terça-feira, 5 de maio de 2009

São João del Rey

Há menos de um ano estive na cidade mineira de São João del Rey. Um local que combina a pacatez das serras com a modernidade proporcionada pelo agronegócio. Uma cidade que conserva hábitos do século XIX, mas que também possui todas as características do capitalismo urbano. Durante o encontro de historiadores que ocorreu em julho de 2008, a cidade de 80.000 pessoas, recebeu mais dois mil visitantes. Estudantes que não se intimidavam perante o ritmo mineiro da cidade: andavam sem camisa, se embebedavam nas praças, faziam algazarra. Não vou dizer que os moradores não estavam acostumados com tal pândega, pois na cidade existe uma universidade federal e, vez por outra, uma horda de estudantes desembarca naquelas serras de ar fresco.

Certa manhã, resolvi passear pela cidade e um ônibus velho me chamou a atenção. Era azul, estava bem desgastado, parecia aqueles ônibus escolares dos Estados Unidos, só que o veículo em questão aparentava uns quarenta anos de uso. Resolvi trocar uma conversa com o motorista, um senhor de cabelos brancos, com sotaque mineiro bem carregado e que fazia o percurso Cananéia-São João del Rey há mais de trinta e cinco anos. Perguntei o que poderia encontrar de bom na cidade de Cananéia. Muito sinceramente, o motorista disse que nada, que lá não tinha cachoeira, nem igreja histórica, nem rua asfaltada, que era um vilarejo muito pequeno e que não tinha nada a oferecer ao turista. Pois bem, era exatamente o que eu queria para aquele ressacado dia. O motorista tentou protelar minha decisão dizendo mais uma vez que nada ia encontrar lá. Depois de quase implorar, ele aceitou me levar no ônibus até Cananéia, com mais cinco moradores que vieram entregar produtos da roça na cidade.

O caminho era por estrada de barro, com uma paisagem que só quem teve a oportunidade de visitar Minas Gerais sabe como é. Aquele mato, gente andando a cavalo, o ar frio dentro dos pulmões, um riacho aqui e acolá, gado gordo no roçado. Ao chegar em Cananéia, encontrei aquilo mesmo que o motorista advertiu. Passeei por suas poucas ruas de barro. Tomei acento numa mesa de bar e comecei a conversar com os velhinhos da vila, que sorviam rapidamente os copos amarelos de cachaça mineira. Contei que era de Recife e trocamos muitas idéias sobre as histórias antigas da região e eu a contar como era a vida na histórica cidade maurícia. Me interessou o fato dos moradores simples saberem de cor as histórias do tempo do Brasil Império. Os mais simples, que falavam aquele português matuto, dos livros de Guimarães Rosa, sabiam a história de Tiradentes e os outros inconfidentes. Contavam das visitas do imperador à Minas. E assim, entre uma lapada de caninha da roça e outra, uma galinha guizada, a prosa se estendeu pela tarde com direito a muitos minutos de silêncio onde todos olhavam ao longe para as serras e os vales distantes.

No fim da tarde, o ônibus velho que faz o percurso Cananéia-São João del Rey duas vezes por dia, voltou pra São João e, a cidade se tornou mais bonita aos meus olhos ébrios. Eram sete horas da noite e o frio começava a descer sobre os moradores. A cidade com seus muitos museus, igrejas, praças, pontes, a maria fumaça, tudo remetia a um tempo que passara, mas que de alguma forma permanecia vivo. Durante o século XIX, São João del Rey era a capital da música erudita no Brasil. Aliás, sejamos justos, Minas Gerais e sua tradição barroca era palco do que se melhor produzia em matéria de música no Brasil.

Continuando meu trabalho que pretende unir os estudos sobre a cidade e seus moradores ilustres, vou deixar de presente para vocês (retirados do pqp bach) uma obra de um morador da cidade de São João del Rey, o Padre José Maria Xavier. O nome da obra é Ofício de Trevas e foi executado pela primeira vez na semana santa de 1871. Acho uma experiência importante, até para quem não tem fé, estar em contacto com uma música de excelente qualidade produzida no Brasil Império. Particularmente, essa obra caiu bastante no meu gosto, escuto-a até para estudar. Através desta postagem, dedico meu apreço à cidade de São João del Rey e faço minha homenagem ao Padre José Maria Xavier, ajudando a prolongar sua existência entre nós divulgando seu trabalho. Também dedico essa postagem aos moradores de Cananéia, onde espero voltar algum dia e tomar uma caninha gostosa entre uma prosa matuta. Até a próxima, sô!

Ofício de Trevas:

parte 1: http://rapidshare.com/files/204441796/CVL_-_Pe._J._M._Xavier_-_Of_cio_de_Trevas_-_Vol._1.rar

parte 2: http://rapidshare.com/files/224470042/CVL_-_Pe._J._M._Xavier_-_Of_cio_de_Trevas_-_Vol._2.zip

2 comentários:

André Raboni disse...

Massa Dodo!

Sempre descobrindo coisas novas, né?

To baixando agora o Ofício de Trevas... O nome é sugestivo...

Aew!

Anônimo disse...

Que delícia isso!
Também acho massa conhecer os lugares por onde passo não como uma turista, mas como uma moradora.

Em Belém, tive a oportunidade de comer todas aquelas coisas paraenses diretamente da origem, no Mercado Ver-o-peso, tomando um Cerpa gelada e jogando conversa fora com aquele povo simples, mas cheio de história pra contar!

No Porto, em Portugal, pude tomar um café gostoso, sozinha, ao pé da Foz, vislumbrando uma paisagem linda, do encontro do Tejo com o Atlântico...

Prefiro andar a pé ou de ônibus quando viajo, pra contemplar tudo, tudinho mesmo. Ai, como é bom :)