domingo, 31 de março de 2013
Sexta-Feira da Paixão
quinta-feira, 22 de novembro de 2012
Desrespeito no Morumbi
quarta-feira, 31 de outubro de 2012
Tempo de tolerância
E se tivesse morrido...
Que dia estúpido para se morrer.
quarta-feira, 23 de maio de 2012
O Assunto da Semana
quinta-feira, 26 de janeiro de 2012
O Quirguiz
Esse foi meu último dia no Tartaristão. Partindo da casa de Masha para a estação de trem, o tempo já era curto, mas Masha teve a ideia de que eu deveria comprar uma matriosha numa lojinha de souvenirs, pois em Kazan seria mais barato que em São Petersburgo. Estava um dia quente, uns 14 graus positivos, fazia sol e não tinha muitas nuvens no azul-claro tártaro. Compramos a matriosha e entrei no vagão da terceira classe (plazkard) com o trem já apitando a partida. Para minha sorte, o trem não estava lotado, das seis vagas da cabine, apenas três pessoas ocupavam: eu, um lutador de sambo (luta greco-romana) e um homem moreno, com a pele do rosto queimada do frio, olhos levemente puxados, era um quirguiz.
Cumprimentei meus companheiros de viagem, afinal passaríamos 25 horas e meia, juntos, no trecho entre Kazan e Peter. O trem partiu às dez da manhã e eu não comprara cigarros, minha carteira de Marlboro Light só tinha mais duas unidades. Perguntei se algum dos companheiros tinha isqueiro. O lutador de sambo não fumava e o quirguiz tinha fósforos, e foi me fazer companhia no último compartimento do trem, donde se pode ver a estrada ficando pra trás. Enquanto fumávamos, mostrei minha preocupação que após aquele cigarro, só teria o último. O quirguiz me mostrou uma carteira de cigarros muito barato, cheinha. Dentro de uma hora passei a me utilizar da sua carteira que, por cortesia, ele deixava em cima da sua mesa e me oferecia o tempo todo. O lutador de sambo pouco se comunicava, estava muito calado e pelas marcas no rosto, deveria ter lutado em Kazan dias atrás. Talvez tivera perdido a luta, estava com o rosto todo cortado. Não ousei perguntar muitas coisas, ele apenas disse que era de Tver e estava voltando pra casa, na cidade que fica no caminho entre Moscou e Petersburgo.
Novamente, fui fumar com o quirguiz e passamos a conversar longamente. Ele ficava muito feliz em conversar comigo, dizia que era a primeira vez que via um brasileiro. Era a primeira vez que eu conversava com alguém do Quirguistão também. Durante os três meses em que fiquei no Tartaristão, tive a oportunidade de conhecer muitas pessoas da Ásia Central: azeris, turcomenos, tadjiques e uzbeques, mas nenhum quirguiz. O Quirguistão é o mais pobre desses países pobres da Ásia Central. Ainda pagando o tributo de uma recente guerra civil, o país vive no caos, sendo habitado, em sua maioria, por mulheres, velhos e crianças, pois os homens adultos vão tentar a sorte noutros países, especialmente no vizinho Uzbequistão, um pouco mais organizado. Assim também acontecia com meu amigo, cujo nome diferente agora não me lembro, mas que deixou impressões fortes no meu espírito.
Como eu não tinha me preparado para a viagem, chegara em cima da hora, não tinha trazido lanches e, de início, tive que comprar o chá no próprio trem, por 12 rublos. Ao me ver pagar pelo chá, o quirguiz disse: não precisa, eu tenho bastante chá e pão preto, além de uns biscoitinhos doces. Eu prometi que tão breve o trem fizesse uma parada mais longa compraria tudo: chá, lanche e cigarro. Fomos fumar seu cigarro, pois o meu acabara. Era péssimo, tinha gosto de pólvora e era mais “quente” que o normal. O quirguiz me contou sua história: estava há três anos longe de casa, onde deixara esposa e três filhos numa aldeia e fora tentar a sorte em Bukhara, cidade uzbeque. Lá trabalhava como pedreiro, até que apareceu a chance de trabalhar como peão numa fábrica em Nizhnekamsk, perto de Naberezhnye Chelny, onde eu morei. A fábrica ia de mal a pior e já fazia três meses que ele não recebia salário. Com o pouco dinheiro que recebia na Rússia, sustentava a família no Quirguistão. Gastava muito dinheiro com ligações telefônicas pra falar com os filhos e esposa. Eu escutava seu relato emocionado. Mas, a emoção desses homens das montanhas da Ásia Central são diferentes das nossas. Eles nem pensam em chorar, embora seus corações fiquem trêmulos de saudade. Desde cedo aprendem a ser fortes. Agora, estava indo para São Petersburgo, onde um amigo prometera-lhe um novo emprego na construção civil. Ele me perguntou se eu sentia falta da minha família, no Brasil. Disse-lhe que sim, mas que os via todos os dias pelo Skype, sem pagar um copeque por isso. Ele arregalou os olhos! Expliquei-lhe que havia um programa de computador que permitia conversar com as pessoas, vendo as imagens, inclusive. Ele se interessou demais pelo assunto, anotou os nomes e disse que tão breve recebesse o salário, compraria um computador e enviaria para a família. Mas, depois ele se entristeceu novamente, pois na aldeia quirguiz ainda não tinha internet.
Ficamos conversando longamente, falei-lhe do Brasil, de como nosso país é bonito, mas pobre também. Ele me falava das montanhas e desertos de sua terra. Quando o trem parou numa cidade da Tchuváshia, comprei cigarros, dei um Marlboro pra o meu amigo e comprei comida para uns três dias de viagem. Logo o lutador de sambo entrou na conversa também, ele achava engraçado um brasileiro e um quirguiz conversando no mesmo vagão que ele, em russo, cheios de erros gramaticais. O lutador de sambo mostrou foto da namorada, falou da sua cidade, a famosa Tver, terra natal de Bakúnin e onde Dostoiévski viveu por seis meses, na volta da Sibéria. Às quatro da manhã, o lutador desceu em Tver, estava escuro ainda, eu via as luzes manchadas da cidade grande. Voltei a dormir. Quando acordei estava claro e o quirguiz estava na janela olhando a paisagem cheia de pântanos, lagos e rios. Era a certeza que estávamos chegando perto do destino, a capital de Pedro, o Grande. Quando o trem chegou ao destino final, tive vontade de abraça-lo, mas sabia que isso não seria correto para a cultura dele, apertei sua mão com força e desejei-lhe muita sorte na vida, saúde para si e sua família. As imagens do seu rosto, das nossas conversas, estão vivas em mim, e continuarei levando nas memórias daqueles meses inesquecíveis. Outro dia, caminhando perto da Praça Sennaya, na Avenida Staro Petergovskyi, observei um grupo de pessoas jogando futebol numa quadra, aproximei-me, disse que era brasileiro e gostaria de saber como poderia entrar pra jogar. Um quirguiz falou comigo, não era o mesmo do trem, mas disse: “ora, um brasileiro, você vai jogar no meu time na próxima partida!”
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
2011, The Magic Year.
Logicamente, nem todos os dias foram de segurança e felicidade, também não é isso o que almejo. Viver sem dor é não ter carne, e ainda não somos robôs. Perdi amigos em 2011, passei mais da metade do ano sem ter dinheiro para ir no cinema, tédio e enfado visitaram-me com frequência. Mas, o pulo do gato foi dado nesse ano que teima em avisar, ainda tenho dez dias.
No último reveillon, estava na casa da família Perez, dos meus amigos-irmãos, Tiago e Hugo, quando à virada do calendário, pus-me a atacar os sonhos. Diante do mar quente de Itamaracá, decidi que iria viajar e que iria tentar a seleção de algum doutorado nalguma universidade brasileira. Eu que há tantos anos sonhava nas páginas de Tolstói e Dostoiévski, um dia sentir o cheiro da terra russa, tocar sua neve, escutar suas vozes, mesmo que por ecos distantes. Decidi-me que iria viajar para a terra dos meus escritores favoritos, nem que para isso vendesse tudo o que eu tivesse, e passasse quinze dias no inverno de Moscou. Quis o destino estar ao meu lado. Encontrei uma ONG chamada AIESEC que me levou, não pra sonhada Moscou, mas para uma cidade desconhecida do Tartaristão, onde vivi dois meses e meio de uma lua de mel única. Ainda passei quinze dias a percorrer as outras cidades que mais desejava, entre elas, a mítica Novgorod e a desejada Petersburgo. A Rússia foi um capítulo de páginas infindáveis de um livro que, com fé no destino, será reeditado.
Deixei, a contragosto, a terra que me abraçara de maneira maternal. Em quase três meses, a Rússia tinha me dado duas oportunidades de emprego, amizades, uma paixão abrasadora, lembranças inesquecíveis. Mas, por um capricho burocrático, tinha que voltar a Recife, onde não teria emprego, nem motivação. Passei um mês de ressaca. Até que resolvi procurar uma professora em São Paulo que nunca me negava orientação nos estudos. Falei que tinha um projeto para trabalhar o niilismo na obra de Dostoiévski. Meio sem acreditar, tentei a seleção do doutorado da USP, justamente no departamento que mais sonhava, o de Língua e Cultura Russa. Após quase dois meses de ansiedade, o resultado me foi positivo. Agora aguardo o momento da nova mudança.
Também foi o ano de vestir a camisa do tempo. Os trinta anos me caíram nos ombros, com aquela necessidade de solidez, montada no impetuoso fulgor dos vinte anos. Cada dia que passa, gosto mais de ficar em casa, com meus livros e minhas ríspidas inquietudes. O desejo de estabilidade ronda o cotidiano.
Pelos dois objetivos alcançados, e narrados anteriormente, o ano já teria sido magnífico. Mas, a vida nos reserva outras surpresas: a convivência com meus velhos pais e os pequerrotos sobrinhos, a boa defesa da dissertação do mestrado, a subida do Náutico de divisão, a presença afável de quem se aproximam nas asas metálicas de um avião... 2011 me cochicha, na surdina, que Deus fez o mundo em sete dias, por que não viver os próximos dez?
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
O Bom Momento do Futebol Russo
Nos últimos dias, estive a pensar em criar um blogue que falasse somente sobre o futebol russo. Pra quem acompanha este pequeno terreno virtual sabe que todos os caminhos conduzem às estepes russas. Aproveitando o bom momento vivido pelos clubes russos e por sua seleção nacional, pensei: "Por que não criar um blogue?" Um pequeno projeto para janeiro, se o destino aprouver. Mas, vamos ao que interessa! O que me motivou mesmo a escrever sobre o futebol russo foi a passagem dos seus quatro times às fases decisivas das competições europeias. Pela Liga dos Campeões, CSKA e Zenit (ambos ex-campeões da antiga Copa da UEFA na década de 2000) se classificaram para as oitavas de final da Champions. Pela Liga Europa (antiga Copa da UEFA, os tártaros do Rubin e os moscovitas do Lokomotiv, também garantiram ingresso nas fases decisivas.
Certa vez, um torcedor do Arsenal, ao protestar contra a compra de parte do patrimônio do clube pelos empresários norte-americanos reclamou com uma frase que simboliza a era super profissional do esporte bretão: "Antigamente, era futebol e um pouco de dinheiro. Hoje é dinheiro e um pouco de futebol." Sábias palavras do torcedor inglês. Ainda na década de 1980, clubes podiam despontar no cenário mundial, com os brios de atletas regionais e fazerem a fama épica de sua labuta futebolística. O escocês Aberdeen foi campeão da Recopa em 1983 com um time formado por jogadores escoceses da região, liderados por Sir Alex Ferguson, batendo o todo poderoso Real Madrid. O Nottingam Forest foi campeão da Liga dos Campeões em 1979 da mesma forma. E outros exemplos existem da época do futebol romântico. Hoje, sem o apoio financeiro, fica difícil ter um campeonato nacional forte e equipes se destacando em competições continentais. O futebol russo entrou de cabeça na era dos mega-negócios esportivos. Os principais patrocinadores dos times russos são empresas de extração de petróleo e gás: Lukoil, Gazprom, Bashneft, além de outras multinacionais.
O Campeonato Russo está parado, devido às nevascas do período e só deve retornar no final de março, começo de abril. Quem lidera o campeonato é o forte time do Zenit, aquele que menos oscila. O Zenit dispõe de vários jogadores internacionais (os portugueses Dani e Bruno Alves, o sérvio Lazovic e o belga Lombaerts, são alguns exemplos), mas também tem vários jogadores russos de qualidade, destacando-se o centroavante de área, Bukhárov, atual centroavante da seleção russa, com todos os méritos, pois tem jogado melhor que a pseudo-estrela do Tottenham, Pavliuchenko. O Zenit também conta com o caldeirão do Estádio Kirov, localizado às margens do Golfo da Finlândia, em São Petersburgo. A equipe é treinada pelo italiano Luciano Spaletti.
Outro time russo muito forte e que está em segundo lugar no campeonato russo é o CSKA. Confesso que o time que mais simpatizo, além do Rubin. O CSKA é um time muito bem arrumado taticamente pelo treinador Leonid Slutsky. A base do time é toda russa, começando pelo goleiro titular da seleção, Akinfeev. A zaga conta com o titularíssimo da seleção,, Ignashevich, e os irmãos Vitali e Alexei Berezutsky. No meio de campo, a experiência de Aldonin, além das promessas Mamaev e Dzagoev, ambos vistos como o futuro meio-de-campo da seleção. No ataque, o excelente marfinense Doumbia e o nosso conhecido Vágner Love. O CSKA, clube que desde a década de 1930 já recebia jogadores negros em seus elencos, parece ter uma torcida mais tolerante num mundo que ainda sofre com preconceitos raciais ridículos.
O terceiro clube que analisamos é o Lokomotiv, detentor da terceira maior torcida de Moscou, um time irregular, embora tenha um excelente elenco, onde se destacam, no ataque, o experiente Sychev, ídolo maior do clube, o excelente equatoriano Caicedo, além do meia esquerdo Torbinsky, da seleção nacional. O Loko carece de uma boa sequência de vitórias pra merecer brigar pelo título desta temporada.
O quarto clube que analisamos é o Rubin Kazan, campeão russo em 2009, faz uma campanha regular este ano, embora também possua um brilhante elenco, onde se destacam o turco Karadeniz, o equtoriano Noboa, o atacante paraguaio Valdés e o africano Martins (ex-Inter de Milão). A grande decepção do time kazanense fica por conta do brasileiro Carlos Eduardo, ex-Grêmio, contratado junto ao Hoffenhein da Alemanha por nada menos que 20 milhões de euros e que quando não está machucado, não merece a titularidade. O Rubin está apenas em quinto no Campeonato Russo.
Os quatro times acima analisados são os que conseguiram vagas nas próximas fases das competições européias. Deles, o CSKA tem a missão mais difícil: enfrentará o Real Madrid. Mas, creio que uma boa partida no Estádio Luzhniki, pode dar chances aos krasnyi-sinyi moscovitas na partida de volta na capital espanhola. O Zenit enfrentará o Benfica, numa batalha, ao meu ver, sem favoritos. E como o Zenit é o mais estável dos times russos, confio que possa brigar ferrenhamente pela vaga nas quartas. Pela Liga Europa, o Rubin Kazan vai enfrentar o Olimpiacos da Grécia. Missão difícil, mas também não antevejo favoritos. Já o Lokomotiv enfrentará os bascos do Athletic Bilbao, uma equipe sempre difícil de ser batida, mas como disse anteriormente, o maior problema do Lokomotiv é a instibalidade, joga partidas boas e ruins de uma semana para a outra.
Deixo para uma outra postagem, as análises dos outros times russos, como o Spartak Moscou, clube de maior torcida do país, além do Dinamo Moscou, e da nova estrelas do business esportivo, o daguestano Anzhi Makhachkala. Quem sabe eu crio o blogue e posso falar, inclusive, da segunda divisão russa, donde tive a oportunidade de assistir dois jogos na casa do Kamaz, em Naberezhnye Chelny. Desejo boa sorte aos times russos, com especial ênfase ao CSKA e o Rubin, embora reconheça que a missão do rubro-azul de Moscou seja dificílima.
quinta-feira, 10 de novembro de 2011
Recordação do Pôr do Sol no Monastério de Hayfa
Era noite de primavera naquele monastério distante, fronteira do Tartaristão com o místico Estado de Mari-El. O sol, numa ignorância poética, já havia partido rumo ao ocidente, restava apenas sua tinta dourada no céu azul. Um sino tocava de forma espaçada, fazendo concorrência aos salves sibilíticos dos pássaros. Ao redor, tudo era perfeita harmonia: a floresta, o lago com uma finíssima camada de gelo ao longe, quase ninguém.
Caminhando pelo bosque atrás da catedral ortodoxa lembrava da minha infância, de uma inocência perdida lá dentro da carne humana. Estava distante de casa, mas tão próximo da perfeição. O silêncio me invadia a alma, enquanto traçava uma analogia entre a vida e o crepúsculo. Não seria nossa passagem pela Terra, um melancólico, curto e esplendoroso pôr do sol?
De alguma maneira, gostaria de preservar aquela paz comigo. Mas, o tempo marchava e as trevas avançavam rumo ao ocidente na sua batalha campal diária. Também em mim, a noite retomaria seu espaço. Estava na hora de voltar à Kazan.
Alguns meses se passaram, oscilantes dicotomias de luz entre diferentes interpretações daquele pôr do sol. Um pequeno quadro do monastério de Hayfa, quase todos os dias esquecido na parede, trouxe-me a plácida reflexão daquela quase perfeição esquecida.
segunda-feira, 17 de outubro de 2011
O Coração dos Aflitos
O Náutico abandonará sua casa, o Estádio Eládio de Barros Carvalho, popularmente conhecido como Aflitos, nome do bairro onde se situa o clube, que por sua vez, possui este nome graças à capela de Nossa Senhora dos Aflitos. Dirigentes ávidos por mudanças assinarão um contrato em que o Náutico alugará o terreno do estádio para que construam algo rentável (um shopping, edifícios empresariais...) para as construtoras. Em troca do aluguel, terá uma renda mensal vantajosa para os padrões atuais, receberá a Arena da Copa (um estádio nos moldes mais modernos), melhorias estruturais no Centro de Treinamento da Guabiraba e a possibilidade de se tornar independente financeiramente.
As vantagens parecem incontestes do ponto de vista econômico. Mas, “quando a esmola é demais, o santo desconfia”, e alguns fatores me deixam escaldado. O primeiro foi a rapidez em se resolver pela venda do estádio. Entre o surgimento da notícia, a votação pelos conselheiros e a assinatura do contrato, não teve o intervalo de três meses, sequer. Um, dois, três e pimba! Não houve uma pesquisa entre os amantes do clube, uma enquete séria com as grandes mídias, uma urna na entrada dos sócios para pedir-lhes a opinião. Mal os torcedores discutiam nos bares ao redor do estádio, a notícia já estava pronta, com as “vantagens” supracitadas.
Entretanto, assim como na reprodução do cotidiano, os sentimentos são esmagados pelos números convincentes do discurso econômico. Ufanam os entusiastas: “virão títulos, modernidade, seremos a maior força do Nordeste...” Mas, se esquecem que o maior patrimônio de um clube é a torcida. A relação do Náutico com seu (ainda) atual estádio é visceral. O Estádio dos Aflitos foi o palco do hexacampeonato; da mais dolorosa derrota da nossa história, a umbrática Batalha contra o Grêmio; é, acima de tudo, o caldeirão que faz a diferença nos últimos anos pró-Náutico (vide sermos o único clube invicto das duas principais divisões em seu mando). É o teatro lato sensu, onde se ri e se chora.
O Náutico não possui a maior torcida da capital, perdemos em números para o Santa Cruz e o Sport, porém a presença da comunidade em um estádio central como os Aflitos mostra à cidade a presença da nação alvirrubra. Os Aflitos deram visibilidade ao Náutico, pois quando o time joga em seu reduto, mesmo quem não gosta de futebol sabe: hoje o Timbu tá na área. Sem demérito à cidade de São Lourenço da Mata, o novo estádio dificultará o acesso de quem mora em cidades como Olinda, Paulista e Jaboatão, por exemplo. Sem contar que nos jogos que acabariam à meia-noite, seria perigoso pegar a BR-232 e voltar pra casa. Além do mais, essa conversa que "vamos construir isso e aquilo pra facilitar o acesso", fica ao gosto de quem acredita em promessas políticas.
Em suma, corremos o risco de termos uma Arena vazia, que satisfará uma minoria obsequiosa por dinheiro, em oposição ao legítimo sentimento da torcida de perda da identidade. O que me incomoda nesse processo relâmpago é a velocidade como a negociação foi conduzida. Por que não se maturou um pouco mais sobre o tema? Por que não fizeram uma pesquisa com torcedores em dias de jogos? Será que ainda há tempo de conter o irremediável? A cidade continua crescendo, atropelando a história e as afetividades, em nome da glória mercadológica. Há de se endurecer a alma um pouco a cada dia para se adaptar às necessidades do mundo descartável.
segunda-feira, 26 de setembro de 2011
Valeu, Edwind!
sábado, 20 de agosto de 2011
Liberdade é Desespero
terça-feira, 2 de agosto de 2011
A Viagem
Irineu estava inquieto. Desde ontem não encontrava descanso em seu pensamento, e este estado caótico de suas faculdades mentais, coincidiam, quase sempre, com os momentos que se seguiam a uma viagem de avião. Não sabia por que, mas antes de cada viagem, fazia questão de deixar as contas em dia, não queria deixar nada atravessado. Ia viajar de Recife para Petrolina, apenas uma hora, mas mesmo assim, o angustiava a possibilidade de deixar o mundo num acidente aéreo e as coisas não ficarem claras pra si próprio. Como sempre acontecia nas vésperas das viagens, Irineu repousou na questão de Deus.
Era ateu, mas não convicto. O milagre nunca se apresentara pra ele. Levava uma vida sem muitas turbulências, embora fosse professor de literatura, e as leituras clássicas de Poe e Lord Byron sempre o deixavam num estado de perturbação e de investigação sobrenaturais constantes. Então, Irineu passou a se questionar sobre a existência ou não de Deus, discussão que sempre que podia, evitava. “Ora, não tenho conhecimento suficiente, além do mais o universo é indefinido para o homem, não hei de me atormentar com isso.” E assim, sempre desviava da questão central da existência. Mas, estava às vésperas de mais uma viagem de avião, e como sempre, não queria “morrer” deixando dívidas com sua consciência.
Passou a desenvolver uma questão que o entreteu por muito tempo antes de dormir. Imaginou que todos os que creem, retornariam para uma nova vida, algo como o Eterno Retorno de Platão e Nietzsche. Assim, se um egípcio cria em Alá, ao morrer, em algum momento, voltaria, mesmo que na outra vida, viesse a ser cristão, budista ou ateu. A fé seria o passaporte para o retorno. Até o dia em que o homem, alimentado pela razão, atingiria o ateísmo e assim, ao morrer, encontraria, finalmente, o sossego da não-existência. Envolvido nesta idéia, relembrou do conceito de Santo Agostinho de distentio ameni, e que o tempo estaria apreendido em seu espírito e deste modo, com a morte de Deus dentro de si, já não haveria espírito e o ateu encontraria o repouso sem eternidade. Assim, neste divertimento de mediana intelectualidade, adormeceu.
O voo estava marcado para as seis da manhã, partindo do Aeroporto Internacional Gilberto Freyre. Irineu tomou seu assento no avião bimotor, havia espaço para 24 pessoas e restavam, talvez, duas ou três vagas, apenas. Ao seu lado, sentou-se uma senhora de uns 60 anos, bem vestida. Não travaram conhecimento, talvez um leve aceno de cabeça, quando ela conferiu o número da poltrona e o lugar vizinho ao seu. O avião correu na pista, levantou voo. Mas, não pegava muita altura e tremia bastante. O piloto disse que estava com problemas e ia tentar retornar. Um alarido foi ouvido dentro do pássaro prateado. Ao seu lado, a mulher começara a rezar: “Meu Deus, nos ajude. Ó Senhor, tenha piedade de nós!” As pessoas gritavam, em pânico, enquanto avião passava raspando entre os prédios do bairro de Boa Viagem, tremendo. O pânico se instalara. A mulher tentou se agarrar às suas mãos, abalada, já com lágrimas nos olhos. Irineu pensou em rezar, ou talvez pedir o tão aguardado milagre. Mas, lembrou-se de sua teoria, e num átimo, baixou a cabeça, esqueceu-se da velha e mergulhou na escuridão.