domingo, 28 de março de 2010

A Grande Inquisidora

Nos últimos dias o Brasil tem acompanhado o julgamento da família Nardoni. Nesse momento, o leitor vai se perguntar: Puta merda, até esse cara falando desse assunto!? Mas, calma, quero falar por outro ponto de vista. Estive a pensar no poder que a mídia exerce sobre a vida dos cidadãos comuns e, embora todos nós saibamos do resultado da questão e que grandes filósofos já versaram sobre o assunto, sinto-me com vontade de expor minha estupefação com esses veículos divulgadores de notícias.

Certo dia, em sala de aula, uma aluna começou a explanar sobre as atividades do Tribunal do Santo Ofício na Baixa Idade Média, e que em regiões da Espanha foram responsáveis por um controle do cotidiano de tal forma que levaram ao suplicio muitos milhares de hereges. Heresia é uma palavra do grego clássico que significa “escolha”. Ou seja, os hereges são aqueles que escolheram viver de forma diferente do pensamento dominante, no caso medieval, da Igreja. Pois bem, ao final, ela perguntou: Quem representaria o Tribunal do Santo Ofício no mundo atual? Ou seja, quem seria a controladora do pensamento dominante e sentenciaria como herege os que não se adaptam ao que é comum a maioria?

A imprensa, com seu fortíssimo poder de penetração na sociedade, modula o comportamento da maioria (pessoas com quase nenhum senso crítico porque lêem pouco, principalmente) conduzindo-os em suas escolhas, desde políticas a culturais. Toda manhã está lá, impávido em sua panóplia, um troféu de cidadania, guiando os bons cidadãos como um legítimo pastor, dono de imenso rebanho, o senhor Alexandre Gracia. E ele, do alto de seu prestígio, julga os certos e os errados, tece condenações contra os inimigos da imprensa (que é o mais excelso exemplo de liberdade), os políticos corruptos, os que fazem propaganda antes das eleições. Não estaria ele certo? Claro que sim, é o Alexandre Garcia.

Na vida comum, enxergo o papel transformador da imprensa em dois exemplos que acho que posso citar com conhecimento de causa. Gosto de freqüentar dois espaços que são, como a imprensa diz, democráticos: o futebol e o carnaval. Lá estão os ricos e os pobres, dividindo o mesmo espaço. Gente da direita, da esquerda, anarquistas, velhos e moços. E, posso estar enganado, desde que comecei a freqüentar tais espaços na minha pré-adolescência observo a mudança do comportamento geral das pessoas devido à presença da imprensa. Há doze anos, o carnaval de Olinda era a residência do satanás na Terra: brigas o tempo todo; homens beijando as moças forçosamente; mulher nua em cima de uma porta carregada pelo povão. Todo tipo de baixaria. Quando a mídia passou a transmitir o espetáculo, o comportamento das pessoas mudou. Repito, posso estar enganado, mas que uma forte mudança de atitude atuou sobre os carnavalescos, disso não tenho dúvidas. A televisão com câmeras espalhadas inibe, de certa forma, os exageros, como uma mulher subir em cima da porta. E onde ela está, a segurança é multiplicada, é propaganda. No futebol, as brigas ocorrem do lado de fora do estádio, pois dentro todos tem medo de serem flagrados em atos animalescos. Eu mesmo corro dos depoimentos da mídia quando um jogo acaba. Em 1999, fui vítima do poder da imprensa, embora não estivesse fazendo nada demais. O Náutico tinha um atacante chamado Célio Jacaré, era o brasileiro da terceira divisão. O atacante fez um gol e subiu no alambrado na minha direção. Automaticamente, subi também e apertei a mão do jogador. No outro dia, eu estava na capa do Jornal do Commercio, em cima do alambrado, apertando a mão de Célio Jacaré.

A imprensa julgou a família Nardoni antes mesmo da justiça. No primeiro dia do julgamento oficial, poucos indivíduos foram pedir a condenação do casal que matou a criança. Ah, mas quatro dias depois, tinha gente com a bandeira do Brasil, faixa na cabeça com o nome “justiça”. Um espetáculo visual de indignação. Todos queriam estar na matéria principal do Jornal Nacional. Ou, quem sabe, dar sua opinião naqueles programas feitos para velhas semi-mortas da RedeTV: Cozinhando para os Netinhos. Para mim, a verdadeira condenação do casal, se eles são culpados, seria a “liberdade”! Dentro de uma cela, longe dos julgamentos sociais, eles poderão ter paz e tranqüilidade. Nas ruas, seriam lembrados de suas atrocidades o tempo todo. Pois bem, se temos sede de sangue, gritemos pela liberdade. Mas, a imprensa convenceu-nos que o pior castigo foi isolá-los numa cadeia. E todos estamos satisfeitos. E assim, a opinião pública torna-se a vontade dos julgadores midiáticos . Para as crianças: TV Globinho. Para os adolescentes: Malhação. Para os adultos, mais opções: Alexandre Garcia ou Arnaldo Jabor. Para os velhos: Ana Maria Braga. E viver sem heresia é como seguir receita de bolo.

2 comentários:

Anônimo disse...

dodô po, me manda teu email. ia te enviar um texto de lourival que acabei de ver e percebi que não tinha teu email.
Marquinho (souzamt@gmail.com)
abraço, grande ilustre figura!

Dodô Fonseca disse...

Alguém viu a capa da Revista Veja dessa semana? Tive ânsia de vômito.