sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Três Momentos de Aleksandr Herzen

Aleksandr Herzen foi um pensador russo de meados do século XIX que passou sua vida lutando pela independência de suas idéias, esquivando-se dos idealismos, tão em voga no esperançoso século XIX, tentando alertar a humanidade dos perigos de se entregar a teorias de libertação do espírito aprisionando-os noutro sistema tão opressor quanto. Fugitivo do governo russo, suas cartas e discursos entravam clandestinamente no país e eram motivos de debates acalorados por parte da intelectualidade da época. Sem abrigo em seu país e vendo a nau ocidental sacolejar por ventos desnorteados, nunca encontrou residência em ideologias utópicas, fazendo de sua independência intelectual, a única morada. Deixar-vos-ei com três passagens de Herzen, as quais me identifico por completo, razão pela qual divido com vocês, nesses tempos inflamados de eleição em que se costuma cair em cada conto de vigário...

Sobre as Massas:

“As massas querem manter a mão que descaradamente rouba-lhes o pão que adquiriram. (...) Elas são indiferentes à liberdade individual, à liberdade de expressão; as massas amam a autoridade. Ainda estão ofuscadas pelo brilho arrogante do poder, sentem-se insultadas pelos que ficam sozinhos. Por igualdade, elas entendem igualdade de opressão (...) querem um governo social que aja em seu benefício e não, como o atual, contra ele. Mas, governarem-se a si mesmas não lhes entra na cabeça.”

Sobre os Franceses:

“Não existe uma nação no mundo que tenha derramado tanto sangue pela liberdade quanto a francesa, e não existe povo que a entenda menos, que menos tente dar-lhe realidade (...) nas ruas, nos tribunais, em suas casas. Os franceses são o povo mais abstrato e religioso do mundo; o fanatismo das idéias entre eles vem acompanhado pela falta de respeito pelas pessoas, do desprezo pelos seus vizinhos – os franceses convertem tudo em ídolo do momento. Os franceses lutam como heróis pela liberdade e, sem pensar muito, arrastam a pessoa para a cadeia, se ela não concordar com a opinião deles. (...) O despótico salus populi e o sanguinário e inquisitorial pereat mundus et fiat justitia estão gravados da mesma forma na consciência dos monarquistas e dos democratas, (...) leia George Sand, Pierre Leroux, Louis Blanc, Michelet, e você vai encontrar por toda a parte o cristianismo e o romantismo adaptados à nossa própria moral, por toda a parte o dualismo, a abstração, o dever abstrato, virtudes impostas e uma moral oficial e retórica sem nenhuma relação com vida real.”

Sobre a História:

“Parece desnecessário citar exemplos, existem milhões deles. Abra qualquer história que quiser e o que é impressionante (...) é que, ao invés de interesses reais, tudo é governado por fantasias e interesses imaginários. Olhe o tipo de causas pelas quais derrama-se sangue, pelas quais as pessoas suportam sofrimentos imensos, olhe o que é louvado e o que é censurado, e você se convencerá de uma verdade à primeira vista triste – uma verdade que, após reflexão, é plenamente consoladora, a de que tudo é resultado de um intelecto perturbado. Onde quer que se olhe no mundo antigo, a loucura se encontrará quase tão generalizada como em nosso mundo. Aqui está Curtius atirando-se dentro de um poço para salvar a cidade. Ali um pai sacrifica sua filha para conseguir ventos favoráveis, tendo encontrado um velho idiota para matar a pobre menina para ele, e esse lunático não foi trancafiado, não foi levado para um hospício, mas foi reconhecido como sumo sacerdote. Acolá o rei da Pérsia manda açoitar o oceano, sem entender o absurdo do seu gesto, como tampouco seus inimigos atenienses, que queriam curar o intelecto e o entendimento dos seres humanos usando a cicuta. Que febre pavorosa foi a que levou os imperadores a perseguirem o cristianismo? (...)

E depois que os cristãos foram dilacerados e torturados por animais ferozes, eles mesmos, por sua vez, começaram a se perseguir e se torturar entre eles com mais fúria do que tinham sido perseguidos. Quantos alemães e franceses inocentes morreram assim, sem absolutamente nenhuma razão, enquanto seus juízes dementes achavam que estavam simplesmente cumprindo seu dever, e dormiam tranquilamente a poucos passos do local onde os hereges estavam sendo queimados até à morte.”

“A história é a autobiografia de um louco.” Herzen.

Um comentário:

Dodô Fonseca disse...

Berlin, Isaiah. Pensadores Russos. Introdução de Aileen Kelly; Tradutor Carlos Eugênio Marcondes de Moura. - São Paulo: Companhia das Letras, 1988. pág: 102-104.