segunda-feira, 23 de março de 2009

Louvor da Filosofia

O texto que vou postar adiante foi escrito pelo poeta e filósofo latino, Titus Lucretius Carus, ou simplesmente Lucrécio, para os íntimos. Estou lendo uma compilação de Poetas e Pensadores Latinos, organizado pelo professor de latim, o Sr. Leopoldo Pereira, falecido em 1932. Um daqueles livros que já estão sem capa, amarelados e que todo mundo acha que a única coisa que pode acontecer ao abri-lo, é adquirir uma espirradeira faraônica. O nome do texto é "Louvor da Filosofia" e está na única obra sua que chegou até nós (De rerum natura - Sobre a natureza das coisas). Esse texto vem completar minha trilogia da pobreza (estou ficando importante, mas continuo liso!) já que falei de Jesus, Dostoievski e agora do desapego epicurista de Lucrécio. Espero que gostem.


"Louvor da Filosofia (A Natureza das Coisas, Liv. II, v. 1 a 60)


É grato contemplar de terra, em segurança, o labutar dos que se aventuram ao vasto mar agitado pelos ventos, não porque nos dê prazer o sofrimento alheio, mas porque gostamos de ver de que males estamos livres. É grato observar de longe, sem ter parte nos perigos, as batalhas travadas em campo raso; porém nada mais agradável do que dos serenos templos erigidos pela doutrina dos sábios avistar os que vagueiam dispersos, procurando ao acaso os caminhos da vida, a emular em talentos, a porfiar em reputação, noite e dia empenhados em trabalho, para conseguir riquezas e poderio.


Ó miseras ambições humanas! ó cegueira d'alma! Em quantas trevas, em quantos perigos se passa este pouco de vida, qualquer ele que seja! Não ver porventura que a natureza nada mais exige do que isenção de dor para o corpo e tranquilidade para a alma, afastado o medo e todos os cuidados?


Vemos, entretanto, que o corpo não há mister muito para se forrar à dor e gozar grandes prazeres e que poucas são as exigências da natureza. Se não tendes em ampla morada formosas estátuas de ouro a suspender nas mãos archotes que iluminem vossos banquetes; se em vossas casas não brilha a prata ou reluz o ouro, nem os sons das cítaras reboam nas vastas e douradas abóbadas, podeis, reclinados em macia grama, à margem do regato e à sombra das árvores, sem dispêndio, dar folgança ao corpo, quando é boa a estação e por mercê dela os relvados se matizam de flores. Porventura vos deixai a febre mais depressa, se contra ela vos debateis entre coberturas douradas e telas purpúreas, do que se jazeis em pobre leito?


Se, pois, ao corpo não aproveitam riquezas, nobreza e poderio, certamente nem à alma podem aproveitar. Ainda que visseis em campo legiões vossas, que vos dessem a imagem de batalhas, e navios vossos, que em largas manobras se movessem, poderia esse espetáculo afugentar-vos do espírito as superstições e o medo da morte, e trazer-vos a tranquilidade e a isenção de cuidados?


Mas, se tudo isso não passa de ridícula ilusão, e na realidade o medo e as preocupações humanas não fogem ao estrondo das armas nem aos dardos cruéis, e audazmente acompanham os reis e os poderosos, nem recuam ante o fulgor do ouro e das vestes purpúreas, porque duvidais de que esses males sejam filhos da ignorância, uma vez que a maior parte da vida se passa em trevas? Pois assim como as crianças têm medo de tudo no escuro, assim nós, em plena luz, tememos cousas que não são mais de temer que aquelas que nas trevas apavoram as imaginações infantis. Êsses terrores do espírito, essas trevas da alma não os podem espancar os raios do Sol ou a claridade do dia, mas tão-somente a luz da razão e o estudo da natureza."

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