quinta-feira, 31 de março de 2011

Sossuil'ka



Oficialmente, estamos na primavera há mais de uma semana. Mas aqui, na Rússia, o inverno é forte e tarda a findar. Um amigo me escreve da cidade de Colônia, na Alemanha, e anuncia que a primavera é linda e que de dia, aconchegantes quinze graus são sentidos no caminhar pelas ruas ensolaradas da primeira semana da primavera. Aqui, ainda agora enquanto escrevo, neva. Aliás, desde que o tempo esquentou, neva quase todos os dias. Quando fazia -36 graus, no final de fevereiro, não nevava, aliás, nada caía do céu, apenas a secura intolerável do ar que queimava a pele com rudeza e obstinação. Mas agora, é tempo de transição, de meio-dia faz +3 e de noite -3, e nesse esquenta-esfria, também o gelo entra na dança e se mostra através da Sossuil’ka.



A Sossuil’ka é uma espécie de estalactite de gelo facilmente encontrada em qualquer telhado de qualquer cidade russa. É resultado do derretimento do gelo quando o sol aparece de dia e do esfriamento do tempo, do fim da tarde até a manhã seguinte. Surgem belíssimas formas de estalactites penduradas sobre os telhados. As crianças adoram chupar Sossuil’ka. Mas, a palavra de nome inofensivo, amiga das crianças, é, na verdade, um grande perigo aos moradores das cidades. Enquanto andamos preocupados olhando para o chão, com medo de levarmos um escorregão nas placas de gelo que ficam sobre a calçada, a Sossuil’ka está sobre nossas cabeças, muitas vezes tomando proporções inimagináveis. Na semana passada, na cidade de Tver, uma senhora estava sentada num banquinho de praça quando uma imensa Sossuil’ka caiu do telhado de um prédio e lhe afundou o crânio. A pobre senhora faleceu na hora.



Esse mês de abril será um mês de mudanças profundas no cenário russo. O gelo, finalmente, vai derreter e dará espaço para o tímido surgimento dos primeiros brotos nas árvores, já pela última semana de Abril. Amanhã inicia-se o mês e ainda temos temperatura abaixo de zero, temos muita mokra (lama), neve e Sossuil’ka. Mas, ao final do mês, teremos o renascimento do verde e a ampliação dos dias. Quando cheguei aqui no Tartaristão, o sol se punha às 15:45, hoje ele se põe depois das 18h, isso num intervalo de um mês e meio. No começo de maio, os dias findarão mais tarde, o sol se porá às 22, 23 horas. É no final de maio que teremos as famosas Noites Brancas em Petersburgo. Pena que não estarei mais aqui. Minha passagem pela Rússia é curta, como a Sossuil'ka,’mas espero que perene, e que eu cá esteja noutra oportunidade. Estou planejando uma última viagem pela Rússia. Tenho medo do dinheiro não ser suficiente, mas mesmo assim eu vou. A viagem se iniciará em 18 de abril, saindo daqui de Naberezhnye Chelny e indo pra belíssima cidade de Samara, onde pretendo ficar uma semana. No dia 24, pego um trem para o norte, ainda não me decidi pra onde, mas meu coração chama por Velikyi Novgorod, a cidade mais antiga de todas as Rússia. Lá, posso encontrar lindos conventos e monastérios. A cidade é conhecida como a capital ortodoxa da Rússia. Novgorod é caminho para São Petersburgo, onde já tenho hospedagem na casa de uma amiga entre 30 de abril e 5 de maio. Após isso, posso ficar mais dois dias na capital de Pedro ou partir para o centro do país, em direção à Moscou, ao fim da viagem, à volta pro Brasil, ao derretimento final deste sonho, Sossuil’ka.

Nenhum comentário: