sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Ausência?

Fim de novembro, acho que esse foi o mês que menos escrevi no blog. Deve ter sido o mês que menos estudei também, mas não foi por falta de obrigações. Carreguei na avalanche os trabalhos e só Deus sabe como estão se desenvolvendo. A verdade é que foi/é um mês de acontecimentos. Minha bolsa saiu. Depois de um ano e meio devendo ao banco, a amigos, sem poder comprar livros, nem ir no cinema e outras privações deliberadas pela falta do dinheiro, cá estou tentando reorganizar a vida. Hoje acordei entristecido, sem forças, com vontade de chorar por horas a fio, quase como o personagem Oblomov de Ivan Gontcharov. Até que afastei a fadiga, comprei tinta, pincel, chemei um pintor da vizinhança e, juntos, mandamos brasa no apartamento que está, decerto, bem mais apresentável. Também comprei uma geladeira lá na comunidade Sapo Nu, por uma bagatela. Agora, ao final do dia, estou cansado.

Bem, se repararem, falei de um dia comum da minha vida. Aliás, se não corri ao teclado nos últimos dias é porque não houve tempo para reflexão. Tenho vivido, meus amigos. E viver, condiz com a possibilidade de gozar e sofrer. Meu coração fremiu nervosamente por esses dias. Ah, como me é doloroso. Ao mesmo tempo é divino. Falar de amor e não cair no ridículo é impossível. Além do mais, deixemos esse assunto de lado, como diria Petrarca: "Quem pode dizer a que ponto arde, arde bem pouco." Li essa citação num ensaio de Montaigne. Aliás, esse filósofo gascão tem sido um verdadeiro pai pra mim. Tomo seus conselhos e advertências, sua prudência perante o mundo, como um aluno que, dedicado ao seu mestre, presta atenção às mínimas interjeições. Minha alma é propensa aos abismos das paixões, às previsões do futuro, ao fulgor romanesco, e nisso tudo, consiste um triste caminho para o espírito. No mês que li menos, li Montaigne.

Hoje é sexta-feira e, que raro, não sinto vontade de sair. Hoje, comprei uma passagem de avião para São Paulo, vou assistir as palestras da semana sobre Dostoiévski no Centro Cultural Banco do Brasil, com os maiores nomes do universo dostoievskiano do Brasil e da Rússia. Uma ótima oportunidade pra fazer contatos, conhecer professores e alunos que, como eu, pesquisam sobre o escritor, falar um pouco em russo, quem sabe. Viajar. Quando viajo, minha cabeça adquire outra velocidade de raciocínio, o estranhamento oferece novas interpretações. E, se não escrevi recentemente, é porque o mundo já não me era tão estranho como de costume. Voltar a São Paulo vai ser bom, faz cinco anos que não ando por aquelas ruas cinzentas, cheias de pessoas apressadas, organizadas, cheias de objetivo. Eu gosto de São Paulo. Também será a oportunidade de perder o medo, ou não, de avião. Conheço várias cidades do Brasil, de norte a sul, sempre viajando de ônibus ou carro. Tenho medo de altura, de velocidade, de avião. Mas, vamos nessa. Talvez, por isso, resolvi falar um pouco de mim, sempre acho que se pode morrer mais facilmente numa viagem de avião do que em qualquer outra ocasião, embora as pesquisas e a opinião pública sugiram o contrário. Vou enfrentar esse medo. Moro no caminho para o aeroporto desde que nasci. Os aviões passam em cima da minha casa, habitam meus sonhos de madrugada, me acordam, me ninam, me espantam quando passam naquelas imensas alturas em que observamos aquele pequeno pássaro de prata a riscar a imensidão celeste. Que visão não deve ter um cidadão naquela janela. O mar imenso, a terra que divide as águas, o homem que sonha no quintal de sua casa.

Sabe, hoje não quero falar de algo que está externo a mim. Sei que uns dirão que o sujeito morreu. Que o homem é como um rosto desenhado na areia da praia, esperando a maré subir e apagá-lo num esquecimento desmemoriado. Mas, quero dizer coisas simples, que brotam dessa confusão que compõe meu pequeno universo. Quero dizer que acredito no amor. Mais do que nunca! Porque pude vê-lo de perto. Ó vida, faze desse escravo o que decidiste antes mesmo de existir! Arremessa-me pra fora do pássaro de prata. Faze-me voltar. Destina-me pra quem desejo tanto. Rouba-me sorrateiramente o ar enquanto durmo. Dize-me que o tempo já passou e não há nada que se possa ser feito perante à foice que se cobre de preto. Continuarei ausente. Estou indo pra São Paulo estudar aquele homem que me inspira há tantos anos, aquela fonte clara que jorra do âmago do mais impuro dos animais, o conflituoso mestre que soube captar essa roda gigante de sentimentos.


No Centro Cultural Banco do Brasil acontece, entre os dias 01 e 04 de dezembro, o Seminário “Dostoiévski Ontem e Hoje”
01/12 “Dostoiévski, nosso contemporâneo” – com Igor Vólguin (Rússia), Boris Schnaiderman e Paulo Bezerra. Mediação de Bruno Gomide
02/12 “O Universo das Ideias na obra de Dostoiévski” – com Déborah Martinsen (EUA), Fátima Bianchi e Bruno Gomide. Mediação de Elena Vássina
03/12 “Dostoievski x Teatro e Cinema – Uma atração irresistível” – com Elena Vássina, Aury Porto e Cibele Forjaz. Mediação de Ruy Cortez
04/12 “Dostoiévski e a Vanguarda Russa na arte do século XXI: convergências contemporâneas” – com Frank Castorf (Alemanhã), Aurora Bernardini e Arlete Cavaliere. Mediação de Silvana Garcia

4 comentários:

Alisson da Hora disse...

Cara, boa viagem! E, como diria o Pessoa, todas as cartas de amor são ridículas, mas não seriam de amor se não o fossem. Ou seja, todo mundo é ridículo, desde o amor às cartas, e a gente se imiscui nesse mundo doido de coisas ridículas...

P.S.: Passe na Augusta e tome todas por mim.

tábata disse...

é bem entendido ficar um ano e meio devendo e sem vida. ou quase isso. aqui a dureza é igual
ow dodô, aproveita que tá vindo pra cá, e me liga, meu querido. to morando em sampa.
te passo o celular por orkut.

um chero

Dodô Fonseca disse...

"me poupa do vexame de morrer tão moço, muita coisa ainda quero olhar. pavão misterioso, pássaro formoso, tudo é mistério nesse teu voar..."

JOSÉ RAFAEL MONTEIRO PESSOA disse...

Dodô, meu nobre, te conheço dos corredores do CFCH há 7 anos, mas ao ler esse post parece que entrei com uma velocidade dos aviões que sobrevoavam sua casa dentro de sua alma. Espero que a viagem tenha sido tranquila. Viajei de avião pela primeira vez à pouco tempo também. Mas foi tudo tranquilo. Teus amigos te esperarão. E como nossos amigos são incomuns te vejo por aí, meu velho.