quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

Dostoevsky-Trip

O que vou escrever pra vocês a partir de agora é uma interpretação da interpretação feita por uma professora da USP sobre o livro de Vladimir Sorokin, Dostoevsky-Trip. Deixem-me explicar um pouco melhor. Durante minha viagem para o congresso "Dostoiévski ontem e hoje", a professora Arlete Cavaliere nos falou da influência do escritor romântico na contemporaneidade e como o mesmo se encontra presente em obras de outros escritores. Dentre esses vestígios da presença do escritor russo, encontramos na obra de Vladimir Sorokin uma evidência latente. Como o livro está escrito em russo, difícil de achar até na internet no original, e foi traduzido apenas para o alemão, língua esta que comecei a estudar, mas que não avancei quase nada ainda. Sem contar que minha professora está distante pra completar. Só me resta, criar um texto em cima da interpretação da professora Arlete Cavaliere, e se isso ficar sem sentido, paciência. Tentarei dar uma idéia. Só Deus sabe se chegará em nossas mãos em nossa língua lusitana algum dia.

Dostoievski-Trip

Na Moscou de nossos tempos, o desemprego, a descrença, a lascívia, a ladronagem imperam. Os homens deixam de existir enquanto indivíduos.

Não! Não! Não! Não posso cometer tamanho crime! Não apenas pelo plágio, mas posso estar destruindo a curiosidade de vocês perante este novo texto que eu ainda nem li. Portanto, se vocês me permitem, vou fazer uma resenha de um texto que eu não li. Pode ser? Ou melhor, vou descrever o que minha imaginação criou enquanto a professora Arlete palestrava. Sinto-me um pouco mais aliviado.

H1 e H2, são dois jovens drogados da cidade de Moscou. Do grupo deles, três moças também participam das comunhões psicodélicas, são M1, M2 e M3. Esses jovens consomem todo tipo de droga e denominam-nas pelos nomes dos grandes escritores. Por exemplo:

_"Porra, essa Simone de Beauvoir tá muito fraquinha. Num deu nem um brilhinho." _Disse H2. _"Ô cabeção, nada mais faz a tua cabeça, miserável. Agora, diz se esse Kafka tá o veneno ou num tá?!" _ Replicou M3. H2 puxou Kafka com toda a força e sentiu logo uma dormência no corpo. "Esse Kafka tá uma delícia!"

Assim, os jovens passavam o dia usando Kafka, Bieli, Schiller, Goethe. A mais barata era Gorki, popular. Tolstoi já estava se acabando, M1 só tinha mais sete comprimidos. Os jovens aguardavam ansiosamente o traficante que iria trazer a novíssima droga. O pipoco do trovão! Só de pensar nela, eles já se coçavam. Com o passar do tempo, Kafka foi perdendo o efeito. O traficante não dava mais sinal de vida. Num vacilo de M1, H2 tomou cinco comprimidos de Tolstoi e ficou delirando, lambendo as paredes, abraçando-se com um tamborete. Aquele orgasmo de energia chamou a atenção do grupo que estava totalmente ansioso. H1 perguntou: "O que foi que tu tomasse, rapaz?" H2 balbuciava: "O amor faz milagres." Foi quando M1 se deu conta do que H2 poderia ter feito, correu pra bolsa e só achou 2 comprimidos que pra sua sorte tinha caído no fundo da bolsa quando H2 retirou os cinco comprimidos. Furiosa, ela gritou: "O filho da puta tomou cinco comprimidos do meu Tolstoi!!!" Os jovens permaneceram mais uma semana, consumindo o que tinham ao alcance enquanto a poderosa nova droga não chegava. Pushkin dava um barato legal, segurava a onda, mas não por muito tempo. Até que numa manhã de segunda-feira, o traficante aparece com a novidade bombástica:

"Cheguei do laboratório agora!! Vocês vão ser as primeiras pessoas no mundo todo que vão provar esse novo veneno do rato!!" A algazarra foi completa entre o grupo. O traficante retirou cinco comprimidos azul-clarinhos e disse pros jovens: "Esse aqui é Dostoievski. Vou dar de graça, depois quero que vocês me contem como foi a viagem. Mas olhem, quero que me diga se o bagulho é do bom mesmo que eu quero ver se posso aplicar no preço pra playboyzada." Todos tomaram rapidamente seus comprimidos, deitaram em círculo e começaram a entrar numa nova dimensão.

Em pouco tempo, estavam na sala o Príncipe Mishkin, Gavril Ardalionovitch, Nastassia Fillípovna, Aglaia e Adelaída Epantchiná. Todos participavam de um banquete na casa de Nastassia. O Príncipe um tanto atordoado pela paixão dividida e secreta que nutria por Nastassia e Aglaia, observava Gavril Ardalionovitch chegando com um maço de dinheiro propondo um futuro seguro para Nastassia. Essa última dissera que aceitava a proposta, mas que o dinheiro não teria valor em sua vida. Ateou no fogo as cédulas que queimavam lentamente e crepitavam no coração de Gavril. Aglaia e Adelaída estavam desconfortáveis com a cena que perpassava. Nastassia se levanta e propõe um brinde do champagne mais caro vendido em Petersburgo. Todos se levantam e erguem suas taças.

Essa cena narrada em linhas gerais deve ter durado umas seis horas. O traficante ficou aguardando os jovens voltarem da viagem em que apenas pronunciavam interjeições incompreensíveis. Após erguerem as taças, os jovens voltam, atordoados à realidade. O traficante se vira para H1 e pergunta se está tudo bem. Se Dostoievski era bom mesmo. H1 nada consegue responder. Os outros vão despertando também. Todos reclamam de uma imensa dor de cabeça. Começam a ter convulsões e morrem, repentinamente. O traficante abandona o local rapidamente.

Ao se encontrar com o químico inventor de Dostoievski, o traficante diz: "Bicho, tu fizesse uma bomba muito forte, cara! O pessoal lá morreu, deixei todos caídos lá, sem pulso, com a boca cheia de espuma e os olhos duros! Essa droga num vai dar pra vender não! O que a gente vai fazer agora?" O químico sentou-se no divã, cofiou a barba e encontrou uma saída: "Vamos ter que diluir Dostoievski com Stephen King."

8 comentários:

Anônimo disse...

Literatura narcotizante....

water.of.jellyfish disse...

Antônio anônimo! Fiz questão de mostrar pro meu amigo que mora comigo, pq essa é uma questão que rende mto papo entre eu e ele. E eu conheci um cara que morreu de Dostoiévski. Ele era fissurado em Os Demônios, se matou durante uma ocupação da Reitoria, se jogou do prédio da Universidade de manhãzinha, sabia de cor os pensamentos e falas de Piotr Stiepanovicth. Boto fé, que tem alguns como ele pelo mundo hehe.
Me fez lembrar tb a cena do Mistérios e Paixões, naked lunch, em que Judy Davis interpreta a esposa de Bill Lee (William Burroughs). Ele chega em casa e encontra ela xapadona, está viciada em veneno de inseto e diz pra ele: "É um barato kafkaniano" hahahahahah Acho que o Burroughs é a personificação nua e crua dessa questão literária, de viver a literatura como droga. Acho, não tenho certeza, que tem um texto do Nicolau Sevcenko em que ela fala dessa narrativa entorpecida e entorpecente. Mas a síntese cinematográfica do David Cronenberg no filme foi mto massa hahahhaha mas eu sou suspeita, pq sou mto paga pau do Cronenberg. Aliás vc viu o último filme dele Dodô? sobre a máfia russa, talvez vc goste hehehe esqueci o nome do filme agora porra, tem uma questão antropológica sobre tatuagem bem legal tb nesse filme. "Talvez eu goste" modesto esse cabra hahahah eu amei o texto Dodô!

water.of.jellyfish disse...

céu sem fronteiras...
céu sendo o encontro de céu e não-céu ... Vôo, portanto sendo o encontro de vôo e não-vôo...
eu sem fronteiras...


Obrigada dodÔ!

Dodô Fonseca disse...

Maíra, não vi ainda esse filme de Cronenberg. Dele, eu gosto muito do Spider. Aquele filme eu vi no cinema e saí atordoado com a velocidade arrastada que ele comanda o filme. Amiga, espero aparecer na sua terra para o congresso da Abralic que vai ter aí em curutiba em abril. Beijo e valeu pelas indicações de literatura e cinema.

gagarin disse...

cargas dàguas não sei pq os nomes dos personagens se me fazem associar ao h1n1 hehehehehhe....e como tb a primeira remersa viral foi mortífera esperemos que a indústria "viraulenta" suavize a nova fornada huahuahuahuahua
abração, meu querido amigo

Manuela Penque disse...

Gostaria muito de ter acesso a esse texto para fins de montagem no Brasil. Como faço?

Thiago B. de Queiroz disse...

Legal. O texto também tem tradução em francês, mas difícil de achar.
Eu e uma amiga minha russa estamos tentando traduzir do russo. Quando conseguirmos tal façanha, posso mandar pra quem se interessar.

Navarro disse...

Bom, tua postagem é de 2012. Creio que deves ter encontrado a tradução da Editora 34. Hoje assisti ao espetáculo no CCBB em SP e foi magnífico. Abraços.