domingo, 21 de dezembro de 2008

Apolônio


Acho que o brasileiro é povo que dá mais valor a utilização do automóvel. O carro é um símbolo de status quo e está intrínseco em nossa cultura como elemento facilitador de namoro (como diria Tom Zé), como utensílio de elegância e mobilidade. Em nossas grandes cidades, a violência pode inibir a locomoção pedestre por determinadas áreas da urbe. Por exemplo, quem teria coragem de passar por debaixo do viaduto Joana Bezerra às 3 horas da manhã, dispondo apenas de suas habilidades de correria? O carro é uma figura muito útil em nossa sociedade, de fato. Eu também sempre tive vontade de ter um carro, inclusive pelos motivos antes mencionados. Em 2008 adquiri um fusquinha, meu primeiro carro.


Tá bom, não vou fazer desse meu texto um daqueles quadros de Gugu ou Luciano Huck. Meu carro foi roubado e não quero falar disso, mas sim das experiências alucinantes que tive durante os seis meses em que convivi com meu volkswagen, Apolônio (nome proposto por Hannah Montana): um fusca branco pérola, com motor 1600, jogo de rodas, bancos de fazer inveja a muito gol quadrado (hahaha), vidro fumê, farol de milha, som que toca CD, dois adesivos do Náutico e o charme do condutor. Por nunca ter tido grana pra comprar um carro, nunca me interessei em aprender a dirigir, mas no começo desse ano as coisas mudaram. Em fevereiro estava fazendo meu teste do DETRAN e com o carro em casa. Imaginem minha aflição, com um fusquete todo equipado em casa e sem poder dirigi-lo porque não tinha carteira. Numa quarta-feira fiz o teste e passei, só que minha carteira de motorista só estaria entregue na outra quarta. Vocês sabem como essas coisas são: a mulher trai o marido, caboclo faz coisa errada, uma cerveja a mais... essas coisas são trabalho do tinhoso, sujeito muito conhecido em nosso balneário. Pois bem, numa noite de quinta-feira ia rolar show do Trio Pouca Chinfra lá no Quintal do Lima e eu decidi que iria de todo jeito e também iria estrear meu fusca. Não dei ouvidos aos conselhos da minha mãe, para que esperasse só mais uma semana (olha o castigo!) e me arrumei todinho para a noite de estréia. Gravei um disco de Neil Young (Rusts Never Sleeps - 1979), me perfumei e pensei comigo: "É hoje!"


Na ida, dirigia com todo o cuidado, nenhum carro da polícia me avistou, o som tava bem alto, fumava um cigarrinho e de vez em quando passava por cima de algum buraco, coisa inevitável em nossa cidade. Chegando no show do Pouca tomei umas cervejas e mesclava com uma água ou refrigerante pra não "pegar" muito. Saí do recinto umas três horas da manhã, uma forte chuva caía no Recife, daquelas que as ruas ficam com um palmo d'água. Entrei no carro, fiz todos os procedimentos necessários. Apesar do autopoliciamento, tava um pouquinho biritado. Saí pela Rua do Lima, dobro na Rua da Aurora e pego a Av. Mário Melo indo na intenção de chegar no Derby. O para-chuvas do fusca é muito lento e o vidro frontal não dava para enxergar muita coisa. Então, eu ficava parecido com aquelas velhinhas dos filmes de Sessão da Tarde, com o peito no volante. O carro se locomove com cuidado, parando no semáforo que cruza com a Cruz Cabugá e seguindo. Mais à frente um barulho constante começa a crescer vindo da parte de trás do carro. Pensei que o pneu tivesse furado, mas não, os parafusos voaram e a roda estava se soltando. Parei o carro na Mário Melo e fui tentar fazer alguma coisa, com a cabeça confusa. Abri o capô e não tinha a chave de roda e o step era maior que o pneu original. Ah, o macaco também não funcionava. Olhava para um lado e para o outro e nenhuma pessoa passava pelo local, apenas a chuva forte estava ali para anuviar meus óculos. Eu me sentia que nem aquela cena do Jurassic Park quando o cientista atola numa cachoeirinha. Enfim, tava fudido!


O cenário era desolador e pra completar não podia nem imaginar uma possível ajuda da polícia, pois eu tava todo errado. Tinha bebido e estava sem a carteira. Ainda não tinha passado o carro pro meu nome, embora já tivesse até pagado. Só tinha o recibo registrado em cartório da compra. Estando nessa situação perturbadora, eis que passa um cara que só conhecia de vista, até então. Humberto, amigo de Izidoro, que frequenta o famoso Bar do Bigode. Humberto deu uma força, me emprestou a chave de roda, mas a roda não entrava (até então, não tinha me dado conta que o step era maior que o pneu original). Apareceu no meio daquele nada, um cidadão nobilíssimo que estava voltando pra casa na sua bicicleta e uma maleta cheia de ferramentas Devia estar se divertindo em algum recinto, também. Esse homem ajeita o pneu, resolve o problema dos parafusos tirando um de cada roda e todas voltaram pra casa com três pinos. Humburto vai embora e o cara da bicicleta diz: "Vai devagarzinho que tu chega no Engenho do Meio". Depois de quase uma hora de agonia, finalmente, estava indo embora pra casa. O prazer dionísico já tinha se esvaído e a alegria agora era em voltar para a segurança do lar.


Acontece que depois de alguns poucos quilometros, o problema torna a me apoquentar. Um barulho vindo da roda traseira. Penso comigo mesmo: "P.Q.P., não é possível." Dessa vez, resolvi estacionar o carro antes que a roda voasse. Parei perto de um ponto de táxi pra pedir ajuda. Fiquei uns vinte minutos tentando conseguir ajuda, só que todos os taxis eram da marca FIAT e a chave de roda não servia para Fusca. Não tinha outra escolha, liguei pra casa, acordei minha mãe e pedi socorro ao meu cunhado. Vem logo aquela sensação terrível de quem já tava com quase 27 anos e tava dando trabalho ao povo de casa. Mas, não tinha outra escolha. Cheguei em casa dizendo que já sabia que tava errado, ouvi alguns sábios conselhos que quase nunca seguimos e por aí vai.


Essa foi minha primeira experiência ao volante. Durante os meses que estive com Apolônio, outras situações como essa se sucederam, tais como ter batido na entrada de casa duas vezes, dar marcha a ré num poste, girar a 70km/h perto do forte do brum e et cetera. Ao final, ele foi roubado e a essa altura, deve ter virado um buggy. Há quem diga que foi até bom, pois talvez não tivesse aqui pra contar estórias. Mas, se alguém achar um fusca bonitinho como esse da foto e com a placa KGU 2389, é meu porra! Ah, se meu fusca voltasse...

3 comentários:

Jefferson Góes disse...

Porra Dodô, essas coisas só acontecem contigo. Dava um curta-metragem. Cara, eu faço votos sinceros de que ele volte. Seria um presentão de Natal.

Claudinha Belém disse...

Pô Dodô! Que pena de você!
+ o texto é muito bom, a estória muito boa. O que seria de nós sem boas estórias p/ contar?

Chero.

Suaninha disse...

DodÔ, Apolônio num virou buggy não, pow! Pensa positivo...