domingo, 23 de novembro de 2008

Pernambucanidade


Quando eu era pré-adolescente, pelas bandas de 1992 e 1994, apesar de muito jovem, conseguia reparar o marasmo cultural e social em que a sociedade pernambucana, principalmente recifense, estava mergulhada. O Recife que outrora gozava status de grande cidade brasileira, pujança e orgulho do Nordeste, ainda sofria da decadência do açúcar, decaindo há mais de um século no cenário nacional. Nesse período, quem era o grande ídolo da música pernambucana? Os eternos Alceu Valença, Geraldo Azevedo e Reginaldo Rossi? Quem tinha coragem de usar uma camisa com a bandeira de Pernambuco? Que dirá cantar o hino completo!


A verdade é que em meados da década de 90 uma conjunção de fatores favoreceu uma revitalização da imagem do Estado e da capital. O historiador inglês Eric Hobsbawn (sempre ele, com justiça) organizou um livro chamado As Invenções das Tradições, em que mostra que várias sociedades modernas do ocidente, para legitimar a tradição burguesa, principiaram-se em tradicionalizar costumes que estavam esquecidos, ou até mesmo, inventar ritos e mitos para um fortalecimento da identidade nacional dentro desses novos valores. Hoje em dia, quando pensamos num cidadão usando uma saia xadrez, nos vem a cabeça que povo? Não vou fazer mistério, lógico que são os escoceses. Mas, essa tradição de se usar saias, sempre foi um motivo de orgulho para a nobreza escocesa? Definitivamente, não. O historiador Hugh Trevor-Roper, nesse mesmo livro que indiquei acima, mostra que os highlanders que viviam ao norte do país eram a grande vergonha da Escócia, seriam equivalentes ao que chamamos de matutos brabos, mal vestidos, insolentes, pobres, cuja música era sempre acompanhada da ridícula gaita de foles que lembrava tempos obscurecidos. A tradição burguesa incorporou-se desses valores que outrora envergonhavam o pensamento elitista e transformou em kitsch, sendo atualmente, símbolo nacional usar saias e tocar gaita de foles.


Aqui em Pernambuco, quiçá com cem anos de atraso, em meados da década de 90, inicia um processo de revitalização da sua tradição e de recuperação de uma cultura que sempre foi esquecida e ignorada pelo poder metropolitano. A imprensa local, a política, os artistas e formadores de opinião (você não vai colocar o nome de Rogêr, não?!) começaram a esmiuçar a cultura popular em busca de nossas verdadeiras origens pernambucanas! A revitalização do Recife Antigo, que até então tinha se tornado ponto de prostituição barata, de mendigos e desalojados, trará um novo palco, centralizado, para a exibição e amostragem da nova tradição pernambucana. Lembro-me muito bem que nesse tempo começaram a tocar o hino de Pernambuco na televisão, antes dos jogos de futebol, fizeram campanha nos meios de imprensa para decidir se colocavam uma estrela em cima do arco-íris da bandeira de Pernambuco. Fazia-se necessário tornar íntimo aquele símbolo esquecido e que agora erigira-se perante a população, como símbolo de orgulho e força frente o resto do Brasil.


Ídolos surgem, Chico Science e Nação Zumbi, Mundo Livre S.A., Eddie... bandas com nomes descolados e um som que mixava a força universal do rock com a nova tendência do momento, a vedete maracatu, que passara dezenas e dezenas de décadas, sendo a representação da cultura de cidades como Nazaré da Mata e outras da Zona da Mata do Estado. Coco, caboclinho, ciranda... esses ritmos da cultura popular vão ser absorvidos pela classe média recifense (onde mais tem classe média nesse Estado pobre?), não sem um tom kitsch, e o "mosaico Pernambuco" respaldado na multiculturalidade, começa a fazer fama pelo Brasil e dirá pelo mundo.


Atualmente é muito comum caminhar pelas ruas do Recife Antigo, numa daquelas sextas feira em que não se tem muito o que fazer e pouco trocado no bolso e dar de cara com um grupo de 20, 30 pessoas derramando suor pelas ruas e entoando a manjada batida do maracatu. O que chama a atenção é que quando reparamos no perfil desses "músicos" é que são todos jovens, brancos e de classe média e conduzindo a velha endumentária pernambucana, que vai da sandália de couro aos colares hippongas. Dia desses, reparei que num desses grupos de maracatu não tinha sequer um negro tocando, eram trinta jovens brancos e de classe média, buscando sua identidade regional.


Certa vez eu criei uma comunidade no orkut: "Eu Odeio Maracatu". Já deletei a pobre e polêmica comunidade, porque eu já estava tão incomodado com o rótulo que se criava ao meu redor, de não ser "amigo da cultura pernambucana". Além do mais, quando você conhece um(a) turista, de São Paulo por exemplo, você não vai levar ela pro Burburinho prá ouvir uma banda fazendo cover de Pink Floyd e Ira! Eles querem ouvir/ver as nossas coisas originais, que brotaram espontâneas da rua, a resistência cultural pernambucana. Uma vez uma menina que eu tava paquerando há semanas, foi visitar meu orkut e viu a comunidade, e ainda viu mais, viu que eu era o criador da comunidade. O sonho havia acabado. Ela disse: "Não acredito que você odeia maracatu! Eu adoro! Todo domingo eu toco com meu grupo lá em Olinda." Depois desse dia, eu parecia um bicho. Um amigo que hoje está distante, Cristiano Randau, dizia que a pernambucanidade dele começava na ponte da capunga e ia até os limites do mar. A minha vai da Várzea até o mar.


Ao final de tudo (e tome vasilina!), declaro que admiro algumas coisas da cultura pernambucana, o ritmo do afoxê, a capoeira, a cultura armorial (sem ideologias, por favor!) e por aí vai, sou um cara total flex, para usar uma linguagem da época. Apenas me utilizei desse blog para analisar certos comportamentos da nossa época e pra afirmar que toda essa leva cultural pernambucana só foi possível porque a burguesia regional resolveu se apossar dela. Se dependesse dos próprios continuadores da cultura popular, o batuqueiros ainda estariam na zona da mata, a ciranda em Itamaracá e Lirinha em Arcoverde (meu Deus, que mal que fizemos!) Abraço, meus amigos e não me levem muito a sério, eu mudo de opinião da manhã para tarde. Aliás, vou lembrar um ditado (que só pode ser medieval, trazido pela igreja pro sertão): "Do cavalo pro chão, ainda se pede perdão". Lirinha, você é o cara!

5 comentários:

Juliana Palmeira disse...

Tu sabe que eu sou fã rasgada de toda essa pernambucanidade, do original olinda style pra ser mais específica. Tenho fetiche por sandálias de couro e homens batuqueiros. Amigos de Dodô que se encaixem no perfil, favor entrar em contato com a carioca aqui.

Lirinha é chato pra caralho.

Por enquanto, sem mais. Beijos.

Anônimo disse...

o Brasil sempre teve essa cultura de apenas reconhecer o que tem de dentro quando o extrangeiro legitima, e PE nao é diferente! acho que pode-se simplificar toda essa pernambucanidade no seguinte: a cultura popular é a música brincada nas ruas, nas rodas... e isso é muito importante para fazer contraponto à cultura enlatada dos shoppings, boates e lojas de conveniencia.. afinal, ainda somos feito de corpo e pulso...

Sr. Anísio disse...

é tudo muito simples, se temos pés é porquê não temos raízes. DESTRUAM AS ARBORESCÊNCIAS!!!! AS PALAVRAS DE ORDEM!!!! RIZOMATIZE!!! DESTERRITORIALIZE!!! aos saudosos de um passado impossível o meu registrado e simpático desprezo.

Anônimo disse...

E viva o Brasil e a periferia do "fantastico", como diz a nova filosofa da televisão o mundo pobre e uma imensa periferia. kakakakakakaka. é Dodô se até o amigo marx hoje estampa camisas em desfiles o que dirá do maracatu,Branco adorava maracatu nas casas grandes ele até permitia que os negros se rejubilassem em gozo praticando suas festividades, e na decada de 40 os classes medias gostavam tanto de maracatu que as grandes festas eram em bailes e com bandas de JAZZ fruto da mas legitima cultura brasileira.kakakakak Viva ao poeta de apipucos abraços Dodô.

Anônimo disse...

EXCEPCIONAL