terça-feira, 6 de julho de 2010

Fronteiras

Nesses tempos de Copa do Mundo (calma, sei que ninguém agüenta mais falar sobre isso!), é comum grupos de amigos se reunirem e debaterem sobre os países envolvidos na competição. Fazemos escolhas por determinada seleção e, de repente, parece que a Eslováquia ou Gana estão tão próximos de nós. Questionado se torceria pela Alemanha ou a Argentina, declarei-me torcedor da seleção européia, e alguns amigos questionaram que eu não tinha espírito latino-americano. Pois bem, não tenho mesmo! Como morador do Recife, sinto-me mais próximo da cultura africana e ibérica do que dos países do Cone sul. Além do mais, a convivência com outros sulamericanos é acidental. A pessoa mais próxima que tive/tenho contato é o colombiano Castro, uma figura de uma riqueza de personalidade incomum. No mais, se não fosse por Jorge Luís Borges e Julio Cortázar, a Argentina seria tão distante quanto a Mongólia.

Com o advento da era pós-moderna, as fronteiras caíram e as peculiaridades tendem a se tornar cada vez mais homogêneas. O cidadão de qualquer metrópole há de se entender, desde que encontre uma língua em comum, nos trâmites culturais com seu interlocutor. E não digo isso apenas em relação a outros países. Recentemente, em visita ao Vale do Piancó, na Paraíba, terra de meus ancestrais, tive a oportunidade de verificar a modernização do cotidiano de uma pequena cidade como Boa Ventura, que consta seus quase dez mil habitantes. Quando era criança e visitava a cidade dos meus pais, era levado para a missa com a melhor roupa, normalmente uma camisa de linho abotoada até o pescoço que me deixava num fricote aperreado. Depois, ia brincar na praça da cidade, onde muita gente se sentava pra assistir o Jornal Nacional na televisão pública. A trilha sonora desses momentos era o forró, que à época nem se chamava pé-de-serra, pois não havia o forró eletrônico naquele vale. Não quero parecer excessivamente romântico, mas hoje, bem ou mal, a missa é freqüentada por uma população senil que olha com desaprovação a indiferença dos jovens que passam o dia nos bares ouvindo em suas camionetas com sons explodindo pra todo lado, músicas que falam de raparigas, cachaça e carros potentes. A televisão pública é dispensável, pois todos têm televisão em casa com antenas parabólicas. Quem sou eu para julgar se estão certos ou errados, se não vivo a realidade deles? Mas, a distância cultural entre um jovem de 25 anos de Boa Ventura e de Recife foi reduzida imensamente, havendo ganhos e perdas nessa constatação.

Sinto vontade de afirmar àqueles que esperam alianças com o vizinho apenas pela proximidade de nossas residências, que essas fronteiras me são indiferentes. Há uma nova terra fronteiriça que eriça de minha pele, que escapa aos muros e cercas, mas que constitui o verdadeiro terreno de minha existência (e sei não apenas minha). Um mundo que se apinha e se choca entre a tradição e a modernidade, entre o Engenho do Meio e o planeta, entre o apego e a vivência num mundo de eternas mudanças. Entre o ideal e o real, existe ainda um abrigo seguro para poucas almas, o mundo das artes eternas, onde as fronteiras não levantam as barricadas, a morte não encontra o tempo e o homem sobrepuja a nacionalidade.

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