quinta-feira, 18 de junho de 2009

Odomiro

Numa noite de quarta-feira de 1981, um anjo que não me recordo o nome se vira para Deus e diz: "Senhor, esse menino se chamará Odomiro. Há quantos anos não aparece um Odomiro nessa fábrica!? Com que características ele vai nascer?" Deus, como sempre, muito atarefado, não se lembrava de como o último Odomiro viera à Terra, nem das misturas de personalidade, caráter e visual que haveria de compôr a jovem criança que estava pronta para sair da fábrica. Outros anjos traziam novas crianças com nomes mais comuns e ele abençoava rapidamente: Pablo, Josef, Kim, Ekaterina, Maria, Hassan, Wang... e Odomiro tinha-se ido sem que Deus tivesse se lembrado de dar um destino à criança.

Assim, comecei minha ordinária jornada pelo planeta. Nem rico nem pobre, nem bonito nem feio, nem estúpido nem inteligente, nem romântico nem moderno. Quanto ao meu nome, durante minha infância me envergonhei por diversas vezes da estranheza que a alcunha me encubia. Nos primeiros dias de aula, enquanto a professora fazia a chamada, os nomes iam passando: Maria Danielle, Maria Juliana, Natália, Nélson, Norma... e a vergonha que alguém debochasse me fazia tremer e, para completar o drama, a professora sempre errava o nome: O-Odo-Odorico. Não! Odomiro. Ufa! Apressava-me para gritar: presente, professora! Pronto, a aula poderia começar. Com o passar dos anos fui me acostumando, também com o apelido de Dodô que veio na adolescência ajudava a diminuir o peso de ser Odomiro. Mas, outro equívoco se apresentava. Quando dizia que meu nome era Dodô, as pessoas perguntavam: "É Dodô de Dorival? De Domingos?" Não, é Dodô de Odomiro. E quando esse assunto caía exatamento no momento de uma paquera, ficava todo vermelho.

Quando da visita do adido cultural da Rússia, o Sr. Alexander Baulin à Recife, fiquei encarregado de fazer um tour pela cidade com ele e sua família. Enquanto atravessávamos do marco zero para a escultura fálica de Brennand num barquinho de pescador... Calma! Deixem-me fazer uma defesa de minha empresa turística! Na verdade, o filho do adido cultural, um jovem rapaz, resolveu que queria remar até a borda, então alugamos um barquinho de pescadores por 2 reais e atravessamos. Ainda bem que não aconteceu nada de errado, pois pela morte de um embaixador em Sarajevo, a Primeira Grande Guerra começou. Já pensaram a manchete? Melhor nem imaginar. Voltando às origens do nome, o adido perguntou se eu tinha esse nome por causa da origem eslava, pois era um nome russo antigo. Sim, vários príncipes russos se chamavam Vladimiro, Teodoro. Respondi que não, mas que meu nome tinha uma origem quase tão imperiosa quanto os príncipes da Rússia. Descendia da imponente cidade de Boa Ventura, alto sertão da Paraíba, onde meu pai, também Odomiro, recebeu esse nome da minha avó, sra. Ercília, sem nenhuma explicação racional. Talvez, ela achasse bonito o nome ou o homem do cartório tenha escrevido errado pensando que seria Valdomiro.

Hoje, com a maturidade (até parece!), eu gosto do nome e acho que ele me representa muito bem. Uma pessoa que gosta de músicas do Azerbaijão, estuda história da Rússia medieval, crescido no subúrbio do Recife, aspirante a crítico de Dostoiévski, torcedor do time de futebol mais helênico do mundo, escrachado e envergonhado. Definitivamente, não poderia me chamar José Severino da Silva. Ser Odomiro é quase como ser um flanêur. Não acredito em maniqueísmos, não tenho religião, mas também não ouso desafiar Deus. Não me importo com a política. Não gosto dos que estão sempre certos. Gosto do que me faz pensar, transceder. Pouco me atrevo a intervir no presente, mas tenho uma fascinação surrealista pelo futuro e realista pelo passado. Ser Odomiro é desdizer tudo o que disse acima, pois talvez tenha medido as palavras pra agradar. Ser Odomiro é passar a vida tentando construir um curriculum vitae e ao final perceber que só me interessam as pessoas capazes de não se envergonharem de seu curriculum mortis. Ser Odomiro é depois de viver essas tribulações ainda colocar o nome do filho de Odomiro III. Mas, isso só depois que o anjo se esquecer de que ainda estou por aqui.

"Confusion will be my epitaph.
As I crawl a cracked and broken path
If we make it we can all sit back and laugh.
But I fear tomorrow Ill be crying,
Yes I fear tomorrow Ill be crying."
(King Crimson - Epitaph)

5 comentários:

Jefferson disse...

Odomiro, meu amigo, que belo texto!

Dani Galega disse...

Esse Odomiro que escreve é lindo por de mais...
Amei o texto!!!

Mariana Azevedo disse...

Adorei o post!
Você só esqueceu de dizer que depois de Odomiro e Dodô, você também agora é Dodóvski! =)

Unknown disse...

Dodóvski tocado de hard..... quero ouvir em velho

Isabelle disse...

Lindo texto! Adorei.