domingo, 10 de outubro de 2010

O Dia das Crianças


O comércio criou uma data comemorativa para celebrar a infância, é o famoso dia 12 de outubro, dia das crianças. Não por acaso, fatura-se tanto com a venda de produtos para os infantes. A imaginação de uma criança é preciosa. Uma menina é capaz de ficar um longo tempo brincando com uma boneca e naquela relação homem x objeto, um universo de criações e fantasias se estabelecem. Os pequenos carrinhos de corrida ziguezagueam pelos obstáculos da casa, entretendo a mente por um longo tempo. Porém, quando crescemos e nos vemos diante dos encargos repressores da realidade, o mundo da fantasia é relegado ao status de coadjuvante de nossas atividades mentais.

Como não posso presentear as crianças que conheço ao mesmo tempo, tampouco imagino que muitas delas visitem este espaço, quero repartir com os adultos que por aqui passam, um pouco do sentimento que a infância deixa em nossas vidas e que, tantas vezes, ofusca-se nas atitudes estúpidas que tomamos quando envoltos estamos no mundo da realidade burocrática.

Hoje resolvi assistir pela segunda vez o filme A Viagem de Chihiro (Spirited Away) do diretor japonês Hayao Miyazaki, e senti-me assaltado de tantos desejos de dividir o que durante o filme ficou tão latente no espírito. Decerto, não retomarei a emoção do momento em que assistia, mas uma cena em especial me fez refletir sobre a infância e sobre a nossa relação com o tempo: quando a garotinha reencontra os pais no final do filme. O escritor argentino Jorge Luis Borges, tantas vezes nos joga num universo em que o tempo e o espaço adquirem uma sensação de inconformidade em relação ao presente ao qual estamos habituados. Assim, o momento em que a gota da chuva escorre por nossa testa pode ser suficiente para que um escritor finalize e revise todo um romance que há "tempo" havia planejado. Também os espaços adquirem formas enormes, esfumaçadas ou até límpidas demais, que se contrastarmos com o nosso arquivo real, não encontraremos parâmetro satisfatório. No livro IX das suas Confissões, Santo Agostinho diz sobre o tempo: "O que é afinal o tempo? Se ninguém me pergunta, sei; se alguém me pergunta e quero explicar, não sei mais." Santo Agostinho coloca-se diante do problema de se medir aquilo que não é. Após questionar-se a maior parte da vida sobre o tema, reelaborando os conceitos de Aristóteles e Plotino, Agostinho encerra que o passado e o futuro encontram-se no presente, o chamado Tríplice Presente. O tempo, resumidamente, para Santo Agostinho é medido dentro de nós.

Na Viagem de Chihiro, a garotinha empreende uma excursão por um universo mágico, cuja comparação com nosso mundo de monóxido de carbono e bolsas de valores não é possível de ser realizada. Tanto que enquanto ela esteve envolvida em suas aventuras, para seus pais, o tempo transcorrerá o suficiente para que a menina se perdesse no alto de um barranco e voltasse. Nesse caso, o tempo não foi o mesmo para Chihiro e para seus pais, embora no relógio tenha-se transcorrido o tempo habitual. Enquanto desaparece, a menina penetra num universo mágico, em que a imaginação distende-se até que um novo mundo se construa. Quando observamos uma criança a brincar com sua boneca ou com um carrinho, entre tantos tipos de brinquedo, não podemos supor que tipo de interação ficcional está ocorrendo naquela relação homem x objeto.

Hoje, após terminar de assistir o filme da garotinha Chihiro, uma onda de desolação me atingiu de modo profundo. Uma saudade inconsolável de ver o mundo com olhos de criança, distante da amarga e insensível relação de sociabilidade que nos torna homens sem rostos, nervosos em engarrafamentos, agressivos na fila do banco ou mentirosos na saciedade de nossos desejos libidinosos... Era uma tarde solitária de domingo neste bairro de subúrbio, quando a história da mocinha japonesa mudou minha relação com o tempo e o espaço. Fez-me renascer o espírito mágico da infância e transportou-me para um mundo de sonhos, ainda que a duração deste sentimento não se prolongue por muito tempo.

video da música final com tradução: http://www.youtube.com/watch?v=Z-Dr3IeTbrY

Um comentário:

Fred Caju disse...

A critério de aviso, vou repostá-lo em: http://cronisias.blogspot.com/2010/10/doze-de-outubro.html

Muito bom Dodovski!