quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Walter Benjamin em Moscou

Na década de 1930, o filósofo judeu-alemão Walter Benjamin empreendeu uma viagem por várias cidades da Europa, entre elas, a capital do Império Soviético, Moscou. Para um morador de Berlin, a experiência de se conhecer um país que, originalmente sempre foi tão diferente culturalmente, agora também no campo político, pois tratava-se de um modelo de governo que chamava a atenção de todos os outros governos no mundo que cultivavam com suspeita o olhar curioso sobre o Kremlin moscovita. Mas, para a surpresa de Benjamin, conhecer a Rússia, ou melhor, a União Soviética, foi um grande aprendizado para que pudesse entender a sua familiar Europa.

O fotógrafo, o pintor, o literato, o arquiteto... ambos, contam a história da cidade. Cada um carrega sua vivência urbana. Assim, como os milhares de olhares que se cruzam na multidão, as “visões” da cidade por parte das diferentes formas de contar a experiência vivida se entrecruzam nas ciências que estudam a sociedade. O relato desses intérpretes das cidades acaba por nos inserir em suas realidades e, assim, nos tornamos viajantes de uma experiência ficcional.

O nosso cotidiano espacial só pode ser interpretado após um estranhamento do mesmo, um mal-estar em relação ao ambiente vivido. Sem a experiência do contraste e da oposição, a análise empobrece-se. Quando Walter Benjamin afirma que “por meio de Moscou se aprende a ver Berlin mais rapidamente que a própria Moscou”, ele está reforçando essa imagem. Mais adiante, ele afirma: “Só quem, na decisão, fez com o mundo a sua própria dialética pode apreender o concreto.”

O morador de Berlin só vai se sentir apto a conhecer sua cidade quando em outra realidade se encontrava. A Moscou comunista da década de 1930, com suas ruas apinhadas de gente, num corre-corre contínuo, com o barulho da multidão, vai recriar a imagem da cidade em que morava. Não por acaso, a historiadora Sandra Jatahy Pesavento vai utilizar-se das técnicas do próprio Benjamin para justificar a transcendência do olhar do escritor:

“A idéia de contraste, produzindo a revelação ou a descoberta, seria desenvolvida por Walter Benjamin, ele próprio leitor de Baudelaire e amante de Paris. Cortando os vínculos genéticos passado/presente, o que Benjamin postula é a criação de contra-imagens que rompam o contínuo da história, oportunizando o que se chamaria 'o salto do tigre', que daria margem à inteligibilidade pelo contraste.”

Para Benjamin, o cruzamento de imagens contrárias são necessárias para que se possa obter uma imagem coerente do sentido de uma época, presente ou passada. Porém, essas cidades não necessariamente precisam ser reais. Nas Cidades Invisíveis, Italo Calvino tornou “visível” cidades que só existiam no mundo ficcional. O topos uranos de Jorge Luis Borges é outro estilo típico de criação de cidades de sonho e poesia. Mas, no caso de Benjamin, a viagem para Moscou fez com que a própria Alemanha passasse a ter outro significado em sua visão de mundo. As ruas de Berlin lembravam os desenhos de Grosz: silenciosas, vazias, limpas, maquetes. Uma oposição a Moscou, que pela narrativa do autor parece-se quase com certos recantos de cidades brasileiras, caso não fosse a presença da neve. Observemos:

“Em Moscou, as mercadorias irrompem por toda a parte das casas, se penduram nas cercas, se apóiam às cancelas, jazem no calçamento. A cada cinqüenta passos se encontram vendedoras de cigarros, de frutas, de doces. Ao lado tem um cesto de roupas com as mercadorias, às vezes também um pequeno trenó. Um pano de lã colorido proteje maçãs ou laranjas contra o frio; duas amostras ficam por cima. Ao lado, bonecos de açúcar, nozes, bombons. Faz pensar numa avozinha que, antes de sair de casa, olhou ao redor em busca de tudo com que pudesse surpreender seus netos. Agora, a caminho, estão na rua para repousar um pouco. As ruas de Berlin não conhecem tais sentinelas com trenós, sacos, carrinhos e cestas. Comparadas com a de Moscou, são como um velódromo vazio e recém-varrido, no qual avança uma pista de corredores de uma prova ciclística de seis dias.”

Um convite para entrecruzar caminhos e reconhecer-se noutras perspectivas...


3 comentários:

Dodô Fonseca disse...

As citações de Benjamin estão no capítulo "moscou" da coletânea Rua de Mão Única. A de Jatahy Pesavento está no livro O Imaginário da Cidade. Quem precisar de maiores informações, entra em contato.

Unknown disse...

gostei desse Dodô...reflecti uma das facetas de meu cotidiano vivado no Brasil..aprendi a ver a França neh, ou seja perceber bem mais o lado dela que me enche o saco...;), e tb perceber melhor outros lados dela... gosto dessa visao "caleidoscopica"...
beijo!

Valéria Lourenço disse...

Nossa...tenho paixão por Benjamin. Já apresentei trabalhos sobre ele e ele é sempre muito atual para mim. Um abraço.