terça-feira, 12 de janeiro de 2010

A Máquina do Tempo

Num daqueles dias em que acordamos desiludidos e com estafa de viver. Abrimos a janela do quarto e nos deparamos com a vida que, desrespeitosamente, segue. Não sentimos vontade de agir, a inércia é mais forte. Fechamos a janela do bom dia e mergulhamos novamente numa cama desarrumada e ainda mais flamejamos a tristeza que nos circunda. Num dia como este, de resignação, não há muito o que fazer. Mas, enquanto pensava em dormência, me veio a idéia de poupar a vida. Um dia desse, se fosse possível, poderia ser vivido daqui há sessenta anos, quem sabe. Quando, quase nonagenário, sem forças nas pernas, curvado, eu pudesse abrir a janela novamente e sentir a mesma força que em mim existe nessa idade mediana. De bom agrado, dormiria sem sonhar esse dia triste e trocaria pelo futuro. Essa idéia me fez pensar um pouco em Maiakóvski.

O poeta soviético (russo, é melhor) acredita que seria possível ressuscitarem as pessoas no futuro e que ele, Maiakóvski, seria trazido à vida pelas gerações futuras, distantes da triste realidade da década de 1920. Pede Maiakóvski aos homens do século XXX:

"Ressuscite-me
Ainda que apenas
porque fui um poeta
e esperei por isso,
recusando as tolices do cotidiano.
Ressuscite-me
mesmo que seja só por isso!
Ressuscite-me
quero viver o que me cabe!" (Sobre isto)

Maiakóvski acredita que depois da velocidade da luz existe um lugar onde a morte não vença a carne. E também para ele, a morte só trará a satisfação imaginada se a imortalidade for acompanhada da carne. O mundo de Maiakóvski ancora-se no futuro, o lugar de onde se faz necessário arrancar as alegrias. Mas, essa Máquina do Tempo, tão prodigiosa, se nos pode carregar para o futuro, certamente no passado (nosso) encontrará repouso também. Um passado que não seja necessariamente nosso, como Proust minuciosamente recorre na sua busca pelo tempo perdido, mas um passado imemoriável, talvez. Se me fosse dada a possibilidade de viver nalgum lugar do passado, escolheria entre essas três opções: a Grécia de Sócrates (IV a.C.), a Petersburgo de Nicolau II (sec. XIX) e a China de Genghis Khan (sec. XIII d.C.). Três lugares distantes entre si, distantes no tempo. Não que nesses lugares haja a perfeição social, não seria tão inocente de imaginar isso, embora toda essa divagação não esconda um devaneio pueril. A viagem pelo tempo só é possível através da literatura e da história, essa última apenas pelo passado. E até meu desejo de visitar tais locais que citei há pouco, constitui uma adoração aos bons livros que me tornaram familiar essas praças, que encheram de imagens minha cabeça.

Nessa manhã inexistente, em que vendi meu dia para a máquina do tempo, não quero retornar ao presente. Este presente tão sensato, que se encorpa nas sábias palavras de Montaigne e Sêneca, que como mantras nos ensinam a viver longe da dor e da tristeza, distancia-se. Hoje, me aproximo do suicida Maiakóvski, que certo que o presente não era salutar, confiou a um químico do futuro a tarefa de lho trazer de volta. Aliás, como diria João Cabral, não se pode esconder a tristeza como se guarda um livro desagradável na estante. Ela precisa de tempo para se curar, seja no passado ou no futuro. A partir de hoje, vou empenhar meus dias desagradáveis para a máquina do tempo.

3 comentários:

Suaninha disse...

Vc tem muita vida azul no seu coraçãozinho estrela para ficar desiludido com certas coisas do mundo, Dodô! O que não encaixa em nossos pensamentos e atos sempre quer dizer algo, quer nos ensinar algo, de alguma forma. E vc tem muito sorriso dentro de sua perspectiva íntima e a gente precisa desse sorriso, sempre!

Camila S. disse...

Belíssimas palavras! Que venha então a máquina do tempo, pois o passado não quero, o presente fede. Me dê a esperança do futuro, mesmo que ela não consiga vencer o meu pessimismo.

JOSÉ RAFAEL MONTEIRO PESSOA disse...

Ah! Esse estranho copo! O desejo por um Delorien que nos faça reviver, renascer, qualquer coisa. Qualquer coisa que nos faça crer nas paralelas realidades melhores que as dantescas (tem a ver com Dante?)que conteplamos calados enquanto caminhamos entre crianças sorridentes com tubos de cola em seus lábios, rindo de sua própria fome e seu futuro certo, que jaz no dobrar da próxima esquina. Certo dia acordei meio assim e escrevi isso http://pensamentossoltosdeumamentenoir.blogspot.com/2008/10/entre-eles-eu-ou-quem-foi-vladimir.html