segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Pro Curar

“Digno do céu me sentia quando os terrenos apetites dominava. Mas, quando não o conseguia, um inefável prazer de mim se apoderava.” Provérbio alemão do século XVIII.

A noite de domingo é um dos momentos mais sublimes da semana. Nem de longe é a mais feliz. Ao contrário, muitas vezes está impregnada de tal melancolia que preenche todo o ar de um saudosismo inconcebível. Assim, tenho percebido nas retrospectivas dos cotidianos semanais, os solavancos de minha alma, a única pela qual posso responder.

Quando o fim de semana se aproxima, de alguma maneira o espírito se assanha, parece estar à procura de um desejo perdido. É a vontade pela vontade, sem nenhuma razão plausível. O linguajar torna-se arredio, esquivo, rebelde. E, no meu caso, raríssimas são as vezes em que consigo dizer “não” ao canto das sereias. Nesses dias, é o palavrão cuspido com vontade no estádio de futebol, o galanteio barato, a selvagem bebedeira, a imundície das ruas noturnas do centro, a busca pela saciedade do prazer mais vil ou o simples contemplar das vicissitudes alheias.

Mas, dias de erupção são minorias durante a semana. Em geral, de domingo a quinta, empenho-me em levar uma vida próxima da decência, se assim posso me exprimir. É o treino dedicado de artes marciais, o estudo compenetrado no místico e turbulento universo da literatura russa, a busca pelas paisagens de fronteira. E nunca posso me queixar da solidão nesse apartamento, estou sempre às voltas com meus amigos escritores, cineastas e músicos.

Bem, muitos de vocês devem se perguntar: o que danado este homem está querendo dizer com essas palavras? Que sua semana oscila?! Oh, esse não é um privilégio exclusivo seu, meu amigo! Acorde! Não percebes o desenfreado movimento humano ao teu redor?!

Na verdade, se recorro ao desabafo, é que estou farto, empanturrado de coisas dentro de mim, clamando por se livrarem da minha companhia, mas que eu não as liberto. Não, não vou falar do desapego da vida cotidiana, das relações pós-modernas de afetividade. Eu já desisti dessa choradeira. Mas, da minha dissertação mesmo! Ao lado desse computador, mais de cinqüenta páginas de citações, divididas em capítulos. Vários esqueletos esperando pelo preenchimento de suas formas. Há uma semana tento começar a escrever. Escuto o conselho dos amigos: “Escreva, mesmo que fique ruim, depois você conserta.” Tá, vou tentar. Mas, fica sempre muito ruim. Acostumei-me a tal ponto em fichar os textos que não consigo desenvolver o pensamento. É frase e ponto.

“O surgimento da cidade na História aparece junto com a necessidade de proteção. Uma defesa contra as forças da natureza, contra grupos de inimigos, uma resposta à necessidade de sobrevivência. Para viver em conjunto, o homem antigo teve que criar regras de convivência e de organização militar. Dentro de uma escala macro, a cidade era sua casa...”

Assim, sem conseguir fazer direito, estou diante da necessidade primordial de produzir, perseguido pelo tempo que sempre é mais veloz que nossa vontade, aprisionado pelo sentimento de fraqueza perante o desejo, resta-me continuar a tentar, procurar. Ainda são 23:27.

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