quinta-feira, 22 de abril de 2010

Inaldo Tenório de Moura Cavalcanti


O apresentador e alma do programa Provocações da TV Cultura, Antônio Abujamra, vez por outra pergunta a seus convidados: "Obra ou destino?" Quase todos respondem: obra. Pois bem, desse cidadão que peço a intromissão em comentar, fica a difícil missão de distinguir qual caminho é mais bonito e singelo, obra ou destino? Conheci Inaldo no ano de 2007 quando trabalhei no Programa Parceria nos Morros da Prefeitura da Cidade do Recife. Uma nova remessa de funcionários estava chegando na nossa estação na Guabiraba. Diziam: "São duas moças e um coroa." E a primeira vez que ouvi falar de Inaldo, pela boca de terceiros, é que era um coroa, um crente e que não gostava de brincadeiras. Teríamos que conviver oito horas por dia com aquele coroa-crente. Mas, dia após dia, Inaldo foi conquistando todas as pessoas do lugar com seu jeito polido, mas simples; com sua religiosidade, mas com perspicácia; com intelectualidade, mas humildade.

Inaldo Tenório é escritor, natural da pequena cidade de Pedra, meio sertão, meio agreste de Pernambuco. Inaldo é um homem religioso, mas um apaixonado por Nietzsche. Inaldo é um dos intelectuais com uma bagagem de leitura mais respeitável entre os que tive oportunidade de conhecer, mas foi trabalhar como Técnico Social da Prefeitura, a função mais vulnerável na estúpida hierarquia do "funcionalismo público". Quantas vezes não o perguntei: "Inaldo, o que é que estás fazendo nesse lugar, rapaz?" Eu, o rapaz. E Inaldo sorria timidamente. Ah, ele é dostoievskiano! E todos os dias, subia aquelas escadarias trôpegas dos morros da zona norte do Recife para ter contato com a gente mais simples, com a realidade mais crua, porque daquela pobreza emana a sensibilidade mais vulcânica da sociedade: os gozos mais primitivos, as mais vorazes baixezas, a fé balbuciante dos ineloquentes. Inaldo é poeta, escritor de contos e romances. É tenor. Nos horários de folga, cantava o primeiro movimento de Carmina Burana, a nona sinfonia de Beethoven. Apreciava, em especial, o "Messias" de Haendel. De modo que a convivência com ele era um aprendizado constante. Revisou meu projeto quando fui tentar o mestrado. Às vezes, no horário do almoço, falávamos baixezas perto dele para provocar. O espírito humano gosta de suscitar a maldade naqueles que são benignos. Não os deixamos descansar e, muitas vezes, vamos ao seu encontro para lhes propôr o vil e abjeto.

Inaldo, o homem de Pedra, um romântico novecentista no século XXI. Está prestes a lançar mais um livro no dia 30 deste mês. Será uma honra acompanhar esta estréia desse amigo que, mesmo distante, deixou lembranças inesquecíveis de amizade e o exemplo de amenidade e cordialidade. Foi difícil escolher uma poesia dele para dividir com meus amigos leitores do Blog. Mas, entre os temas recorrentes, suas conversas com Deus, a dúvida do suicídio, as diáfanas luzes e os sombrios penhascos, encontrei na tempestade um bom exemplo do ardor espiritual que sua panóplia de brandura esconde.

A Tempestade (Inaldo Tenório de Moura Cavalcanti)

A tempestade rasga-se
no sono do dia anterior,
nas hóstias sagradas
da murcha flor-de-lis.

É de manhã, mostra-se
a sonolência de têmpera oca,
os pés mancos escondem
a essência da luz fosca
nos olhos sujos do criador.

Céu e terra se encontram
em desalinho e a luneta
mágica cruza o caminho
dos ramos verdes,
em sangue fétido de flor.

É domingo. A casa vazia
enche a ventania da celebração.
A luz acende a vela na
sublevação da etérea fala no
canto mórbido do santo templo.

A rajada varre as intempéries
e o silêncio cruza os braços;
do apocalipse as pernas
cambaleiam sem rumo certo.

Fecha-se a porta em desagravo
enquanto a trepadeira cresce
nos jardins que suspendem
as capas lisas dos rostos lúcidos.

O corpo lânguido se enrijece
à apresentação da alma no púlpito,
o ser dorme na sacra carcaça
do modelito rústico da cria
e a tempestade passa intocável sob
os frios pés de barro do andor.

3 comentários:

Luciana Cavalcanti disse...

Brilhante, Dodô!
Muito bom o poema e de teu amigo e belíssima a maneira como nos apresentas o poema e seu autor!!! Tua narrativa é muito boa... mesmo. Falando das coisas simples, do cotidiano!
- É que esta dificuldade de locomoção está foda (embora eu JÁ esteja andando!!! massa, né?!?)... Mas me deu vontade de conhecer o Inaldo e de adquirir o livro...
Mas quem sabe?!? Dia 30 é daqui a sete dias... rsrsrsrs

Unknown disse...

Amigo Dodô, muito obrigadomesmo. Está belo seu texto. Já lhe disse que a literatura corre solta em sua vida, como sangue(é sangue); estás cada dia melhor nessa caminhada pelo sagrado(?)solo da literatura, onde muitos se arvoram mas poucos pisam.
Muito obrigado, caro amigo.
Forte abraço, Inaldo.

Renata Iris disse...

Que lindo Dodô... Fiquei emocionada com sua homenagem. Tenho muito orgulho de ser amiga de ambos e também ter compartilhado um pouco dessa história.

Beijão!!!!