segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Valeu, Edwind!

Hoje, faleceu meu tio, Edwind Julio Almanza Baca, em Salvador, Bahia. As causas da morte, eu ainda não sei, tampouco me interessa. Não quero lembrar da ausência. Edwind veio da Nicarágua para o Brasil com pouco dinheiro e uma garrafa de whisky, ainda no final dos anos 1970, como ele mesmo contava. Homem boêmio e "desenrolado", conseguiu sobreviver num país estrangeiro, com pouquíssimos recursos e muito jogo de cintura. Morava na casa do estudante da UPE e guardava a marmita do almoço para completar a janta. Edwind não era meu tio de sangue. Mas, será mesmo que não? Se o coração é o distribuidor do sangue pelo corpo, como Edwind não era meu parente?

Edwind nos aproximou daquele minúsculo e despretensioso país, um dos mais pobres das Américas, marcado por conflitos entre caudilhos e populares, com fortes cicatrizes pelas trêmulas montanhas. Ainda assim, aquele desapercebido lugar, foi escolhido por mim, ao menos duas vezes durante a vida escolar, como exercício nas aulas de geografia. A salsa, as músicas de Bemvindo Granda, o rum Flor de Caña, as imagens de sua pequena cidade, Boaco. Graças a Edwind, a Nicarágua era maior que o México ou a Argentina, por exemplo.

O imenso Brasil não foi de acolhida fácil. Edwind viveu em Recife, no sertão de Parnamirim, até se consolidar economicamente no Recôncavo Baiano. Quando chegou lá, já levava consigo sua bela família. Nesse tempo, ele já era o Tio Amendoim, que sempre vinha passar as férias na casa do meu avô, no bairro do Engenho do Meio, onde ainda hoje resido. Sua chegada era aguardada com ansiedade por todos na casa. Quando eles ligavam de algum ponto na estrada, dizendo que chegariam tal hora, meu avô Emílio punha-se na porta a esperar, quando o carro chegava, recordo-me de estar ao lado do meu avô, sempre vestido de branco, que soltava um uivo agudo de felicidade: "uiááá!" Eles vinham para ficar um mês inteiro! Ao seu redor, todos se sentiam à vontade, Edwind tinha o raríssimo dom de agradar a gregos e troianos, sem ser hipócrita ou forçado. Era sua espontaneidade que cativava e conquistava.

Há exatos onze dias, numa noite de quinta-feira, escutei um barulho de carro parar na frente de casa e um alvoroço. Abri a janela do primeiro andar e me reparo com aquela figura pitoresca: usando um chapéu de cowboy e gritando com aquele sotaque gostoso, meio nicaraguense, meio baiano: "Odomirinho!" Ele veio sem avisar! É assim que ele entra na vida da gente. Passamos três dias juntos. Sempre que vinha à Recife, ficava na nossa casa, mesmo sabendo que a hospedagem aqui é muito simples, mas era disso mesmo que ele gostava. Talvez, fosse uma lembrança de sua pobre e pequenina terra natal. Edwind nunca foi de escolher amizade por status social, pelo contrário, sua virtude maior era descobrir, em meio aos ambientes mais inusitados, a recôndita, simples e pura filosofia da vida. E por falar na musa do saber, seus conhecimentos da cultura grega e dos pensadores franceses e alemães era notável. Foi Edwind que abriu meus olhos para o pensamento de Arthur Schopenhauer e Nietzsche. Lia Aristóteles, e encontrava a razão para o mundo pós-moderno, na sabedoria clássica dos gregos. Mas, engana-se quem acha que estou falando de um professor universitário de filosofia. Não, Edwind era cirurgião-dentista! Uma exceção num mundo onde as pessoas se pegam interessadas apenas no trivial, na razão unilateral do conhecimento capitalista.

Hoje, ele se foi. A vida é um quase infinito abrir e fechar de portas. As mesmas que se abriram para que ele deixasse sua pequena Nicarágua e viesse pro nordeste do Brasil, que o conduziram pelo seu tortuoso, quase um passe de salsa, mas suave caminho, hoje se fecharam pela última vez. É o fim do baile, cabrón! Toda festa tem um fim. Valeu, Edwind! Eu estou triste, mas isso passa! Tenho certeza, amigo, que as recordações são fortes e boas! Trouxesses felicidade para o mundo! Agora, vives nas melhores lembranças! Saíste do baile pela porta da frente!

2 comentários:

JOSÉ RAFAEL MONTEIRO PESSOA disse...

Faz tempo que não desejo tanto dar um abraço em alguém. Acabei de sentir como se tivesse perdido um tio também. Cada palavra sua fora como se tivesse bebido e vivido cada instante. Lembrei de quando perdi meu grão-mestre (meu avô materno). Ele era o maior boêmio que já conheci. Pessoas assim, meu amigo, entram pela porta da frente em nossas vidas e nunca saem. Se cuida, brother. Um abraço muito forte pra vc.

Panina disse...

Bonita, bonita história... e finalizando, assim, com boas lembranças... Gostei também do "Uiááá!"