quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Futebol do Nordeste

Ontem à noite desloquei-me da minha humilde residência para um barzinho perto de casa na intenção de acompanhar o jogo decisivo entre Botafogo FR e C Náutico Capibaribe pelo Campeonato Brasileiro de Futebol Profissional. Voltei pra casa irado, colérico e furioso com o árbitro gaúcho Leonardo Gaciba. O cidadão em questão garfou o clube pernambucano desde o começo do jogo: deixou de expulsar o goleiro do Botafogo, anulou um gol legal, marcou um penalty para o Botafogo, sem contar as faltas inexpressivas. Bem, não recorri ao blog pra chorar as dores de uma derrota futebolística, mas para levantar uma questão que, ao meu ver, diz respeito a todos os times de futebol da região nordeste: a decadência deste esporte na nossa região.

Náutico e Sport estão lutando de forma desesperadora para permanecerem na série A, contando com arbitragens bizonhas, tendenciosas mesmo, com quotas financeiras bastante humildes em relação aos times do eixo sul-sudeste, desprezo das mídias nacionais, entre outros fatores que dificultam nossa participação. Ou seja, dos únicos três times do nordeste que participam da série A, dois correm riscos seríssimos de serem rebaixados. Pela série B, o caso é ainda mais grave! Os quatro times que se encontram na zona de rebaixamento são da região nordeste, de maneira que, de todo jeito, pelo menos três times da região serão relegados à série C, entre os que disputam ferrenhamente contra a despromoção estão grandes equipes como Bahia e Fortaleza. Na série C, comendo o pão que o diabo amassou, está o Paysandu, outrora grande respresentante da região norte no futebol brasileiro. O que dizer do seu maior rival, o Clube do Remo? Este último, nem para a série D se classificou! Mas, o caso que mais chama a atenção é o do Santa Cruz FC. O tricolor do Arruda possui a maior média de público de todos os times do Brasil e não conseguiu passar da primeira fase da Série D. Desde o mês de agosto, o "santinha" não realiza uma partida oficial, limitando-se a jogar contra a Usina Catende e outros times do mesmo porte, com todo o respeito à cidade de Catende. O futebol da nossa região está, indiscutivelmente, em crise. Vocês concordam comigo ou estou falando uma inverdade?

Não passamos de mero coadjuvantes do futebol paulista, carioca, mineiro e gaúcho. Fazemos das tripas o coração para estarmos alí, participando daquela festa em que não somos bem-vindos. Somos penetras de uma solenidade que não foi feita para nós: matutos, ignorantes, irascíveis, bruta-montes, analfabetos do nordeste. Sempre que a imprensa do sudeste se remete aos nossos estádios e torcedores, falam como se fossemos uma horda magyar capaz de macularmos a grandiosidade do espetáculo feito apenas para eles. Ano passado, quando o Sport venceu a Copa do Brasil, a torcida rubro-negra da Praça da Bandeira sofreu diversos tipos de preconceito por parte da imprensa que se questionava se era seguro jogar naquele estádio onde a torcida gritava loucamente intimidando os jogadores sulistas. Será que os cangaceiros do nordeste vão invadir o campo e matarem nossos atletas?

Para mim, existe uma saída viável, cristalina e lucrativa para buscarmos nossa independência e identidade futebolística: é o Campeonato do Nordeste. A última edição deste Campeonato ocorreu em 2002 e foi um imenso sucesso, com grandes bilheterias, patrocinadores, motivação da imprensa local e grande rivalidade entre os clubes da região. O que falta, ao meu ver, para o Campeonato do Nordeste se constituir numa grande vantagem para os clubes locais é um passaporte para uma grande competição. É hora dos governadores do nordeste se unirem e requererem uma vaga para o campeão do Campeonato do Nordeste na Libertadores e duas vagas para o segundo e o terceiro colocado, respecivamente, na Copa Sulamericana. Com essas premiações, o Campeonato se tornaria incrivelmente viável. Pois, ao invés de um time do nordeste jogar a Libertadores de vinte em vinte anos, estaríamos lá todo ano, representados seja por Sport, Náutico, Santa Cruz, Bahia, Vitória, Ceará, ABC... grandes torcidas teriam grandes motivações para acompanharem seus times. Nossa região tem bons jogadores, bons técnicos, grandiosa platéia. O que falta para que consigamos a independência desse conluio que é Campeonato Brasileiro? Os times da nossa região enfrentariam os times do sul e sudeste pela Copa do Brasil que é, sim, uma competição democrática. Também enfrentaríamos os grandes times do sul e sudeste nas competições continentais. O Campeonato do Nordeste teria 7 meses de duração, com primeira e segunda divisão. Os campeonatos estaduais continuariam, a Copa do Brasil também. Ficaríamos livres de juízes mal-intencionados e imprensa bairrista. Essa é a solução que proponho, humildemente, através do meu blog. Até quando precisaremos do sul e sudeste para taxar o valor de nossa cultura e tradição?! Quem está comigo?

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Batalia Bob Junior

Caramba, escrevi uma mega resenha sobre o álbum de Batalia Bob Junior e, sem querer, acabei apagando. O pior que estou numa semana muito corrida, são 23:09 e estou bêbado de sono. Mas, como um herói epopéico, ultrapassarei os limites carnais e vou postar sobre esse disco que tem uma mistura de macumba, samba e jazz, sensacional. De onde é esse cara? Cabo Verde? Angola? Bahia? Não sei, só sei que ele canta em português(?!). O sotaque dele é muito doido, o disco foi gravado em Paris em 1972 e não consigo achar quase nenhuma informação sobre esse disco no mundo virtual, exceto as que já repassei. No LastFM, sou o único ouvinte desse grande artista! Vocês sabem o que é LastFM? É um orkut de música (mais um!). Quem tiver e quiser me adicionar, aí vai meu link: (http://www.lastfm.com.br/user/dodofonseca). Falei em epopéia há pouco, só penso nisso! Há um mês que minha vida gira em torno da literatura épica, retórica clássica, semiotização literária. Poderia postar esse disco amanhã, fazer um texto cheio de floreios, mas se me adianto a escrever essa simplória resenha é porque tenho medo. Sim, tenho muito medo, meus amigos. Medo de mergulhar no mundo dos sonhos e ficar aprisionado por lá que nem o personagem de Waking Life. Para onde vão os sonhos quando nós acordamos e não recordamos mais do que uma neblina de lembranças? Será que vão para o mesmo vácuo indecifrável pra onde o antigo texto de Batalia Bob Junior foi? Coitado do antigo texto, tão medíocre, vagando por um suposição perdida. Meu Deus, relendo tudo o que escrevi, não disse nada com nada. Perdoem-me, mas isso sou eu, também. Mas, é isso, quero postar sobre esse disco aí. É uma macumba massa! "No mar eu encontro o peixinho..."


P.S.: Bebeto, você pediu uma postagem musical, lembras? Não é a 1812 de Tchaikovsky, mas é parecido! Tô me sentindo que nem Presto da Caverna do Dragão. Mais pedidos?

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O Dia do Professor

Quem inventou de colocar o dia dos professores no dia 15 de outubro, exatamente na metade do mês, quando o homenageado já não dispõe de quase nenhum recurso financeiro para formosear-se com seus confrades nesta data comemorativa? Talvez por isso as escolas dispensem nossos heróis da jornada de trabalho, escamoteando em forma de feriado a triste realidade desta data. Mas, mesmo assim, houve quem ligasse naquele sábado à noite para convidar nosso professor para uma noitada no Recife Antigo. Ex-colegas de faculdade, professores que também trabalhavam no serviço público acompanhados de suas esposas ou namoradas, formavam uma grande mesa que se destacava na Rua Tomazina. Nosso herói, um professor com seus 27 anos, recém promovido ao cargo na província de Pernambuco, um homem bem afeiçoado, de boa compleição física, homem de histórias, resolvera a contragosto encontrar os amigos que há alguma data não congreçava. Como o salário havia entrado na conta no final do mês de setembro, na metade de outubro, nosso herói teve que raspar o cofre para se arriscar na noite recifense.

O professor saiu com 15 reais na carteira, decidido a não beber, pois o dinheiro seria insuficiente, além do mais, seu cartão de passagem tinha quebrado na semana que findava e ele ainda haveria que pagar a passagem de ida e volta, de maneira que, resolutamente, só poderia gastar 11 reais naquela noite. Durante um longo período debateu-se, intrigou-se, se realmente valeria à pena sair de casa naquela situação. Porém, vencido pelo tédio, decidiu que arriscaria um passeio pelo centro da cidade. E lá estava na Rua Tomazina, meio desconfiado, a observar o movimento das moças bonitas e dos vendedores de loló.

Em pouco tempo, todos estavam se confraternizando, brindando ao Papa, contando piadas sobre judeus, e questionando o porquê do nosso herói não participar da pândega. Ele sem querer dizer o verdadeiro motivo, inventava uma desculpa qualquer e cinco minutos depois enchiam um copo para ele. Nosso herói sabia que se tomasse o primeiro copo, participaria da conta que daria no mínimo 20 reais por pessoa. Resolveu que daria um passeio pelas ruas do centro, disse que voltava já. Chegou no primeiro bar e pediu um quartinho de Pitú e um limão cortadinho. Estava louco de vontade de beber! Tomou a primeira lapada e deu uma chupada forte no limão que o fez arrepiar. Heya! Dá-lhe outra! 3 reais. Voltou à Rua Tomazina e já se sentia com outra disposição. Tirou uma moeda de 1 real e pôs no bolso, dizendo para si mesmo: “essa daqui é pra voltar pra casa.” No domingo, a tarifa do ônibus é pela metade, ou seja, 95 centavos. Ficava na mesa conversando, cada vez mais acaloradamente. Passou a pedir o quartinho de Pitú no bar em que os amigos se reuniam mesmo, lá o quartinho era um pouco mais caro, 2 reais e ainda teria os 10% do garçom. Mas, tudo haveria de se arranjar. Logo puxou assunto com uma professora meio dentuça que ele conhecia de vista da nova escola em que começara a trabalhar havia dois meses. Não era muito interessante, mas àquela altura da madrugada...

O pior que a professora ficou dando linha e puxando o anzol. Nosso herói se abusou e trocou até de lugar. Mulher complicada, deve ser cheia de problemas. Faltavam 5 minutos para as três da manhã quando, em comum acordo, todos resolveram pagar a conta. Nosso herói pagou 8 reais pelas cachaças que tomou e ainda possuía 2 reais. O bacurau das três já estava perdido. Nosso herói ainda podia tomar uma latinha de cerveja enquanto aguardava o último bacurau que sai às quatro da manhã do Cais de Santa Rita. Partiu para a Rua da Moeda. Tentou conversar com algumas pessoas, mas àquela hora seu aspecto deveria estar deplorável, sem contar o bafo de cachaça. Então, recostou-se no muro de uma casa abandonada e tomou sua cerveja, concluindo que os planos que fizera em casa e que o motivavam a não sair, se concretizaram. Ou seja, voltaria bêbado, não encontraria nenhuma garota interessante, não arranjara uma carona, a noite tinha sido uma merda e gastara os únicos 15 reais que dispunha.

A despeito de todas as maldições que confabulava consigo, resolvera de última instância, olhar a vida por outro viés. Tentara olhar o presente por um lado menos negativo e que ao menos possuía um emprego fixo, onde nunca seria demitido. Nessas meditações percebera que faltavam 15 minutos para as quatro horas. Resolveu se dirigir para o Cais. Atravessou a Ponte Giratória cantando uma música do U2 chamada Sunday Bloody Sunday, em homenagem ao novo dia.

Ao chegar no Cais, entre dezenas de ônibus, avistou logo o bacurau da Várzea e adentrou. O motorista tirando um cochilo na boléia, o cobrador do lado de fora comprando um picolé. Nosso herói ficou um tempo do lado de fora também, observando a gritaragem dos vendedores de café, pipoca, picolé, refrigerante. O Cais de Santa Rita, definitivamente, nunca dorme. O mau cheiro, a escuridão, os passageiros bêbados assim como ele, o cobrador subiu. Nosso herói seguiu-o e retirou a moeda de Um real que desde o começo da história guardara, garantindo seu retorno ao lar, entregando-a ao cobrador e esperando o troco de cinco centavos. O cobrador questionou: “cadê o resto?” Nosso herói, então, argüiu: “Ora, hoje não é domingo?! É meia passagem!” O cobrador que, provavelmente, deveria passar por aquela situação em diversas madrugadas de sábado para domingo, adquiriu uma feição insolente e disse que a meia-passagem só valeria à partir das cinco horas da manhã. O nosso herói ficou aperreado e correu para o porta-moedas da carteira. Tinha uma soma de um real e setenta centavos. Ainda faltava 15 centavos para completar a passagem! Nosso herói então, perguntou se poderia passar faltando 15 centavos, mas o cobrador disse que de maneira alguma. O ônibus começava a ficar cheio e a controvérsia entre cobrador e passageiro começava a chamar a atenção de todos dentro do veículo. Então, o nosso herói sugeriu ao cobrador que ele ficasse com o dinheiro e que ele ficaria ali, quietinho, na frente e desceria sem fazer alarde e que, ainda assim, o cobrador ganharia um trocadinho por fora. Mas, o cobrador decidido a manter sua moral inabalável perante os passageiros do ônibus, levantou-se, sua panóplia de orgulho resplandecera ainda mais, encaminhou-se para os degraus e ordenou ao passageiro que descesse imediatamente ou chamaria a polícia. Nosso herói estava prestes a chorar e argumentava: “Seu cobrador, o senhor vai me deixar aqui no Cais essa hora da madrugada? O próximo ônibus só vai passar daqui à uma hora e meia. Vou ficar aqui sozinho nessa escuridão por causa de 15 centavos?” O cobrador, cada vez mais orgulhoso de seu escrúpulo, dizia: “Bora boy, se tu num descer agora eu vou chamar a polícia!” A situação era irreversível, o orgulho do cobrador estava ferido e ele estava disposto a cumprir a lei à risca. Afinal, é a lei que move a vida dos cidadãos, ela é o dogma irrefutável da urbe e coitado de quem escapa à sua tirania!

Nosso herói já estava conformado com sua derrota quando um homem que acompanhava toda a desavença resolveu se levantar e entregar três moedas cor de bronze no valor de cinco centavos cada, finalizando assim o tão sonhado objetivo do cobrador, o número mágico, a razão transcendental de sua força de trabalho, o seu orgulho proletário, o Um real e oitenta e cinco centavos!! Ao estar de posse do dinheiro necessário, o nosso herói deixou de ser um homem submisso e toda a sua então humildade revertera-se numa cólera de fazer sublinhar as palavras de Hesíodo em suas análises sobre a fúria sentimental. O motorista tocou o ônibus e o cobrador sentou-se em seu lugar para receber as moedas e antes mesmo de se acomodar na cadeira, nosso herói lançou-lhe as moedas com toda a força no rosto, resvalando contra o peito e a janela que ficava ao fundo. Nosso herói, completamente enfurecido, bradava para todo o ônibus, a tremer de ódio: “Chama a polícia agora, seu filho de uma puta! Vai contar essa merda pra ver se tá certo! Tu nunca deixarás de ser um cobrador de bacurau, porque não mereces crescer na vida. Seu merda!” Todos no ônibus arregalavam os olhos diante da medonha cena que se desenrolava. Nosso herói repetia que o motorista parasse na polícia. "Parem! Parem! Vá dizer que eu não paguei!" Assim o transtornado gritava. O nosso herói indagou o cobrador: “Você sabe que eu sou? Eu sou um professor! E se me faltava 15 centavos para pagar uma passagem de ônibus é porque essa merda de país não valoriza a educação e um idiota como você não consegue abstrair o lucro que teu patrão tá ganhando nas tuas costas. Vai dizer pro teu patrão que tu ganhasse 15 centavos para a empresa e aguarda a recompensa que ele te dará!” O cobrador limitara-se a resmungar: “Tu és um liso.” O professor e o cobrador ainda trocaram farpas por alguns minutos até chegarem na primeira parada da Conde da Boa Vista, quando novos passageiros subiram e a turba se acalmou.

Ao chegar em casa, nosso herói muito abatido, sentira remorso de alguns palavrões proferidos. Todos haviam perdido. Gastara os últimos quinze reais que tinha até a chegada do próximo salário que viria em duas semanas e decidira que nunca mais sairia de casa enquanto não pudesse pagar o dinheiro do táxi.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Primeiro Aniversário do Blog

Em outubro do ano passado resolvi criar esse blog. Não imaginava quanto tempo duraria, quantas postagens iria publicar, se seria bem recebido pelos amigos e desconhecidos. Tinha a intenção de escrever sempre que possível para treinar para a prova da seleção do mestrado que estava a bater na minha porta. Quem visita esse endereço eletrônico deve reconhecer que a maioria das crônicas (que nome pesado para essa brincadeira) possui uma forte impressão das minhas visões de mundo. Talvez seja um defeito não conseguir me livrar da pessoalidade da visão de mundo, mas... é assim.

Neste mês de outubro em que escrevo agora, estou tremendamente ocupado com as entregas dos artigos do mestrado. Inventei de fazer um trabalho onde pretendo elencar os possíveis temas épicos no romance Os Irmãos Karamazov. Calma, antes que os xiitas da crítica dostoievskiana me apedrejem, devo adiantar que não pretendo analisar a obra como se tratando de um épico, pois trata-se de um romance autêntico. Mas, tentarei elencar algumas características épicas na temática do romance, como a recorrência ao relato histórico no capítulo do Grande Inquisidor, além do referencial mitológico, também nesse capítulo. Enfim, se eu conseguir fazer algo decente, apresentar-vos-ei por aqui. Além disso, até o dia primeiro de novembro, tenho que entregar um outro artigo sobre a relação do personagem Konstantin Liêvin, do romance Anna Karênina de Tolstoi, com a propriedade rural, sua visão de mundo que se opunha à vida citadina, seus conceitos de economia rural, a relação proprietário-servo. Enfim, tudo isso pelo viés da ecocrítica.

Gostaria de liberar mais meus devaneios por aqui, mas não está sendo fácil. Além do mais, não terei assunto para sempre. Essa postagem mesmo é uma falta de assunto! Mas, não poderia deixar passar em branco essa data: o blog fez um ano. Entre assuntos desnecessários, poesias estabanadas, convites musicais, odes ao futebol, opiniões literárias, pequenas histórias que escrevo no silêncio da madrugada, acredito que talvez daqui há algum tempo possa reunir algumas postagens aqui escritas e lançar algum livrinho no futuro. É isso, agradeço aos amigos que visitam, aos desconhecidos que, só Deus sabe como, chegam por aqui, e deixo o convite para quem quiser aparecer outras vezes. Sem mais, um abraço a todos!

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

O Bom Velhinho

Passava das 20 horas da noite de natal e eu estava na praça do Derby, voltando pra casa, para a ceia familiar. No último natal, tinha vários motivos para liberar minhas emoções, pois o ano tinha sido um desastre financeiro, mas em compensação, consegui atingir o objetivo de passar no mestrado em dezembro, o que me deixara num estado de euforia prolongado. Após ter me divertido durante todo o dia numa festinha no bairro da Boa Vista, chegara a hora de retornar para o seio familiar, compartilhar do carinho cronometrado dos parentes, banquetear e encher a cara em nome do nascimento de Cristo.

Passara o dia inteiro bebendo cerveja, minha visão estava um tanto enturvada, fuscada, olhava com um misto de desdém e curiosidade para os passageiros que aguardavam o ônibus, ansiosos por chegarem às suas residências natalinas. Guardas chegavam e saíam do quartel do Derby, o comércio fechava, restaurantes com seus tristes funcionários recebiam famílias interias. Mas, uma visão me chamou a atenção mais do que qualquer outra. Do outro lado da praça, um homem, ou um mendigo, sim existe distinção, caminhava pela praça seguido de crianças e adolescentes eufóricos. O homem tinha uma barba longa e grisalha, estava mal vestido e carregava na mão direita um latão que era seguido de longe pela gurizada. Comecei a espiar aquela cena com a mesma curisiosidade que nos colocamos a olhar uma cadela a ser cortejada por oito, dez cachorros atrás do cio. Aonde o velho ia, os meninos o seguiam.

De repente, o velho encostou-se no umbral da praça e os meninos o cercaram. O velho lançou um grito incompreensível, provavelmente a exigir um mínimo de organização dos meninos. Houve empurra-empurra e xingamentos, até que eles conseguissem formar uma bagunçada fila. O velho abriu a lata e pôs a derramar o pegajoso líquido nas garrafinhas dos meninos. Os primeiros beneficiados corriam, satisfeitos pelo atendido desejo. Em menos de dez minutos, todos os meninos tinham suas garrafinhas de cola devidamente servidas. O velho também preparou a sua e seguiu seu destino pelas ruas. Grupos de meninos saíram em conjunto a vaguear pelas ruas do centro do Recife, satisfeitos por terem encontrado seu papai noel.

Tomei meu ônibus, cheguei em casa. Chester, frutas cristalizadas, boas bebidas, superstições, Roberto Carlos. Assim, o nascimento de Jesus era lembrado na minha casa, na vizinhança e na maioria das casas da cidade. Antes da ceia, uma oração, agradecimentos, pedidos. Mas, o que pouca gente atenta, é que se Jesus estivesse em algum lugar do Recife naquela noite de alienação, provavelmente estivesse erguendo sua pitchulinha para o bom velhinho que aliviara a dor de uma miserável existência, brindando o pegajoso vinho com seus discípulos sem lar na manjedoura pública.