segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Próxima Estação: Esperança

Tolstói inaugura o romance Anna Karênina dizendo que as famílias felizes se parecem entre si, enquanto as infelizes, cada uma o é à sua maneira. Pois bem, as grandes cidades se parecem demais umas com as outras: muito trânsito, corre-corre e a distância contratual da coletividade. Desembarquei em Moscou às 2 da madrugada do dia 18 de fevereiro. Fazia menos 24 graus. As ruas escorregadias por causa do gelo eram o primeiro obstáculo, o frio incendeava o rosto. Cheguei na casa das gentis Anna Voronkova e Cecília Rosas e fui imensamente bem tratado. Parti para o centro, sempre escorregando nas calçadas até chegar na Biblioteca Lênin. Adivinhem quem estava à porta? Ele mesmo, totalmente por acaso, me deparei com a estátua, imensa, de Dostoiévski. Subi no montante de neve para me aproximar da estátua do Mestre e, simbolicamente, escorreguei. Embora nas conversas coloquiais os russos não afirmem dar tanta importância aos clássicos da literatura, eles estão em todo lugar, como estátuas, estações de metrô, avenidas e museus. A companhia das anfitriãs, acrescidas de Ilona Elufimova e Nikita Kuldiushev, tornaram o passeio agradabilíssimo, apesar dos quase menos 30 graus. Hoje eu entendo o porque do aspecto espectral, fantasmagórico, de São Petersburgo nas novelas de Gógol e Dostoiévski: o frio deixa as luzes dos carros, dos postes e das casas borradas. Parece que estamos dentro de um sonho...

Nesse momento em que escrevo sâo 03:42 da madrugada, estou no trem que cruza a província de Vladímir. A paisagem é monótona, neve e árvores delgadas com as copas brancas. O maquinista disse que está fazendo menos 35 graus. Estou viajando no mais barato compartimento do trem, no último vagão. Num pequeno espaço existe uma família de homens (avô, filho e dois netos de aproximadamente 9 e 11 anos). Além deles, uma senhora com olhar triste e que não puxou conversa em momento algum. Quando disse que era brasileiro, o filho de 32 anos, à moda russa, encheu um copo de vodca, pegou um pedaço de pão preto, uma linguiça de bode e um dente de alho, e me ofereceu. Não pude negar, era um tratado de amizade, além do mais vamos passar ainda 20 horas nesse cubículo, dividido em seis camas, três beliches. Minha cama fica na parte de cima de um beliche e só cabe minhas malas. Por isso escrevo, mesmo após três viagens de avião, um dia agitado e congelado em Moscou, não consigo dormir por cima das malas. O espaço é realmente pequeno, menor do qualquer cozinha no Brasil.

Para mim, apesar desse “infortúnio”, está sendo a melhor parte da viagem. Ninguém aqui fala inglês e todos querem falar comigo, me escutar com meu sotaque diferente, saber o que estou indo fazer no Tartaristão... O trem é antigo, com todo o jeitão soviético: tudo parece ter ao menos quarenta anos de utilização. Está muito frio, de verdade. No meu netbook são 21:56, ainda está no horário da terra natal. No Brasil, em Recife, meus amigos estão partindo para alguma curtição pré-carnavalesca. Mas, me sinto tão entusiasmado que não há comparação. Estou cercado de pessoas muito simples, num cubículo, mas eles fazem questão de dividir suas comidas, histórias e explicar que aquilo é típico de tal lugar e falam de suas vidas, assim como nós, brasileiros.

No final do trem tem a área de fumantes e lá não tem aquecimento, faz um frio de congelar e endurecer o corpo. As paredes de metal, absorvem o frio que está lá fora, de forma que este cubículo, o derradeiro espaço do trem, parece muito mais um frigorífico do que uma área de fumantes. O limite tolerável é fumar um cigarro e sair. Há uma pequena janela, toda coberta de gelo, com a mão e o isqueiro faço um buraco no gelo e consigo visualizar a estrada que fica para trás. A lua cheia e a neve branca formam um cenário límpido, encantador. No meio da madrugada, sozinho, frequentei este lugar inóspito e hostil e eis que foi o lugar que mais gostei. A todo tempo trens carregados de vagões cheios de minerais e gás passam na direção contrária, em direção à Moscou. Os comunistas criaram uma organização ferroviária que a Rússia atual dificilmente conseguiria igualar. Os brasileiros socialistas criticam a União Soviética, mas se vissem a estrutura organizacional das ferrovias e os destinos que conseguem dar à suas riquezas minerais, toda a organização do país é da época do exército vermelho. Aliás, a Rússia querendo ser ocidental é a parte mais chata desse processo de conhecimento. A música pop russa, aquela que toca nas rádios, shoppings e bares, é insuportável.

Vou abandonar esta escrita, minhas costas já estão doendo. Todos estão dormindo no trem, em seus cubículos entupidos de gente e malas. Estou escrevendo da entrada do banheiro, o penúltimo cubículo deste último vagão, o último vocês já sabem qual é. Fico a imaginar os soldados russos partindo para a guerra, na época não tinham aquecedor no trem, a velocidade do trem faz com que o frio seja ainda maior. A bateria do netbook também está no fim, tenho tantas coisas pra dizer da viagem de trem, mas vou deixar pra outra ocasião. Estar entre as pessoas simples me faz feliz aqui, apesar das adversidades. Consigo conversar com eles. Em três horas bebendo vodca, petiscando e conhecendo a família que vive comigo no cubículo, aprendi mais russo do que um ano inteiro no Brasil. O melhor é que estou entendendo suas conversas e me fazendo entender. Depois eu conto mais.

Do Zvedanye, Brazilya!

5 comentários:

Dodô Fonseca disse...

aos poucos vou corrigindo os erros de portugues, escrevi numa correria danada isso, dentro do trem de madrugada. meu pc aqui na russia nao tem acento tb. pense!

Camila S. disse...

Apesar do frio todo que quase dá pra sentir daqui (nada que umas vodkas não ajudem a curar), parece muito excitante essa viagem!

Unknown disse...

aqui no trabalho, me segurando pra não chorar...

Luciana Cavalcanti disse...

\o/ Dodô, que orgulho de você, meu amigo! E tás escrevendo bem prakaralho, cada vez, mais!!! Então, a gente perdoa os escorregões no Português...

\o/

Abraço grande!

CONTATO disse...

dodo caba macho da peste. texto massa, va escrevendo que seus adimiradores aki tao lendo. realmente o segredo das viagens sao as pessoas que cruzam nosso caminho e o cenario das paisagens q elas fazem parte. abraço e muito calor humano. alohaaaaaaaa

JUCA>>>>>