terça-feira, 4 de novembro de 2008

Luz de Inverno

O pastor e o Corcunda
O pastor e Jonas

Meus amigos e amigas, aquí na minha escrivaninha, possuo um caderno onde anoto as coisas que considero interessantes nos livros que leio, nos filmes que assito, numa palestra que escuto. Ao folhear essas páginas, dei-me com dois diálogos do filme Luz de Inverno do grandioso cineasta sueco Ingmar Bergman. Eu não compreendo muita coisa de fotografia, edição de imagens. Deus não me deu um dom artístico que fosse de grande valor, mas me deu sentidos capazes de admirar as grandiosidades e maravilhas realizadas pelos grandes homens. Esses homens tão admiráveis que conseguem se elevar da realidade cotidiana e encher de luzes fractais nossa triste caminhada.



Em Luz de Inverno um pastor encontra-se em profunda crise após a perda de sua esposa. Não reconhece Deus e ainda sim tem que guiar almas desesperadas para um caminho que não acredita, e pior, que sabe não existir. O pastor (Gunnar Björnstrand), ao final de uma de suas obrigações religiosas (culto), recebe a visita de Jonas (Max von Sydow), homem profundamente desenganado de sua missão na terra e da necessidade de viver.



Calma. Preciso de um intervalo na narrativa. Não posso passar pelos nomes de Gunnar Björnstrand e Max von Sydow sem deixar minha profunda reverência a esses atores, esses próceros espectros das mais belas imagens do cinema. Que perfeita sintonia! Vida eterna ao cavaleiro Antonius Block e seu escudeiro Jöns!


Esse desafortunado homem que deposita no pastor sua última esperança de conseguir achar uma nova razão para viver, uma flor azul romântica, um novo destino. Eis que esses homens desesperados vão colidir suas frustrações na sala do pastor, após a missa. A fala inicia-se com o pastor:

"_Percebe que erro monstruoso eu cometi? Um sacerdote ignorante, infeliz e ansioso. Fazia minhas preces para um Deus-eco... que me dava respostas agradáveis e bençãos tranquilizadoras.

Toda vez que confrontava Deus com questões reais, percebia... que ele se transformava em algo feio e revoltante.

Um Deus-aranha, um monstro.

Então, tentei colocá-lo a parte da vida... mantendo a imagem que tenho dele só para mim. A única pessoa a quem mostrei meu Deus foi minha esposa. Ela me apoiou, me incentivou e me ajudou. Tapou os buracos. Nossos sonhos.

_ Eu tenho que ir.

_ Não vá. Quero que entenda porque falo tanto de mim. Para que perceba o quanto sou infeliz. O coitado que...

_ Tenho que ir ou Karin ficará preocupada.

_ Fique um pouco mais. Vamos conversar com calma. Me pordoe por falar de forma tão confusa... Mas, de repente, isso tudo veio à tona.

Se Deus não existe... Isso realmente faria alguma diferença?

A vida se tornaria compreensível. Seria um alívio. E a morte seria a extinção da vida. O fim do corpo e do espírito. Crueldade, solidão e medo... todas essas coisas seriam claras e transparentes. O sofrimento é incompreensível, portanto não exige explicação.

Não existe um criador. Nenhum provedor da vida. Nenhum desígnio.


[Jonas sai em silêncio]


Deus... Por que me abandonaste?"



Após o tenso debate, Jonas se suicida. O pastor segue sua triste e covarde trajetória. Na outra cena que resolvi destacar, ele conversa com o corcunda que o ajuda nos trabalhos da Igreja. O corcunda inicia o diálogo:



"_ Uma vez lhe disse que minhas dores não me deixavam dormir à noite e me sugeriu que eu lesse.

_ Eu me lembro.

_ Para me destrair. Comecei a ler o Evangelho. Devo dizer que é um excelente sonífero... Pelo menos de vez em quando. Agora, estou na parte da Paixão de Cristo e as dores pararam. Por isso, pensei em discutir com o senhor. A Paixão de Cristo. Seu sofrimento. Não acha que é um equívoco enfatizar Seu sofrimento?

_ O que quer dizer?

_ Enfatizar a dor física. Não pode ter sido tão ruim. Posso parecer presunçoso... mas, humildemente digo... que sofrí tanta dor física quanto Jesus. E Seus sofrimentos foram breves. Duraram umas quatro horas, certo?

Sinto que ele sofreu muito mais em outro aspecto.

Talvez eu esteja errado.

Mas, pense em Getsêmani, pastor. Todos os discípulos de Cristo adormeceram. Eles não haviam entendido o sentido da última ceia. E quando os guardas chegaram, eles fugiram... e Pedro O negou. Cristo já conhecia seus discípulos há três anos. Eles conviviam dia e noite... mas nunca entenderam o que Ele pretendia. Eles O abandonaram, todos eles. Ele ficou totalmente sozinho. Isto deve ter sido um grande sofrimento. Perceber que ninguém o compreende. Ser abandonado quando precisa contar com alguém. Isto deve ser extremamente doloroso.

Mas, o pior ainda estava por vir. Quando Cristo foi pregado na cruz, em meio ao sofrimento... Ele gritou: 'Deus, meu Deus! _ Por que me abandonaste?' Ele gritou tão alto quanto podia. Ele achou que o Seu pai o havia abandonado. Achou que tudo que havia pregado era mentira.

Nos momentos que antecederam Sua morte, Cristo teve dúvidas. Certamente, aquele deve ter sido Seu pior sofrimento. Deus ficou em silêncio."







"Ser abandonado quando precisa contar com alguém." Esta também foi a falha do pastor. O corcunda tratou de lhe encriminar em sua culpa. Ao final, não existe justiça, apenas um incomensurável vale de tristeza. Também assim, Nietzsche classifica os homens ao dizer que o intelecto foi concedido para auxiliar o mais infeliz, delicado e perecível dos seres. Amigos, não neguemos uma palavra de motivação uns aos outros, nesse mundo cada vez mais agressor.


Saudações.

5 comentários:

Unknown disse...

oi dodô! tá massa o blog! e valeu pela indicação. beijo!

diogo luna disse...

que filme em dodô? passou todinho de novo na minha cabeça, enquanto relia aqui tuas letras.

Anônimo disse...

só tu mesmo meu caro, a tirar um sorriso no fim disso tudo. uma ode imaginária a ti...

Mariana Azevedo disse...

Mesmo sendo nós "o mais infeliz, delicado e perecível dos seres" como disse Nietzsche. É com gentes raras que como você, são dessa capacidade que demosntras ao final desse belo post que queremos ter o prazer de seguir seguindo...

Idiossincrasias disse...

Interessante isso...o que mais me marcou no filme foi tb o diálogo do deficiente com o pastor, qd ele falou do sofrimento de Jesus.