segunda-feira, 27 de julho de 2009

O Fim do Garagem

Hoje os homens da DIRCON e da Guarda Municipal colocaram abaixo uma página, queiram ou não, da juventude recifense, o bar Garagem 27 ou Galletu´s, como foi conhecido nos seus primórdios, foi demolido e não resta nesse exato momento, pedra sobre pedra. Dir-se-ia que o fim do Garagem serveria para a abertura de uma importante avenida que ligará o bairro das Graças ao bairro de Casa Forte, liberando o sufocado trânsito. Outros dirão que naquele antro consumia-se droga e ouvia-se música suja em alto volume. Outros cidadãos de bem reclamarão que talvez Nilson não pagasse imposto e que toda a documentação fosse ilegal. Eu fui no Garagem pela primeira vez pelos idos de 1999. Quantos anos de minha juventude passei curtindo naquele ambiente escuro, divertido e neurótico. Quantas noites inesquecíveis!

Durante um tempo em que eu me encontrava muito liso, minha diversão era ir pro Garagem com 5 reais, de bike, pedalava por quase meia hora e voltava de madrugada completamente embreagado pra casa, depois de tomar três quartinhos de cachaça e uma cerveja pra lavar. Encontrava amigos na mesma situação e nos divertíamos. Quantas bandas legais não conheci convivendo com pessoas que frequentavam o velho Gara. Comprei um disco do Who logo após Manoel fazer uma defesa apaixonada do rocknroll da banda britânica ou ainda quando Cristiano Randau, hoje na Holanda, levava discos de Modern Lovers e Jonathan Richman. Ali, eu era um jovem aprendiz, atento aos comentários dos mais velhos, buscando meu espaço. Como não se lembrar dos primeiros show das Barbis naquela escuridão, as meninas enlouquecidas ou ainda aqueles show de trash metal com Raoni fazendo performances louquissimas no palco, se jogando na platéia com uma prancha de body boarding. Tá certo que de uns tempos pra cá ele tenha ficado muito desvirtuado da idéia original, mas mesmo assim, era o local onde podíamos encontrar uma gatinha muito doida no fim da noite, falar besteira com os amigos, esticar a lombra por mais algumas horas antes de nos depararmos com a triste realidade que nos transforma nesses seres tecnocratas que somos. Querem transformar nossa juventude naquele perfil de Malhação, zona sul da rede globo. Fodam-se!

Durante dois anos eu discotequei no Garagem e não ganhei 1 real sequer por aquele trabalho. Nilson me pagava em cerveja e eu me esforçava em fazer o melhor set pra ver as pessoas dançarem naquela escuridão. Quantas vezes não ouvi gente reclamando que o som tava muito devagar, queria ouvir os clássicos dos anos 80 ou até pagavam uma cerva quando eu colocava aquela música esquecida de Neil Young que o sujeito nunca que imaginava que tocaria numa madrugada careta do Recife. Também me arrependi de ter dado aqueles cd´s de músicas trashdance pra Nilson. Sim, agora posso me entregar, eu sou o culpado de rolar "Amante Profissional" nas madrugadas garageiras. Mas, como foi divertido aquele período entre 2004 e 2005. Numa madrugada de terça-feira, enquanto a cidade dormia seu sono operário, almas errantes se enfurnavam naquele ambiente em busca da felicidade almejada.

O Garagem ficava num local estratégico, na descida da ponte das Graças, na beira do Rio Capibaribe. Já vi Hugo Perez ficar tão louco no dia do show de Wander Wildner que deu um flecheiro no rio sujo, mas saiu de alma limpa. Também o bloco Sobrecú fez uma das suas prévias mais loucas nesse bar, com um arrastão tresloucado acordando os moradores do bairro das Graças. Já marquei um aniversário com tema cigano, pois uma cigana disse que eu iria morrer no último sábado de 2005. Fiz meus amigos rezarem uma oração em língua cigana da zona rural do extremo oeste da Romênia para desfazer a urucubaca lançada sobre mim. E deu certo! O show de Wander Wildner no Garagem foi uma idéia minha que contou com a execução de Roger de Renor e como eu fiquei feliz em ver aquele show tosco rolando naquele pequeno espaço. Todo mundo duvidando que o show ia rolar e eu garantindo, até que quase 2h da manhã, o roqueiro gaúcho iniciou o show com uma guitarra e uma bateria e a caixa de som estourando. Até hoje, Wander considera esse um dos melhores show de sua carreira. Uma vez, completamente ébrio, eu escrevi um pequeno verso em homenagem ao Garagem, mas sempre julgava inoportuno apresentar. Provavelmente, por não possuir uma grande qualidade estética ou verbal. Mas, se não for aqui e agora, não será jamais. Agora, o Garagem será mais uma lenda de uma juventude que passou, assim como Ave Sangria era para a rapaziada dos anos 70. Pude viver intensamente o cotidiano desse bar por 10 anos, entre os 18 e os 28. Podia chegar lá trêbado e zoar com Nilson e sabia que não seria mal interpretado. Aliás, várias vezes, ele arranjava uma "namorada" e me deixava tomando conta do bar e confiava as finanças a mim.

O que me entristece é ver que a caretice está vencendo. Eu estou envelhecendo e não vou lutar pela juventude que aí está. Eles que façam das suas vidas o que bem entenderem. Depois de voltar do Rio, estou com planos menos audaciosos, quero sossego e paz. O big brother está aí e não é ficção. Privacidade e liberdade serão coisas do passado. Câmeras de vigilância brotarão do chão. Os locais onde as pessoas podiam expôr suas neuroses, excessos, estão dimunuindo. Teremos que nos adequarmos à visão de mundo de qualquer secretário de segurança, com sua visão totalizadora da sociedade. Ah, como os odeio! Adeus Garagem, que teu espaço sirva para os homens de boa fé conduzirem seus automóveis possantes em nome do progresso e da virtude social.
Garagem

São 3 horas da manhã de uma terça qualquer
Dançando Amante Profissional com aquela galera CAC-Molusco-Lama
Mordendo o pescoço de uma garota
Ou noiado embaixo da escada
Mais uma noite de Garagem.

6 comentários:

Dani The Girl disse...

E agora??? É incrível como doe quando mexem nas nossas lembranças.

André Raboni disse...

Lá se vai uma Era!

Escrevi sobre isso tb no Acerto de Contas...

http://acertodecontas.blog.br/cultura/recife-agora-e-uma-cidade-com-menos-madrugada/

Saudações saudosas!

Beca disse...

Metade do espírito noturno recifense é finito!!
Acabou chorare!

Dodô Fonseca disse...

Quem quiser ler mais sobre o fato pode encontrar nas irascíveis palavras do sr. anísio um acalanto raivoso.
http://aberrablog.blogspot.com/2009/07/ode-famas-e-esperancas.html

Aberração disse...

Tiraram as mesas da calçada do Central; 2 viaturas da PM, 1 da civil, 1 da Dircon e 1 caminhão da Dircon proibiram o som no Lima às 2h há duas semanas... demoliram o garagem; o que mais estes putos sem tesão na vida querem? Eu já fico no ar-condicionado o dia inteiro! À noite, preciso de ar!!!

Luciana Cavalcanti disse...

Dodô... parece que não foi um bar que derrubaram, né?!? Alguma parte de nós caiu junto...