Reconhecidamente desconhecedor da música erudita em sua forma, embora apreciador dos seus estímulos sonoros, posso compreender que o movimento Allegro se diferencia do Adagio pela velocidade mais acelerada de execução dos músicos, por exemplo. Pois bem, escolhi esse movimento para dividir com vocês, leitores do blog, minha atual condição de euforia, júbilo e esperança. O novo ano é como uma primavera aguardada por longos meses de solidão. Sinto a chegada do frescor primaveril e do desabrochar de sua existência. Então, vamos celebrar a abertura de uma nova jornada!
Neste mês de fevereiro, mais precisamente no dia 14, estarei defendendo minha dissertação de mestrado, sob o título “A Cidade de São Petersburgo na Obra do Jovem Dostoiévski”, onde tratei do conflito entre a tradição idealista alemã, da literatura fantástica, com o recente fervor socialista baseado nas idéias francesas utópicas de Saint-Simon, Fourier e Proudhon, na literatura naturalista. Este confronto de idéias e de formas e estruturas literárias formularam um turbulento e agressivo choque de convicções na cabeça do jovem, intempestivo e promissor escritor. A dissertação, a meu ver, poderia ter ficado mais esmerada, mais alongada, mas esta necessidade de entregar no prazo é o maior obstáculo que todo estudante de pós-graduação encontra. Reconheço que haverão falhas, talvez em demasia, ausências. Mas, também tenho certeza que a execução desta obra se deu de maneira integral, com amor e dedicação. Ficar, às vezes mais de dez horas por dia, na companhia de Dostoiévski não é uma tarefa divertida ou gáudia, mas um exercício de amor à sua literatura e de respeito aos seus ensinamentos, embora discordemos de seu afã religioso. Tenho certeza que a defesa desta dissertação não será um ponto final na minha relação com o escritor, mas uma vírgula, rápida, na tomada de novas perspectivas.
Estudar um escritor estrangeiro sem conhecer sua língua materna de modo profundo, é uma deficiência que o pesquisador deve se imbuir em dissipar. Na língua original, o autor demonstra sua rudeza ou suavidade de seus personagens, aproxima-nos de seu cotidiano contextual através do uso da palavra. Há quase sete anos, tenho, lentamente, me aproximado deste universo linguístico da obra de Dostoiévski através dos meus estudos da língua russa com o auxílio da excelente professora Larissa Chevtchenko, aqui em Recife. Mas, sempre me faltou uma experiência de convivência com a língua, escutar diferentes vozes, gírias, dialetos, neologismos e provérbios. Aproximar-me mesmo do povo, estar lá, conhecer a cultura de perto, interferir e deixar-se impactar. Pois bem, essa hora chegou! No dia 17 de fevereiro, três dias após a defesa do mestrado, estarei viajando para a Rússia, para trabalhar durante quase três meses numa ONG internacional chamada AIESEC. Lá, junto com mais nove estudantes de
Estarei em breve me mudando para uma região de uma impressionante riqueza cultural. Não vou para Moscou ou São Petersburgo, metrópoles mundiais, mas para a cidade de Naberezhnye Chelny, na República do Tartaristão, o país dos tártaros. Quando meu avião desembarcar em Moscou (assim espero!), enfrentarei uma viagem de 22 horas de trem em direção ao oriente, ao leste, em direção aos Montes Urais, passarei pela antiga e importante cidade de Kazan, capital-mãe dos tártaros, e chegarei 250 km depois, a cidade de Chelny, com seus quase 600 mil habitantes, seis vezes menor do que Recife. Esta semana que passou, a temperatura alternou entre -22 e -12º celsius. Mas, para ser sincero, quero mesmo sentir este frio agressivo na pele. No seu conto Senhores e Servos, Lev Tolstói pinta de forma magistral a convivência do povo com o frio extremo e, ir na Rússia e não sentir o frio a machucar, queimar a pele, não seria a mesma coisa. Também preferi viajar de trem, mesmo sabendo que a viagem para Chelny de avião poderia durar apenas 1 hora e meia, eu ainda prefiro ver o país pelas brancas imagens que se afigurarão pela janela do rápido que me levará ao país dos tártaros. Quando partiu de Varsóvia para Petersburgo, o príncipe Míchkin via pela janela do trem essa mesma monótona paisagem gelada...
Mas, estar no Tartaristão será diferente de estar noutras regiões da Rússia. É uma região dividida entre a cultura muçulmana e o cristianismo ortodoxo, de um povo de etnia miscigenada, parte otomana, parte mongol e parte eslava. Dizem que dessa mistura, surgem as mais belas moças russas. Certas opiniões só poderei conferir de perto, ainda bem! Esta região é antiga, era território dos Búlgaros do Volga no século IX d.C. Este povo nada tem a ver com o atual país localizado no Mar Negro. Estarei no limite entre a placa européia e a placa asiática. Os Montes Urais são consequência desse encontro de placas tectônicas. Certamente, terei muitas histórias para contar e espero dividi-las com vocês, não como um diário de viagem ou um álbum de fotos, mas contar um pouco da História dessa região, dos lugares onde passarei, daquilo que julgar relevante.
Um comentário:
Se algum leitor-mecenas do blog quiser ajudar nessa viagem, agradeço desde já. Pois, o negócio tá russo!
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