Nos últimos dias estive ausente da condição de blogueiro devido a uma viagem que fiz para a capital imperial do Brasil, a cidade do Rio de Janeiro. Quem lê uma manchete dessas deve pensar que estou muito bem de grana para estar passeando nas férias de julho, curtindo numa cidade cara como o Rio. Ah, mas apenas alguns sabem das dificuldades que enfrentei para que pudesse empreender tal viagem. Foi um tal de empresta daqui, pega isso alí, depois eu te pago e por ai vai. A passagem foi gratuita, a hospedagem também, fruto da gentileza de amigos cariocas que merecerão suas devidas honrarias adiante. Enfim, sai de Recife com 300 reais para passar 10 dias fora. Contando com um agravante que minha situação no banco não é das melhores, não teria como receber depósito na conta, portanto, teria que me virar com isso mesmo! Por outro lado, levei tudo o que fosse preciso para sobreviver, desde uma feirinha com biscoitos, leite, doces, passando por 8 litros de cachaça "meladinha" produzidas por mim em minha humilde residência. A situação era tão delicada que até a véspera da viagem oscilei entre a vontade de viajar e a segurança de estar em casa. Pois bem, tinha assuntos a resolver pelas bandas de lá, talvez a natureza quisesse que eu estivesse por lá, pois reservava-me algo especial. Enfim, eis-me no ônibus, atravessando as planícies e declives de nosso litoral pela BR-101.
Dois dias de viagem, banheiro de rodoviária, festinhas no ônibus, gritarias, hinos de louvor, pores do sol... Rio de Janeiro. O primeiro olhar foi de quase indiferença. Parecia que tudo já era bastante familiar, esforçava-me em achar tudo normal. Chegamos no Rio numa tarde de sábado, muito ressacados de viagem, fui recebidos pelos amigos cariocas Thiago Heise e Pedro Alô. Amigos que conheci nos ENEH´s anteriores e que mui prestativamente foram me receber na UFF para ajudarem-me a carregar minha bagagem. A casa onde ficaria a semana ficava há 5 minutos da universidade, caminhando. A despeito do cansaço, reselvemos sair naquela noite mesmo e o destino seria a Lapa, a velha lapa boêmia, imortalizada nas vozes de vários sambistas, especialmente na de Nélson Gonçalves, que meu pai ouvia naqueles discos de vinil quando eu era criança. Andamos bastante pelas ruas do centro, antes de cairmos numa festinha muito freak, uma festa muito parecida com as nossas daqui, num sobrado, com música de qualidade claudicante. Tudo era estranho aos meus olhos, apesar de ser tão familiar. Que contradição!
Segundo dia e eu fui pro Maracanã, assistir Flamengo x Botafogo. Fui pra torcida do Botafogo, lá na arquibancada. Quando entrei na arquibancada, me arrepiei com o tamanho do estádio. Fui um dos primeiros a adentrar no maior do mundo, achava que o jogo começaria às 16h, mas enganei-me, a peleja só se iniciaria às 18:30. Cheguei na bilheteria às 14:30 e comecei a caminhar pelas ruas do bairro, vários bares, gente conversando alto, pouca gente falando de futebol. Na verdade, nem parecia que estávamos nos momentos que antecedem um clássico dessa envergadura. Parei num boteco onde tinha muita gente de meia idade conversando calorosamente. Fiquei a espreitar a conversa. Ouvindo o sotaque carioca dos participantes, suas gozações. Os cariocas adoram zoar uns da cara dos outros. Se aproxiamava a hora do jogo. Paguei as três cervejas e me dirigi para o frio Maracanã. 16°C marcava o termômetro e eu vestido de bermuda e uma camisa da seleção francesa da copa de 86, manga curta. Que frio! Mas, o jogo foi quente! 2x2. O Botafogo entregou a vitória nos últimos minutos, coitado! O torcedor botafoguense é muito traumatizado. Quando o jogo tava 2x1 pro Fogão, eles tiveram duas chances de matar e fazer 3x1, mas a incompetência dos finalizadores deixava algo suspenso no ar: o Botafogo iria entregar! Os torcedores nervosos já pressentiam. Bola na área, o atacante do Flamengo ajeita e... pimba! Do meu lado, um senhor se levante e grita: "Puta que o pariu, esses filhos da puta toda vez entregam pro Flamengo!" Puxou o filho pelo braço e partiu para a saída. Do outro lado a torcida penta campeã brasileira gritava loucamente. Saí do estádio receoso de uma briga imensa entre as torcidas. Mas, que nada. Muito mais tranquilo que aqui no Recife. As torcidas passando uma pelo meio da outra, muitas crianças e mulheres, uma paz estranha. Dirigi-me pra Niterói pra curtir o que haveria de bom pelo encontro. Ah, ia me esquecendo, no domingo pela manhã apresentei meu trabalho que se encontra postado aqui no blog com o nome "O Milagre Secreto de Dostoievski".
Deixem-me falar da parte séria da viagem. No domingo, tinha que apresentar o trabalho às 9 da manhã, mas como tinha ido para a Lapa e chegado às 6 da manhã, só poderia cochilar 1 hora e meia antes de ir pra UFF (Universidade Federal Fluminense). Coloquei o despertador para me acordar às 07:30h. Acho que o despertador tocou e eu nem acordei. Quando abri o olho eram 09:50, tinha perdido minha apresentação. Bateu-me um desespero. Corri feito um louco, sem tomar banho, nem escovar os dentes, corri para a UFF, com a cara engilhada, voei pelas escadas e cheguei as 10:10 na sala de apresentação. Para minha sorte, pude apresentar meu trabalho depois de todo mundo. Ninguém se interessou em fazer perguntas, a não ser um namorado de uma moça carioca que tava apresentando que ao final, perguntou: "Desculpe-me a ignorância, sou estudante de engenharia. Mas, quem é esse tal de Dostoievski?" Na segunda-feira à noite teve a palestra com o professor Paulo Bezerra, o principal tradutor de Dostoievski da atualidade. Sempre cercado por vários alunos, não ousei interromper sua noite de autógrafos. Sua palestra foi muito interessante, na qual tentou explanar qual o terreno em que o tradutor deve trabalhar, até onde deve permanecer fiel à obra original, até onde vai seu processo de criação. Isso daria outra postagem. Na terça, fui a Sociedade Brasileira de Cultura Eslava, localizada na Lapa. Encontrei-me com a professora Sônia Branco da UFRJ que foi muitíssimo simpática comigo e lá pude encontrar outros estudantes de literatura russa. Fiquei entusiasmado naquele ambiente. Uma jovem que pesquisa sobre o teatro em Tchékhov. Depois uma palestra gratiuta sobre o mesmo Tchékhov, ministrada pelo professor, tradutor e escritor Rubens Figueiredo. Uma palestra riquíssima. Sai radiante daquele espaço. Minhas atividades intelectuais da semana se resumiram a esses três momentos: a apresentação do meu artigo, a palestra do professor Paulo Bezerra e o fim de tarde da Sociedade Brasileira de Cultura Eslava. Tá certo que poderia ter feito mais coisas, mas tudo em que me intrometi, teve a ver com minha pesquisa, sendo esses três momentos, muito importantes pra mim.
Numa viagem como essas, com o tempo cronometrado, não nos resta outra opção senão viver cada minutinho ao máximo e, foi assim, que tentei extrair essa experiência carioca. A quarta foi, aparentemente, o dia mais parado. Fui no MAC em Niterói, depois fui para a paradisíaca praia de Itacoatiara, com suas ondas perfeitas e visual arrebatador. Ah, meus amigos, quantas coisas deixamos de narrar. A experiência mais intensa da viagem não será narrada. Outras coisas bacanas ocorreram, como assistir o jogo do Náutico com o Botafogo na TV na quarta, comendo uma iguaria preparada pelo chef Pedro Emanuel e bebendo muito vinho no AP de Veridiana, namorada de Thiago. Subir o Morro do Fallet, foi uma experiência sociológica inesquecível. As festinhas na UFF com direito a muita loucura por parte dos encontristas.
Quero terminar essa postagem com mais dois momentos, pois já me alonguei bastante. A primeira foi visitar a Floresta da Tijuca. Três horas de trilha até que chegassemos ao Pico da Tijuca. Um local cheio de cachoeiras, riachos, ar puro, refrescante, um paraíso, legitimamente. Subimos exaustivamente até alcançarmos uma rocha. À partir dali, teríamos que subirmos agarrados a uma corrente de ferro da época de D. Pedro II, qualquer deslize, um abraço! O segredo seria não olhar pra trás, coisa nada fácil para um ser curioso como eu. O olhar tresloucadamente lisérgico, observava o Rio de Janeiro do alto. Lá em cima, as pernas tremiam. As nuvens passavam abaixo dos nossos pés, às vezes ficávamos dentro das nuvens! Quando uma clareira se abria no dia nublado, avistávamos o cenário da cidade quase inteiramente. Parecia que um mapa do Rio de Janeiro tinha se aberto aos nossos olhos. Nossos amigos cariocas, Pedro Alô e Pedro Emanuel, mostravam os bairros e favelas. O imperioso Maracanã, o maior do mundo, parecia uma tampinha de coca-cola no chão. Isso fazia minha pernas sacolejarem ainda mais. Sentei-me no chão pra me acalmar. A volta foi mais tensa, prometi não olhar pra outro lugar que não fosse a pedra e a corrente. Ufa! Enfim, terra firme e a descida. Anoitecia no parque e quem nos guiava de volta eram os vagalumes e o som das cachoeiras. Voltamos ao bairro da Tijuca e de lá, nossa maratona de volta para Niterói, com direito a um rasante de um avião sobre a barca que faz o trajeto entre a Praça XV e o centro de Nictheroy. Ao final do dia, tive a sensação que vivi um dos melhores dias da minha existência.
Chegara a última noite no Rio. O dinheiro rareava. Mas, como dito anteriormente, eu tinha levado vários litros de cachaça. Saímos para curtir a noite na Lapa, decididos a entrarmos numa festinha com clima de carnaval, muito samba e empolgação. Após uma longa pesquisa, descobrimos que a vibe seria irmos ao Teatro Odisséia. Pegamos o bondinho e fomos pra Santa Teresa, depois para a Lapa acompanhados pela garoa incessante. Ficamos bebendo num posto de gasolina na frente do Teatro Odisséia, entramos no show já no "brilho". Quando entramos a casa ainda estava vazia, mas o público ia chegando e o samba da banda Empolga às 9 ia temperando o caldo. Quando a festinha estava bombando, a vocalista da banda ia apresentando os músicos que eram aplaudidos com fervor. De repente, ela pede pra parar o show. O dono da casa de show toma o microfone e diz: "Atenção, pessoal fiquem calmos!" Pensei: "Fudeu, tá tendo tiroteio em algum lugar!" O cara continuou: "Está ocorrendo um pequeno incidente no posto de gasolina aqui na frente, o mais recomendável é que todo mundo venha pro fundo da casa, pois as paredes são antigas e seguras." Quando o segurança abriu a porta, uma fumaça preta tomava conta da rua. O posto de gasolina estava pegando fogo, iria explodia a qualquer momento. Gente sendo pisoteada, gitaria, desespero! As pessoas em dúvida se saíam do Teatro ou se ficavam para morrerem queimadas ali dentro feito um galeto esquecido na chapa.Os bombeiros habilmente domaram o fogo e a festa continuou até de manhã, empolgadíssima. Depois dessa experiência, minha visitação ao Rio poderia acabar.
Viajei preocupado com a violência do Rio, com a pouca grana, sem saber como o povo carioca se comporta em seu reduto. Enfim, cheio de dúvidas. Mas, ao final, só tenho a agradecer aos amigos com quem convivi na semana que passou: Thiago Heise, Pedro Alô, Léo, Pedro Emanuel, Veridiana, Gabi, além dos recifenses, Susana, Daniel e Camila. Infelizmente não pude encontrar Michele, Juliana Palmeira e Rodrigo Lamosa, mas tudo bem, fica para uma próxima. Meu chip do celular foi pro espaço no segundo dia de Rio de Janeiro, perdi toda a minha agenda telefônica, além do mais só entrei na net uma única vez nesse período pra passar meia horinha. Agradeço a todos que me receberam e foram atenciosos. Ao contrário do preconceito que se cria que o povo carioca é marrento e cabuloso, vi gente muito prestativa e educada, gente fina no melhor sentido da palavra. Não senti clima de assalto ou violência, o maior susto foi imaginar a Lapa ir pelos ares com a explosão do posto de gasolina. Quando estive andando pelas ruas de Niterói, comprei um livro das Viagens de Marco Polo no século XIII. Lá ele narra as impressões das cidades que visitava, assim também tento fazer, provavelmente com menos categoria, mas é inegável que o contraste causado pelo olhar de um estrangeiro sempre oferece um novo e prazeroso olhar sobre o local visitado. Obrigado Rio por ter me concedido uma das semanas mais prazerosas de minha vida. Alô Rio de Janeiro, aquele abraço!
3 comentários:
Hinos de louvor? Eu perdi essa parte, máRciaaaaaaaaa! hahahahaha! Seguramente, há muito o que agradecer pelo seu cuidado para que hinos não mais fossem cantados...! Pela atenção, sempre! Obrigada também, Dodôoo!
é isso ai, odomiro =D
caraca, bateu mó saudade do Rio, aê!
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