quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Uma Lembrança Furtiva

Isaiah Berlin falava da relação de Tolstói com Schopenhauer, de como o segundo havia influenciado o escritor russo, autor do monumental Guerra e Paz. Que o choque da ilusão do livre-arbítrio com a realidade das leis irretorquíveis que governam o mundo, constituem a maior tragédia da vida humana para ambos os escritores. A leitura prossegue em direção a Stendhal.

Há umas cinco linhas já não compreendo nada. O ventilador, mau contactado na tomada, liga e desliga de quando em vez. Antes que o mormaço me incomode, o motor dá um solavanco e volta a funcionar. O barulho produzido pela volta do funcionamento do aparelho eletrodoméstico me faz lembrar, não sei por que razão, do motor de um ônibus de viagem, trocando de marcha na madrugada, numa região indeterminável do interior da Bahia, entre Jequié e Vitória da Conquista. O ônibus cheio, num quase silêncio, às três horas da madrugada. Apenas o barulho de uma marcha de força. Provavelmente estamos atrás de um caminhão subindo um aclive qualquer de estrada.

Da janela, um espetáculo irresistível para o olhar recém despertado. Uma multidão de estrelas, infinita constelação. Com o rosto grudado na janela do ônibus, observo algumas quase a descer e tocar o chão. Estrelas de todos os tamanhos, brilhos, agrupadas. Como alguém pode identificar um desenho entre tantas? Como não criar desenhos entre tantas? Nunca tinha visto uma quantidade tão grande. E o que mais me impressionava era que algumas pareciam descer, como se fossem lâmpadas penduradas por uma haste invisível vindas do céu. Por um instante, pensei em reproduzir aquele espetáculo num imenso galpão de majestosas proporções, completamente escuro, com um teto altíssimo e hastes de diferentes tamanhos dependurando-se até próximo do chão, num simulacro do firmamento, onde nessa madrugada mesmo, eu pudesse abrir a porta do quintal de casa e me abrigar naquele galpão...

Assim como Rousseau, Tolstói costumava idealizar a terra e seus cultivadores. O mito do “bom selvagem” e o valor da vida familiar, a superioridade da emoção sobre a razão e uma vitória da moral sobre a virtude estética.

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