Quando fazemos uma imagem de um povo que não conhecemos muito bem, caímos no risco de rotulá-lo erroneamente. Assim, muitos países ao redor do mundo imaginam que no Brasil só existe favelas e índios. Ou que todo norte-americano é viciado em televisão e McDonald´s, que todo africano é pobre e miserável, que os russos matam criancinhas ou que todo alemão é nazista. Não, pelo amor de Deus, isso foi uma brincadeira! Tenho certeza que meus amigos visitantes não pensam assim. A verdade é que quando pensamos em nação, nos vem à cabeça uma visão homogênea, onde todos falam a mesma língua, celebram o mesmo culto e defendem o mesmo princípio. Entretanto, dentro de uma nação, podemos encontrar diferentes correntes de pensamento, como democracia e totalitarismo, capitalismo e socialismo e etc. Dessa desconformidade, se houver uma acentuação, pode declinar numa guerra civil. Mas, acho que não é esse o caso de nossa conversa...
O escritor alemão Hermann Hesse é o centro dessa minha dissertação matinal. Nos últimos meses, vinha lendo seus escritos autobiográficos para relaxar os estudos para a seleção do mestrado e, muito me identifiquei com sua maneira de enxergar o mundo, sua visão que transcende as barreiras do nacional e tenta enxergar o estrangeiro como um aliado, respeitando suas tradições. A questão é que Hesse escrevia isso em 1920, após a primeira grande guerra e enquanto sua Alemanha mergulhava cegamente nas utopias ultranacionalistas. Nessa época, nosso escritor tinha acabado de lançar um artigo (primeiramente anônimo) em que professava a volta ao espírito nietzschiano, que a juventude alemã precisava redescobrir seu grande passado na figura daquele que tem o potencial (ainda hoje) de ser um ídolo da juventude: o escritor de Zaratustra. O nome do artigo é Zarathustras Wiederkehr, ou A Volta de Zaratustra, e tratava de um embate entre dois modelos de enxergar a nação alemã, de absorver sua tradição. Após escrever esse artigo, Hesse foi bombardeado, principalmente pela juventude universitária, que preferia o chumbo às nuvens. Vou deixar que o próprio Hesse separe esses duas correntes:
"Mas, por outro lado, como são tristes as mentalidades. Ou melhor, a falta de bom senso, de onde surgem esses ataques e essas cartas.
Por exemplo, um estudante de Halle escreve-me uma carta breve e, após ter externado o profundo e mortal desprezo seu e de seus companheiros, faz uma confissão: acaba citando os mesmos autores alemães aos quais se filia e que proclama serem seus modelos ou sua bandeira. São eles: Kant, Fichte, Hegel, Wagner e alguns outros...
Portanto, nada de Göethe, nem Hölderlin, nem Nietzsche, nem Grimm, nem Eichendorff. E dentre os músicos, nem Mozart, nem Bach, nem Schubert. Apenas Wagner! Poderá haver um mundo cultural mais reduzido, mais pobre, mais simples do que esse?"
Nessa carta do final de 1920, Hesse proclama uma outra possibilidade, uma contramão ao destino que seu país havia mergulhado. Ao meu ver, essa era uma das maiores riquezas de Hesse: a lucidez. Enquanto se acreditava que o espírito alemão estava na sistematização do pensamento, na organização nacional, na união bélica que conduziria ao crescimento do país, Hermann Hesse resolve mostrar uma outra Alemanha ao seu povo, uma tradição poética, bonita, um romantismo libertário. Já ouvi muitos estudantes de filosofia criticarem Nietzsche, chamando-o de poeta, mas não filósofo, porque não criara um sistema de pensamento. A não-sistematização do pensamento não poderia ser uma possiblidade para o estudo da filosofia? Não sei, não me sinto muito preparado para fornecer opiniões mais aprofundadas sobre essa seara. Queria apenas terminar essa postagem ressaltando o escritor Hermann Hesse que num período de cegueiras coletivas, conseguiu iluminar a paisagem trazendo aos seus conterrâneos uma nova perspectiva de admirar sua tradição cultural.
p.s.: os textos autobiográficos de Hesse se encontram no livro "Obstinação", que contém cartas e artigos de diferentes momentos de sua vida.
2 comentários:
é, realmente vc escreve de uma forma leve e suave, desliza a leitura, gostei bastante do exemplo de hess, tanto ja o li como tbm pelo q sei era um ativista inteligente, porem nao sabia de suas opinioes acerca de nitzsche, perfeito, segue um trecho do conseidero o grande poeta e profundo conhecedor das naturezas.
"Se o cristianismo tivesse razão em suas teses acerca de um Deus vingador, da pecaminosidade universal, da predestinação e do perigo de uma danação eterna, seria um indício de imbecialidade e falta de caráter não se tornar padre, apóstolo ou ermitã e trabalhar, com temor e tremor unicamente pela própria salvação; pois seria um absurdo perder assim o benefício eterno, em troca da comodidade temporal. Supondo que se creia realmente nessas coisas, o Cristão comum é uma figura deplorável, um ser que nãi sabe contar até três, e que, justamente por sua incapacidade mental, não mereceria ser punido tão duramente quanto promete o cristianismo." [Nitz...]
Boa Dodô!
Tá me dando orgulho ser seu amigo, heim!!!
Mago.
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