Antônio Bonfim é um rapaz recém concursado da nossa cidade. Durante a vida toda, sobreviveu de mesada curta, se preocupava mais com a matemática do que a aparência. Seus pais moravam em Campina Grande. Tinha vindo para Recife fazer faculdade de Engenharia da Computação. Antônio era um rapaz de vinte e cinco anos e tinha acabado de passar num concurso para técnico de computação do Ministério Público. Ele que até então, vivia com o baixíssimo ordenado enviado com muito suor pelos pais, se via diante da independência. O que para a maioria dos homens se tornaria uma fortuna do destino, para Antônio representava um ligeiro embaraço, ao primeiro olhar.
Antônio estava muito longe de ser um rapaz fascinante. Era de estatura mediana, quase pequena. Seu porte físico não era magro por completo, porém chamava a atenção o jeito arqueado que se punha a andar. Talvez fruto das madrugadas que ficava acordado fazendo exercícios matemáticos no tempo em que freqüentava a Escola Técnica. Seu peito, ao contrário do padrão estufado dos nossos dias, parecia comprimir-se ao centro, murcho. Seu cabelo castanho não tinha brilho. Seu rosto demonstrava um desdém absoluto com relação à estética da sedução. Ele nunca tinha posado para aquelas fotos de sites de relacionamento dando aqueles sorrisos altaneiros. Seu sorriso era sempre tímido, pra dentro. Quase nunca achava um motivo pra se alegrar. Como vivia com pouco dinheiro, passava o dia em casa, de frente pro computador, jogando, estudando. Certa vez, conhecera uma moça nos corredores do prédio onde morava. Um prédio antigo, com apartamentos de um ou dois quartos, de aluguel barato. Estranhava o movimento de homens entrando e saindo no apartamento vizinho. Antônio se deu conta que sua vizinha era garota de programa. Uma vez por mês visitava-a. No começo, tentou freqüentar festas no Recife Antigo, mas sentia-se tão deslocado e diferente dos padrões da moda que decidira que o pouco dinheiro que restava com o lazer usaria de forma mais direta. Passou a visitar a casa de Shakira uma vez por mês. Ia no dia que ela tinha menos clientes, pois podia ficar mais tempo. Às vezes numa segunda ou terça-feira.
Dia desses, o primeiro salário de Antônio saiu. Ele foi ao centro da cidade comprar roupas, pois há quase um ano não adquiria peças novas. Além do mais, trabalhando cinco vezes por semana, teria que ter mais roupas do que habitualmente. Passou na frente de uma loja com vários jovens comprando roupas da moda: calças com rasgões alinhados e costuras bem transadas. Camisas cheias de números coloridos e desenhos de gostos duvidosos que vão de dragões cuspindo fogo às imagens de deuses indianos. Ao reparar-lo na entrada da loja, a vendedora se aproximou, fitou-o dos pés à cabeça. Ele estava como habitualmente: com um tênis branco meio surrado, uma calça coronha azul escura e uma camisa pólo que pelo modo encurvado como andava deixava uma mossa de ar no centro do seu peito. A vendedora desfez a cara de espanto - mais uma moça bonita que não gostava de estudar - e perguntou: “Oi amigo, vamos entrar na moda!?” Antônio olhou rapidamente os manequins e partiu da loja tão depressa quanto pudera. Sabia que aquele tipo de loja com muitos jovens descolados não serveria pra ele. Então, resolveu ir numa dessas grandes lojas que vendem todo tipo de roupas e sapatos, de maneira que rapidamente poderia se livrar do tormento de estar em contato com a opinião dos vendedores.
Antônio comprou quatro tênis, todos brancos, quatro calças jeans azuis e várias camisas pólo. Como suas pernas eram finas, todas as calças ficavam com espaços nas pernas, caberiam duas canelas dele ali. Dirigiu-se à parada de ônibus e tomou o ônibus para o subúrbio. Morava na zona oeste da cidade, perto da Universidade, de maneira que assim economizava as passagens caminhando até o centro de estudos. O ônibus quase vazio. Sentou-se ao seu lado uma senhorita vigorosa, bem-apessoada, uma moça que chama a atenção por onde quer que passe. Era relativamente alta - para Antônio era imensa - tinha os cabelos lisos e longos, castanhos, os olhos meio verdes, meio cor de mel. Usava uma calça jeans que se completava com seu corpo cheio, volumoso, viril. Usava uma sandalinha daquele tipo Melissa e uma blusinha que salientava seu busto bem delineado. Onde quer que ela passasse chamaria a atenção. Antônio percebeu-a quando tomou a direção da porta do ônibus. Pensou consigo: “Nossa, essa poderia estar na capa de uma revista!” Ela pagou a passagem e sem olhar pra ninguém se encaminhou na direção de Antônio. Sentou-se ao seu lado e permaneceu em silêncio por um bom período.
Antônio cheio de sacolas se espremia na cadeira para não incomodar a jovem dama. A moça ofereceu-se pra carregar uma ou duas sacolas. Quando ela começou a falar, Antônio percebeu que ela não era de Recife, seu sotaque era de alguma cidade do sul do Brasil. Antônio agradeceu e disse que podia carregar as sacolas sozinho. Antônio, decerto, não alimentava esperanças por aquela moça que deveria ser tão cobiçada. E sem o afã dos que tudo almejam, perguntou: “Você não é daqui também, né?” A moça disse que era de Curitiba. “_Ah!” E sem muito o que dizer, disse que era de Campina Grande. Também não ousou perguntar mais. A moça, para sua surpresa, puxou assunto: “E você estuda na Universidade também?” Antônio disse que estava terminando o curso de computação. Ficaram nessa conversa mole, até que resolveram se apresentar. Ela se chamava Ludmila Cesnauskas, curitibana, descendente de lituanos, estava fazendo mestrado em nutrição. Tudo aquilo soava tão excêntrico e fascinante. Mas, Antônio era feio e, ainda por cima, totalmente desalinhado. Desceram na mesma parada e se despediram. Ela morava no prédio vizinho ao dele. Antônio desviou logo o pensamento: “Ah, essas moças bonitas. Só me causariam problemas.”
Para sua imensa surpresa, no outro dia quando voltava do trabalho, o porteiro do prédio chamou-o e disse: “Antôim, uma bichona bonita, grandona, veio perguntar se tu morava aqui. Ludmila.” Disse que era uma amiga da faculdade. O coração do rapaz quase saltou pela boca. Subiu para o seu apartamento e ficou boa parte da noite a imaginar o que aquela mulher queria com ele. Conhecera-a no ônibus. Não sabia nem o que dizer. Antônio ficou tenso: “Que tipo de assunto vou falar com ela? Não entendo de cinema de arte, nem de mestres da pintura, nunca tive uma amiga mulher. Nunca tive amigos próximos!” Procurou sua vizinha, pediu para passar a noite lá. Era a única pessoa no mundo que o entendia. Pagaria pra ser o único cliente. Na casa dela, perfumada e colorida, sentia-se à vontade. Na cama, enquanto Shakira cochilava ao seu lado, começou a imaginar como seria a vida ao lado daquela deusa lituana.
As imagens que surgiam, torturavam-no mais do que o agraciavam. Se ela gostasse de ir à praia, exibir seu belo corpo, todos os homens ficariam a admirar-la, os mais assanhados soltariam gracejos para o namorado ridículo que ela tinha. E em todos os lugares, não teria paz. Possuir aquela bela jóia significaria protegê-la, coisa que ele não se sentia capaz de fazer. E toda a maravilha que se aproximou de seus olhos, todo arco-íris de possibilidades se acinzentava ante a muralha de sociabilidade que se apresentaria. Não, justo ele que sempre gostava de ficar sozinho, no seu cantinho, sem ser perturbado por ninguém, como um hamster. Essa idéia de ser um hamster o agradava. Quando precisasse ser um homem, Shakira seria a mulher. Quando ela ficasse velha, arranjaria outra e não teria problemas. “Sim, eu irei enlouquecer com a lituana!” No outro dia, pela manhã, o porteiro foi avisado que se aquela moça perguntasse por ele mais uma vez, dissesse que ele não morava ali mais. Antônio chegou, pontualmente, no horário de trabalho.
3 comentários:
É sempre um prazer. Incrível!
Galega:)
A auto-sabotagem da clarividência. Essas mentes matemáticas...
Fala mestre...ótimos contos...abração
Paulo Emilio
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