domingo, 15 de agosto de 2010

Sobre uma Palestra com Boris Schnaiderman em São Paulo


Em Dezembro de 2009, tive a oportunidade de participar de um seminário sobre a obra e pensamento do escritor russo Dostoiévski. Naquela ocasião, entre tão brilhantes palestrantes, pude conhecer o professor Boris Schnaiderman, o grande pioneiro nos estudos sobre literatura russa no Brasil. Antes dele, Otto Maria Carpeaux e Hamilton Nogueira, entre outros, haviam escrito brilhantes ensaios à respeito do escritor russo. Mas, Schnaiderman institucionalizou o estudo da língua e cultura russa no Brasil, quando capitaneou o Departamento de Língua e Cultura Russa na Universidade de São Paulo nos anos 1960. De lá pra cá, o aumento no interesse pelo pensamento de um povo tão longínquo do nosso, tem atraído dezenas de pesquisadores que se dividem na missão de criticar, traduzir e ensaiar as obras de diferentes escritores russos.

As quatro noites em que se debateu a obra de Dostoiévski em São Paulo, a platéia estava repleta de estudantes e admiradores da obra do escritor. Na primeira noite, cercado pelos competentíssimos pesquisadores: Bruno Gomide, Manuel Costa Pinto e Igor Volguin; Boris Schnaiderman pontuou sua palestra no embate entre razão e fé. Sua voz lenta e baixa, fez-se ecoar pela sala, numa demonstração de respeito por parte da platéia à sua contribuição cultural que resultou em várias traduções, livros e artigos. Sua fala foi concisa, em quinze minutos havia terminado seu colóquio, sendo reverenciado pelos presentes. Hoje, estive relendo meu caderno de anotações da viagem e encontrei algumas anotações que fiz enquanto o professor Boris palestrava.

A discussão sobre a religiosidade de Dostoiévski é intensa. É certo que ele propagava as idéias do cristianismo ortodoxo. Podemos encontrar indícios de sua pregação religiosa no seu último romance, Os Irmãos Karamazov, bem como em inúmeras crônicas escritas e compiladas nas páginas do Diário de um Escritor. Mas, até que ponto Dostoiévski acreditava no que escrevia? Para Joseph Frank, muitas vezes, Dostoiévski acreditava que a religião era fundamental para o povo, essa massa manobrável e sujeita a crenças muito mais perniciosas, como o socialismo, por exemplo. Schnaiderman então começou a palestra perguntando: “Que tipo de cristão ele era?” Ele responde usando uma expressão do pensador espanhol, Miguel Unamuno, em que dizia que Dostoiévski era um “cristão agônico”, ou seja, aquele que luta consigo mesmo e com os demais. Schnaiderman ainda afirmou que religião é discussão e que a tormenta e a dúvida fazem parte do processo de estruturação do pensamento.

Que Dostoiévski duvidou em sua fé é uma certeza ratificada por quase todos os críticos. Ivan e Alexei Karamazov representam duas fronteiras no pensamento do escritor russo, as fronteiras da negação e da certeza, respectivamente. Quando Dostoiévski compõe esses dois personagens está expulsando dois demônios que o atormentavam de longa data. E esse enxotamento dos demônios tinha que ser feito no derradeiro romance, pois o escritor tinha consciência que seu tempo de vida estava minguando, embora alimentasse o desejo de um desfecho no imaginário A Vida de um grande Pecador. Ivan, o racionalista ateu, e Alioscha, o agradável noviço, representam esse choque entre dois mundos: a tormenta e incerteza da razão e o conforto e a placidez da fé.

Schnaiderman citou uma carta escrita por Dostoiévski em fevereiro de 1854, quando ainda se encontrava na Sibéria em que dizia que “gostaria mais de ficar com Cristo do que com a Verdade.” Essa oposição entre Cristo e a Verdade é a aflição que carregará consigo até o fim de sua obra. Também é a mola propulsora de sua criação. Stefan Zweig dizia que Dostoiévski pregava uma fé que ele próprio não acreditava: “Prega a mentira que traz a felicidade, a fé do carvoeiro. (...) Para preservar os homens do tormento de Deus.” É esse tormento que enlouquece e mata Ivan e essa mentira que torna Alioscha um agradável rapaz, um exemplo do homem do futuro. A religiosidade de Dostoiévski, sublinhada por vários críticos e biógrafos, foi aprendida na prisão de Omsk. Seu catecismo foi popular, entre as criaturas mais torpes e bestiais, nos confins de uma Rússia distante.

Pontuando sua análise na questão da crença de Dostoiévski e na oposição entre o Cristo e a Verdade, Boris Schnaiderman propiciou aos ouvintes uma discussão fundamental da obra do escritor russo, tocando na chaga ideológica de seu pensamento, agarrando-se na pilastra primordial que separa a crítica religiosa e racionalista da obra de Dostoiévski.

Um comentário:

Dodô Fonseca disse...

Fiz uma resenha sobre a palestra que assisti com Bóris Schanaiderman no dia 01/12/2009, na ocasião do seminário Dostoiévski: Ontem e Hoje. É uma interpretação minha da palestra através das anotações que fiz. Espero não ter desvirtuado o pensamento do professor Boris.