domingo, 13 de junho de 2010

Nostalgia

Cena 01. Andrei:

Na infância eu havia adoecido. Montanhas de medo na minha memória. Recordo-me de um frescor. E caminho, caminho... ora me vejo sentado na escadaria, ora caminhando em delírio. De repente sinto calor, desabotôo o colarinho... Eis que soam as trombetas, uma luz se move... minha mãe está lá, pairando sobre a rua e acena com as mãos. E já se vai voando! E agora eu a vejo em sonho toda de branco. Na infância eu havia adoecido...

Cena 02. Domenico:

Qual ancestral fala atrás de mim? Eu não posso viver ao mesmo tempo com a minha cabeça e o meu corpo. Por isso não consigo ser uma só pessoa. Sou capaz de sentir infinitas coisas ao mesmo tempo. O grande mal de nosso tempo é não haver mais grandes mestres. A estrada de nosso coração está repleta de sombras. Devemos ouvir as vozes que parecem inúteis e que no cérebro cheio de coisas aprendidas na escola, no asfalto e na prática assistencial, e com o zumbido dos insetos que entram na minha orelha. Precisamos encher os olhos e as orelhas daquelas coisas que existem no início de um grande sonho. Todos devem gritar que construiremos uma pirâmide, não importa se não a construirmos! O que importa é alimentar os desejos, temos que tirar a alma de todas as partes, como se fosse um lençol que cobre o infinito. Para o mundo ir em frente, devemos dar as mãos, misturar os assim chamados sãos, com os que são chamados doentes. E vocês sãos, o que significa a saúde? Todos os olhos do mundo vêem o precipício em que estamos caindo. A liberdade é inútil, se não tem coragem de olhar com os olhos da face, e de comer conosco, e de beber conosco, e de dormir conosco. Os assim chamados sãos, foram os que conduziram o mundo a catástrofe. Homem, escute! Em você, água, fogo e depois cinzas. E os ossos dentro das cinzas. Os ossos e as cinzas!

Cena 03. Domenico:

_ Onde estão quando não estão na realidade e nem na imaginação? Faço um novo pacto com o mundo: que haja sol à noite, e que neve em agosto. As coisas grandes acabam, só as coisas pequenas ficarão. A sociedade deve se unir novamente, e não continuar fragmentada. Vamos observar a natureza, pois a vida é simples, devemos voltar ao começo, ao ponto onde pegaram o caminho errado. Devemos voltar as bases principais da vida, sem sujar a água. Que raio de mundo é esse, se um louco lhe diz que devo envergonhar-me! Música agora.

_ Música! Música!

_Tinha me esquecido disto. Oh, mãe! Oh, mãe! O ar é aquela coisa rápida que gira em torno da cabeça, e se torna mais clara quando você ri.

(Domenico ateia gasolina sobre o corpo)

_ A música não está funcionando. Ajudem-me!

(Corpo em chamas. Nona sinfonia de Beethoven. Allegro Assai)

Um comentário:

Dodô Fonseca disse...

Mais um pouco de Tarkóvski. Inevitável nesse momento!