quinta-feira, 1 de julho de 2010

Semana Braba

Hoje completa uma semana que uma seqüência de fatos tem me tirado o juízo. “Esse azar sobre você como uma nuvem que não chove.” Na última quinta dirigia-me para a Ilha de Itamaracá intencionando divertir-me com uma rapaziada que alugou uma bela casa na praia de Enseada dos Golfinhos. Tudo perfeito, carro cheio: ventilador, colchonete, roupas de banho, amig@s. Mas, quando passava por Igarassu, meu fusquinha Jesus resolveu me abandonar. Na realidade, sou o culpado de tudo, pois esqueci de colocar óleo no motor. Tudo bem, já tenho me penitenciado todas as horas por essa idiotice. Resta-me esperar um milagre e que Jesus não tenha batido o motor. Ainda preciso fazer o reboque de Igarassu até a casa do mecânico Zezinho, homem de confiança de toda minha família há uns trinta anos. Ele me deu uma esperança que talvez resolva. Mas, falta-me a grana pra rebocar o abençoado do Fusca.

Não satisfeito com esse imbróglio em quatro rodas, minha cadela Lilica faleceu após quase 12 anos de convivência conosco. Uma morte triste e lenta. Tão lenta que tivemos que acelerar pra evitar o sofrimento da nossa amiga. Acredito que ela estava com algum câncer, porque muito rapidamente a pobre cadela definhou. Em cerca de três meses, ela tornou-se muito magra, quase que só com os ossos. Já não escutava nosso chamado, teimava com qualquer coisa. Ela nunca foi uma cadela obediente. Desde a primeira semana em que chegou aqui em casa no ano de 1999, mordia todo mundo com seus dois meses de vida. Minha mãe decretou que ela deveria voltar pra casa dos donos. Levamos, mas na primeira noite, sentimos falta dos seus dentes em nossos calcanhares. Fomos buscá-la no outro dia. Ela fazia companhia a todos. Entendia a linguagem dos homens. Quando a gente dizia a palavra “banho”, ela se emburacava embaixo de alguma cama e mordia quem se aproximasse. Eu fui vítima de suas mordidas umas boas cinco vezes. Lilica era uma vira-lata muito bonita. Seu pai era um russkie siberiano e sua mãe uma doberman. Sua vida de exclusividade canica ficou ameaçada com a chegada de Bianca, uma pitbull que hoje tem quase quatro anos. Ao contrário do que se possa imaginar a maioria das pessoas pela propaganda negativa que a televisão faz contra essa pobre raça canina, ela é mansa. Sempre foi criada solta, brinca com minha sobrinha de dois anos e é extremamente obediente, muito mais do que a recém-falecida Lilica.

Ontem, Lilica amanheceu muito debilitada. Não conseguia se levantar. Minha mãe colocou um pires com leite. Ela bebeu e vomitou. Seus olhos sempre tão espertos, estavam longe, pouco se mexiam. Sua respiração era lenta. Chovia e ela não saia da garoa. Uma situação de cortar qualquer coração. Resolvemos que seria melhor sacrificar a pobre cadela. Fui chamar a veterinária. Ela disse que chegaria em meia hora na nossa casa. Minha irmã começou a chorar. Minha mãe disse que ia embora pra não ver. Eu fiquei olhando pra ela. Deitada no chão. Ela não tinha consciência que aquela era sua última meia hora de vida. Independente da “vontade superior”, nós estávamos delimitando sua vida e sua morte. Aquilo me constrangia deveras. Pensava que poderia ligar pra doutora e cancelar aquele ato fúnebre de caridade. Talvez ela se recuperasse e voltasse a engordar e ter alegria. Trancamos a pitbull no quintal pra que ela não presenciasse o óbito de sua amiga cotidiana. A doutora chegou. Muito educada, tratou de me explicar como seria todo o processo. Reconheceu Lilica. Disse: “Ah, eu me lembro dela lá no consultório!” Lilica nunca teve problema de saúde, era um vira-lata legítimo! Deve ter ido com minha irmã tomar banho e cortar o pêlo. A doutora pegou na sua pata, ela deixou sem resistência. Aplicou a injeção com anestésico. Ela soltou um grito uivado. Levantou a cabeça. Parecia que estava percebendo o que estávamos fazendo. Que estávamos tirando sua vida. Olhava penosamente para mim, à medida que ia descansando sua cabeça no chão, revirou o corpo pela última vez. Naquela manhã, era a primeira vez que a via mudar de posição. A doutora aplicou a segunda injeção com o veneno. Ela tentou esboçar uma reação. Esticou-se, abriu o focinho e esticou a língua, urinou-se deitada no chão. Seus olhos foram ficando cada vez mais distantes. Naquele momento, pensei nos dias em que estivemos juntos. Nas madrugadas em que eu abria a porta do meu apartamento, sentava-me na escada e ficava a olhar para o céu. Contava-os aviões que chegavam. Enquanto um voava sobre minha casa, outro já se avistava no horizonte, pequenino, como uma estrela cintilante que se aproxima. E Lilica ficava ao meu lado, sentada, certamente a pensar no universo que compõe seu mundo canino. Agora, ela se estirava pela última vez, naquele chão molhado de manhã chuvosa, garoa triste que acompanhou seu passamento. Já não respirava nem esboçava sinal de vida. Morreu com os olhos abertos, olhando pra longe. O que se passava em seu pequenino cérebro naqueles vinte segundos em que acompanhou sua despedida da vida. Via sua vida se esvaindo e ficando apenas aquele físico preto, os olhos abertos. Minha irmã gritava de tanto chorar. O homem da carroça pegou-a e colocou no saco. Prometeu-nos que iria enterrá-la. Pagamos ao homem e a doutora. Ficou um espaço a menos em casa. Normalmente, a vida de um animal tem menos valor do que a de um ser humano. Aliás, que valor o resto da natureza tem para nós?! Saí pra passear com a outra cadela, Bianca, que até agora está triste e chorona. Na minha cabeça, tomei a melhor atitude em poupar seu sofrimento, mas desde ontem, a luta da cadela, mesmo naquelas condições fragilizadas, pela vida me comoveu. Ela parecia querer sugar um resto de alguma coisa que talvez só ela soubesse que existia.

Passei todo o dia de ontem numa tristeza medonha. Pra completar, esse computador em que escrevo, não satisfeito com os problemas que me assolam, resolveu parar de funcionar. Meu amigo Juca (quem precisa consertar computador ligue para 81-8785 9785) esteve aqui, mas me avisou que meu HD está querendo morrer (dessa vez não vou sacrificá-lo). Preciso de um novo, de fazer logo um backup deste. Foda! Mais um problema. Enquanto escrevo essa postagem, meu computador já desligou sozinho uma vez. Só me falta essa! Já não me bastasse os débitos de dinheiro emprestado que pego com amigos, meu carro lá em Igarassu necessitando de reboque, a falta de dinheiro pra recarregar o celular, a internet atrasada onde fico suplicando aos funcionários do provedor que esperem mais uma semana, e minha bolsa que sairá semana que vem, findará tão breve o dinheiro caia na minha mão. A dissertação... prefiro nem comentar! Estou com centenas de anotações e citações, mas que não consigo ter a mesma desenvoltura que tenho pra escrever essa postagem, onde as palavras vomitam espontaneamente. Sempre coloco um imenso peso na primeira fase, de maneira que ela ainda não saiu. Enfim, estou prestes a enviar meu ceticismo para as cucuias e ir num terreiro forte pra tirar essa urucubaca. Por hoje é só. Espero que em breve possa aparecer por aqui com notícias mais consoladoras e um mínimo de instabilidade. Durante muito tempo, estive a procura de uma namorada, achando que a estabilidade amorosa me faria bem. Mas, calejado como estou, o melhor é ficar sozinho, deixando para a aleatoriedade da vida, os prazeres momentâneos. Nada de eterno! Adeus!

4 comentários:

Dodô Fonseca disse...

4 linhas antes do fim eu quis dizer "estabilidade", mas tá difícil.

Luciana Cavalcanti disse...

Dodô... Eu gosto do otimismo. Sei que, às vezes, ele parece meio idiota, mas, podes crer: ele é mais leve para o espírito!
Sabes que durante o período de recuperação eu não chorei de tristeza, nem de raiva/revolta, nem de dor...
Chorei quatro vezes: uma, de alegria, quando vi minha mãe (com um pouco de dó dela também, claro...), outras duas, de comoção mesmo, um sentimento bom, profundo, de afeto, no encontro com um amigo e na despedida de outro (que moora em Sampa) e, por fim, no dia em que fez um mês do acidente, de pura alegria por permanecer aqui...!
Depois disso, problemas não param: tenho parentes em Palmares e outras cidades afetadas; mas esta é uma gente de fibra que tornou-se sem-terra nos conflitos agrários, mas deu a volta por cima. Eu não tenho motivo nenhum pra achar que meus parentes perderam tudo, eles continuam acreditando na Vida.
Fiquei sinceramente tocada pelo teu desabafo... por isso, resolvi te falar de esperança...!

Um abraço pra tu!

Dodô Fonseca disse...

Tia Lu, tu sabes que eu sou um chorão. Não me leve muito à sério. Um cheiro desse teu amigo farrapeiro!

HVB disse...

Não sei se é a fase que tô passando, mas esse texto me deixou com os olhos marejados...