noturna de domingo é um oásis no meio de tanta idiotice que claustrofobiza nossas mentes. Nesse último domingo, o prgrama Clássicos apresentou uma orquestra (não me recordo o nome porque quando comecei a assistir já estavam na execução) interpretando o Réquiem de Mozart. Café Filosófico, Entrelinhas e até um reality show para revelar novos músicos eruditos.


O que mais me admira no Provocações é a liberdade concedida ao entrevistado no final do programa, onde Antônio Abujamra pede que o convidado relate as emoções que sente após ser aguçado a revelar seus conhecimentos.


No site do programa Provocações podemos encontrar momentos importantes que marcaram os encontros passados, os poemas e citações narrados no final e no início do programa. Entre essas citações escolhi essa de Fernando Pessoa, ao final deixarei o link para quem quiser ler as poesias e ainda ouvir a imperiosa narração de Abujamra. p.s.: Estou em débito com os escritores brasileiros. Machado vem aí!


Fernando Pessoa (citação):


Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas que já têm a forma de nossos corpos e esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares.É o tempo da travessia. E se não ousarmos fazê-la teremos ficado para sempre à margem de nós mesmos.




Eu e o Mosquito

Eu e o Mosquito

Eu sou um cara muito normal ou um cara estranho?
Se o mosquito que matei ainda dança e vive?!?
Definitivamente, uma boa música ressuscita nosso espírito, visto que, achava eu, estar morto há algum tempo.
Achava o mosquito estar morto?
Ou estava como eu?
O amanhã dele chegou?
Ou me escondo por baixo do chinelo que o pisa?
... O mosquito capotou por mais cinco centímetros e morreu de novo.
Somente mais uma vez eu vejo a mesma cena, as mesmas faces... Que em nada tem a ver com o mosquito, mas que vivem aquí neste mundo de coisas que me pertencem por aluguel.
Um dia... Eu não desistirei, nunca!!
Como vive esse mosquito!!!
Sou eu menor que ele?
“Once again I’m in trouble with my only friend...”
Ah, mosquito!!


(2001)

Sobre o Mar dos Sonhos

Sobre o Mar dos Sonhos

Dê-me um lar, seguro.
Um mercado de flores
Um mar de alegria
Fique apenas ao meu lado
Durante todo o dia
De hoje
Apenas
Hoje sou eu quem manda
Manda na chuva
Manda no sol
Hoje
Somente hoje
Amanhã renunciarei
Aos meus absolutos deveres
Minhas obrigações mais covardes
Amanhã terei coragem de olhar dentro dos seus olhos
E ver o mar
O meu tão esperado mar de alegrias
Onde remarei prá sempre
Onde me lançarei nas cachoeiras
Onde brinco feito criança
Voando no mais mágico de todos os balões
Ouvindo a mais suave das canções
A mais bela voz de sereia
Que canta prá Ulisses
O pobre Ulisses
Com sua profunda dor e arrependimento
Com sua fé inabalável
Mas Ulisses um dia foi feliz
Ulisses já teve seu próprio mar
Onde também remou
Onde também amou
O tempo tem passado para mim
Que me perco na sua grandiosidade
Na sua gigantesca capacidade de ignorar-me
Me perco no vasto mar
Na profundeza das incertezas
Talvez daquí a alguns anos volte a ser hoje
Onde fui criança
Onde fui Ulisses
Meu tempo acabou
O dia também
Sei que como Ulisses
Voltarei a ser feliz
Talvez muito feliz
E por que não?
Não mais colocarei vírgulas em minha vida
A partir de hoje sou eu e o mar
E não terei medo de remar
Mesmo que sozinho
Sem flores por perto
Quero-as longe
Quero-as perto
Não sei o que quero
Perdido no mar.


(2001)

sábado, 1 de novembro de 2008

Alexei Karamazov

"Eu aceito Deus simples e retamente, mas não aceito esse mundo de Deus." Essa é a frase mais marcante de Alexei Karamazov em toda a epópeia de sua família. Esse personagem, jovem monástico, foi concebido para representar o futuro da humanidade em Dostoiévski. O pobre escritor nem em sua última obra, aquela que deixaria seu legado definitivo, conseguiu se livrar da dúvida da existência de Deus. Quando Dostoiévski perambulou pela Europa, despatriado, pobre e viciado na roleta, teve um filho chamado Alexei que morreu com 3 anos de idade, um pobre anjo, vivendo em algum recanto ofendido de Basiléia. 1867. Nesse ano, Dostoiévski e Nietzsche viveram nessa mesma cidade suiça, e não se conheceram. Nietzsche era um respeitado professor e Dostoiévski um miserável. Capaz de nunca terem se cruzado pela rua, e se sim, Nietzsche não se rebaixaria a trocar palavras com um russo mal vestido e mal aparentado.

Nesse contexto, o franzino Alexei Dostoievski adoeceu e o pai não teve como dar uma assistência adequada. Resultado: morte do garoto. Dostoievski profundamente endividado, jogava para pagar os débitos e se endividava mais. Tinha que sustentar o filho bastardo, Pavel. Além dos débitos do irmão, Mikhail, com a revista Vremya. Os nervos lutavam para se manterem fiéis para suportar o dia a dia, mas de vez em quando explodiam em erupões vertiginosas, cataclismas epilépticos, acessos de divina loucura... E assim Maomé visitou as mansões de Alá ao mesmo tempo que uma garrafa se esvaziava.

Alexei Karamazov recebeu esse nome graças ao filho que Dostoiévski perdeu em Basiléia, e esse filho morto renasceria em um personagem: bondoso, religioso, honesto e justo. Alexei deveria guiar a humanidade, seria o super-homem, o russo do futuro. Educado num mosteiro, haveria de ser exemplo para os outros homens, um juiz da concórdia e do amor de Deus. Entretanto, quando Alexei não aceita esse mundo de Deus e tem consciência de sua pérfida humanidade, desce de sua nuvem idealista e vem banquetear-se com os incautos, admite: "Eu também sou um Karamazov." Ou seja, também sou vil, bestial, vão. Nem quando tentou formular sua perfeição, Dostoievski conseguiu se livrar de sua condição humana. O homem que passou por ele nas ruas de Basiléia veio inspirar Nietzsche profundamente, reconhecendo não conhecer um outro espírito que conhecesse tão bem a alma humana quanto o pobre escritor russo. Dostoiévski é o homem naquilo que mais compreende sua essência: sua fraqueza.