terça-feira, 28 de junho de 2011

Notas Sobre a Pobreza

Ontem, eu assisti a propaganda do Governo Federal: “num sei quantos milhões deixaram a pobreza. Nossa próxima meta é extirpar a miséria.” Assim, a miséria está colocada num patamar acima da pobreza, restando à segunda opção, o posto de maior flagelo da humanidade. É onde eu gostaria de questionar essa imagem desestimuladora da pobreza, que a meu ver, molda muitos comportamentos dentro da moral e da ética do povo brasileiro.

A Rússia, em linhas gerais, apresenta uma população mais pobre que a brasileira. Lá, 90% da riqueza do país, se encontra nas mão de apenas 3% da população. São magnatas, homens-fortes do gás e do petróleo, membros do governo e ex-poderosos da KGB. Mas, o cidadão-comum, este sofre pra sobreviver. Vou dar um exemplo que ocorreu comigo: morei na casa de uma família que constava de quatro membros, todos adultos, e que trabalhavam oito horas por dia para conseguirem se sustentar. E mesmo com todos trabalhando, comer carne era um luxo dedicado aos finais de semana. E não era maminha, ou picanha, mas linguiça e outras carnes menos nobres. O cogumelo fritado substituía a iguaria animal, pois era bem mais barato. Mas, numa sociedade mais pobre que a nossa, de acordo com as leis econômicas, a violência deveria ser maior, uma explosão de saques e de banditismo. Mas não, mesmo a Rússia sendo pobre, durante os três meses que estive lá, não fui assaltado, e mais, nunca escutei relatos de amigos ou de conhecidos que reclamariam a perda da carteira, do carro, do celular, do dinheiro sacado no banco. Quando íamos para um barzinho e bebíamos até às duas da manhã, eu oferecia para uma amiga o dinheiro para que pegasse um táxi, pois não seria seguro para uma jovem dama caminhar sozinha na rua, pela madrugada. Ela me retrucava: “ora, deixe disso, não tem perigo.” No Brasil, principalmente em Recife, não dá pra imaginar uma cena dessas.

Aliás, falando em cena, semana passada, enquanto estava preso no engarrafamento da Avenida Caxangá, presenciei a chegada de dois homens numa moto Titan 125 preta, à minha frente tinha um Fiat Uno, daqueles antigos, verde-escuro. O carro estava encurralado pelo engarrafamento e pela parada de ônibus do lado esquerdo. O motoqueiro ficou observando a situação e dando cobertura, enquanto seu comparsa desceu com um revólver preto, numa atitude rápida e agressiva, empurrou a arma contra a têmpora do motorista. Eu estava no fusca com a maioria dos meus pertences de valor: computador, mala com roupas e o próprio fusca. Não tenho muita coisa mesmo. O motoqueiro olhou para mim para se aperceber do meu comportamento, se eu estaria anotando a placa ou coisa parecida. Baixei a vista, ainda assustado pela possibilidade do segundo ataque, mas os bandidos fugiram na moto. Foi um minuto de respiração suspensa e adrenalina nas alturas. Mas, não é o assalto em si, o tema desta postagem, mas saber até que ponto a pobreza é motivação para o crime. Duvido que aqueles bandidos estivessem passando fome. O ladrão brasileiro rouba pra ostentar, pra demonstrar poder numa terra sem lei. Na sua favela, ele é o cara, manda e desmanda, e rouba pra ter mais, não pra suprir a necessidade alimentar. Ele rouba pra comprar droga ou uma camisa de marca, jamais para comprar feijão, por exemplo.

Aí entra um pensamento meu, que não é baseado em teorias ou pesquisas, o que pode até enfraquecer minha idéia, mas é a questão que o brasileiro tem vergonha da pobreza. Mesmo algumas pessoas mais pobres, gostam de ostentar certa imagem de importância, escamotear sua real situação. Na Rússia, as pessoas não tinham vergonha nenhuma em se assumirem pobres. Tive um rápido relacionamento com uma garota (só passei 3 meses lá) e a sua pobreza nunca foi motivo de vergonha, nem de empecilho, nem de qualquer obstáculo à sua nobreza de caráter. A miséria é deprimente, mas a pobreza chega a ser bonita em sua simplicidade. Conversando com meus amigos, Bebeto e Karuna, discutíamos sobre as aspirações financeiras para o futuro. Ter dinheiro para viajar é uma das maiores satisfações da vida, mas eu confessei pros meus amigos que tinha medo de ter muito dinheiro, porque a pobreza te mantém humilde, e este sentimento de humildade é uma das maiores riquezas espirituais possíveis. É lindo quando nos deparamos com uma pessoa muito rica, que não se envergonha de conviver com pobres, ajudar e participar de seu cotidiano. Mas, possuir uma grande quantidade de dinheiro, te deixa desconfiado dos que te rodeiam, te põe numa defensiva paranoia em relação às amizades e a sensação de poder experimentada pode, quase sempre, te levar à arrogância para com os irmãos.

Eu me considero pobre, mas tenho casa própria e um fusquinha, me divirto uma vez por semana, mas sou pobre. É preciso que haja a distinção entre a miséria e a pobreza, e que a segunda deixe de ser uma doença social ou um crime, e passe a ser enxergada com uma riqueza espiritual mais abrangente. Ser pobre é ter o básico. Mas, nosso mundo consumista quer nos empurrar para a catástrofe da competição, que coloca a pobreza no mais deplorável dos estados humanos, estimulando os homens a obter, a qualquer custo, a riqueza material dos seus semelhantes. O Brasil precisa ser, moralmente, repensado.

4 comentários:

Zé Cahue disse...

Véi, legal que o lugar onde tu ficaste não é violento, mas a Russia é imensa e acredito que haja muitas divergências socio-culturais-econômicas e diferents regiões do país. Conheço gente que já foi assaltada em grandes cidades russas e amigos russos que vivem em Moscou dizem que há bairros que não são flor que se cheire. Tudo depende da experiencia local. Estes amigos russos, quando foram ao Rio de Janeiro, ficaram pasmos porque andavam tranquilamente pela cidade e não foram assaltados, imaginavam o pior, sendo que no bairro deles em Moscou, já passaram por várias situações de violência urbana.

Dodô Fonseca disse...

Zé Cahue, vc tem certa razão. É o seguinte, se vc for das repúblicas do sul da Rússia, sua situação é bem mais complicada, com relação a segurança. Se for checheno ou daguestano, pior ainda. Bem, estive no Tartaristão, que tem muita gente da Ásia Central, e dizem ser perigoso por causa disso, mas viajei por Moscou e São Peter tb. Moscou tem mais de 10 milhões de habitantes e, certamente, tem lugares perigosos tb, mas a questão do assasssinato lá está muito ligada à máfia. Se vc deve, vc desaparece, é torturado e pode morrer, mas nalgum casebre escondido das vizinhanças. Não existe esse clima do cara puxar um revólver no meio da multidão e disparar seis, sete tiros contra um cara e deixar aquela mancha de sangue na calçada, isso é muito improvável mesmo, coisa que aqui em Recife é cotidiana.

Os russos também possuem mania de serem "valentões". Eu mesmo presenciei três brigas nas ruas e parques, eles dizem que faz parte da afamada Alma Russa. Mas, ao menos nas três brigas que assisti, quando um dos lutadores caíam no chão, o outro parava de bater. Conheci uns skinheads da torcida do CSKA e eles me falaram que é desmoralizante bater num homem caído. Enfim, violência tem em todo lugar, o que acho que falta aqui é um mínimo de respeito pelo semelhante que, ao meu ver, é agravado pelo capitalismo selvagem que corre em nossas veias públicas.

São impressões...

HVB disse...

O que nos falta, no mais das vezes, é educação e bom senso...

Zé Cahue disse...

Bom, neste ponto somos campeões mesmo, na violência "desmoralizadora"..

Mas além da violência da máfia, que já é antiga na Rússia, cresce muito por lá a xenofobia e agressões racistas.