segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Sobre os Rituais da Morte

Cada sociedade tem sua maneira de encarar a morte, isso todo mundo já sabe. Há algum tempo, tenho tido vontade de escrever algo sobre esse ritual de finalização da vida. Algumas pessoas acreditam que é um momento de passagem para um local que, ao certo, ninguém sabe onde fica nem pra que lado vai. Todavia, a intenção dessa minha vinda ao teclado não se justifica pelas especulações à respeito do sobrenatural, mas do ritual próprio de morrer, ser enterrado, ser velado. Tenho percebido que com o passar dos anos, essa cerimônia, antes custosa e prolongada, tem passado por uma tentativa de refinamento, se não espiritual, ao menos do ponto de vista da praticidade.

Em alguns países da América Central, o defunto é tratado como um noivo. É maquiado, vestido na sua melhor roupa, os melhores amigos se põe a chorar. O embelezamento é tamanho que a foto do moribundo fica estampada na sala. Há locais no Oceano Pacífico em que o corpo é atrelado a uma canoa e viaja incessantemente pela infinita vastidão com os pertences do morto. Outros queimam e guardam as cinzas. Os reis mongóis eram levados para as montanhas do Altai para ficarem próximos dos deuses, e assim, uma vasta possibilidade de destinos é oferecida ao recém falecido em diferentes épocas e sociedades. Hoje, ao caminhar em direção a biblioteca, passei na frente do necrotério do Hospital das Clínicas e percebi dois carros funerários estacionados na entrada. O que me chamou a atenção é que não eram aqueles Opalas e Comodoros pretos de antigamente, ou ainda, a Caravan enegrecida. Ambos os carros eram brancos e de última geração. Eu mesmo, me orgulharia muito de possuir um veículo de tamanha envergadura. Uma coisa é notável, o ritual de morrer está passando por uma transformação, se modernizando.

Quando minha mãe era uma jovem senhora no sertão da Paraíba, ela, juntamente com as tias e outras parentas, iam para o velório e se derramavam em pranto por dias inteiros. O defunto só poderia tomar seu caminho pros sete palmos de terra a que todos temos direito, após todos os parentes e vizinhos terem se certificado de que não faltou derramar mais nenhuma lagrimazinha. Pergunto-vos: uma atitude dessas seria conveniente nos dias de hoje? Claro que não! O que dirão na repartição se me virem chorando feito uma criança a perda de minha mãe ou pai!? É provável que o chefe até me demita alegando que uma pessoa que não tem controle emocional não pode defender o emblema de uma empresa de sucesso. As cerimônias são cada vez menos frequentadas, intimistas e precisam apresentar uma aparência de claridade. Os cemitérios já nem pertencem à essa categoria taxonômica, hoje são jardins, parques, moradas. Morada da Paz, Parque das Flores, Jardins do Éden. E assim, por uma boa quantia, passa-se a impressão que o defunto está transladando para um lugar idealizado pelo fetiche dos vivos. A eternidade é garantida pela presença de cópias de quadros de artistas renascentistas, por uma imitação de pensador de Rodin e coisas do gênero. Há até trilha sonora de Beethoven! Nos Estados Unidos, existe um cemitério chamado Forest Lawn-Glendale, na Califórnia, que segue tanto o estilo relatado acima que muitos casamentos são realizados lá (há quem diga que muitos já nascem mortos).

Para mim, o pior é não saber se essa michael-jacksação da morte, deixando sua enegrecida aparência para assumir um caráter alvo, luminoso, não esconde um desapego ao morto, à sua história, suas lembranças. Durante o velório se discute futebol, toma-se whisky, fala-se da bolsa de valores e mais importante que o sentimento e a gratidão em relação ao falecido é a famosa coroa de flores com frases feitas pela própria funerária. Quando eu morrer, quero uma coroa com a frase de Tom Zé: "Na vida quem perde o telhado em troca recebe as estrelas. Pra rimar até se afogar e de soluço em soluço esperar." Não, não! Muito grande! Ficaria muito caro, talvez. O cara da funerária tem uma mais ajustável aos nossos padrões modernos, quem sabe aquela velha frase: "A morte não é o fim. Te amamos." Também a morte virou um dilema entre tradição e modernidade.

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