segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Carta de Amor

Desejei ser Inverno
para em tua solidão, delirar febril.
Ser silêncio,
ilimitado abrigo.
Inadiáveis cataclismas.
Cosmos aprisionado
numa moldura de ferro.
Poros,
tangível morada.
Remorso não ter vivido,
sonhar.
Afetividade sem dimensão no vazio.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

O Sonhador

Existe pior malogro para um sonhador do que residir numa cidade grande? Quem nos obrigou a aceitar as leis sociais? Não, não, não! Não quero cair nos mesmos estereótipos! Como é difícil clarificar uma imagem! Imagine um homem que no cair da tarde caminha desolado pelas ruas do centro. Aquele centro do Recife que a qualquer dia da semana, no crepúsculo, oferece o mesmo decadente semblante. A música alta e de péssima qualidade, os prédios sujos, a rua que fede, os pedintes se arrastando com suas sacolas de estopa, um homem vestido decentemente caído no chão. O que terá acontecido com esse homem, pensa o sonhador? Teria a mulher o abandonado? O patrão o demitiu a agora não poderá dar de comer aos 3, 4 filhos? Está vestido com uma calça bege, camisa de botão. O nosso personagem parou em frente ao homem que balbuciava palavras incompreensíveis com os olhos fechados. Enconstado no gradil do Parque 13 de maio. A cidade é uma alucinação coletiva. Imaginem se cada homem fosse dar vazão aos seus sentimentos mais indignados no coração de uma cidade?! Ela se auto-destruiria em poucos minutos, talvez. O que mantém este corpus a funcionar é a dosagem diária de morphina que, sem que saibamos, está em nossa comida, na água mineral e no ar poluído dos canos de escape. Só pode ser isso, pensa o sonhador. Esse homem difícil de definir.

O homem se encontra na esquina da Conde da Boa Vista quando na prateleira do jornaleiro observa uma frase em letras garrafais: Concurso Para Professor do Estado. O nosso sonhador há muito tempo ambicionava uma vida distante dessa correria sem sentido, dos entroncamentos, dos compromissos inadiáveis. Imediatamente comprou o jornal e folheou-o na parada de ônibus. Viu que estavam precisando de professor de História na cidade de Buíque. Instantaneamente, remeteu sua imaginação para as fazendas que compõem a paisagem daquela cidade. Lembrou-se que trabalhou numa escavação arqueológica anos atrás e de outra viagem que fizera onde conhecera gente simples disposta a vender uns poucos hectares de boa terra por um preço bastante barato. Seria o momento ideal para aplicar suas poucas economias e se mudar para um lugar onde o sonho e o pensamento não fossem dicotomias inextricáveis.

O homem imaginou uma casa simples, com um bom telhado e uma pequena varanda onde no fim da tarde pudesse brincar com os cachorros, colocar a radiola com as caixas de som para fora e ouvir uma boa música sem ser incomodado por ninguém e, talvez, o melhor, não incomodar ninguém. Em seu apartamento no Recife, não podia ouvir seus estranhos discos em alto volume que logo apareceria alguém inventando que uma velhinha estava doente sem conseguir dormir. Ao redor de sua casa, teria um pequeno pomar, nada muito trabalhoso, pois o homem em questão era citadino e não cultivava o dom da agricultura. Tudo haveria de ser para o prazer e a satisfação. Além do mais, enquanto professor, receberia o pouco dinheiro necessário para a vida básica num lugar que não tem shopping center pra lhe sugar as poucas economias. Um poço artesanal garantiria a água durante todo o ano. Um corcel 75, com um toca-fitas antigo a tocar lo mejor de Benvenido Granda, seria sua distração nos dias em que precisasse se locomover até a cidade para lecionar. Ao cair da noite, os livros o fariam companhia. Na tranquilidade e no silêncio da madrugada poderia escrever as histórias que traz guardadas dentro de si: uma epopéia que se passa no Sri Lanka e a saga dos Herdeiros de Lampião. Quem sabe, após algum tempo, também o amor o agraciasse, naqueles distantes vales impenetráveis, longe da discórdia, da efemeridade e da descartabilidade das relações citadinas, encontre uma companheira que compreenda seu turbulento espírito. Os filhos poderiam estudar em Arcoverde e o pai haveria de os guiar através dos bons caminhos da leitura...

E assim, Maomé visitou os jardins de Alá ao mesmo tempo que uma garrafa se esvaziava. De repente, enquanto o homem estava fitando compenetrado através de uma janela que ficava na outra margem da Avenida Conde da Boa Vista: uma luz amarela, cortinas com desenhos de flores vermelhas, uma vaso sem esplendor; uma mulher muito magra e suja pede que a arranje qualquer moeda, pois disse que tinha cinco filhos para dar de comer. Mecanicamente, puxou qualquer trocado. O sonho se desfez, a natureza em seu aspecto virginal deu lugar às velhas maledicências dos transeuntes, o apitar nervoso dos táxis e todo o desolador cenário narrado anteriormente. A construção se desfez. Voltara ao ambiente onde a censura dos homens coibia qualquer abstração. O homem pôs-se de pé e passou a aguardar o ônibus que o levaria ao subúrbio, talvez já tivesse perdido um enquanto estava absorto em seus devaneios. Recolheu-se a razão e novamente separou as estradas do sonho e do pensamento, que, na cidade, conduzem a caminhos opostos.

domingo, 23 de agosto de 2009

A Meiga

"Inércia! Ó natureza! Os homens, na terra, estão sós - eis a desgraça! 'Há um homem que viva nessa planície?', grita o guerreiro russo das nossas lendas. Eu também grito, e não sou um guerreiro, e ninguém responde. Dizem que o sol faz viver o universo. Que o sol desponte e - olhem para ele, não é um cadáver? Tudo está morto - há cadáveres por toda parte. Nada senão homens e à volta deles o silêncio - eis o que é a terra! 'Homens, amai-vos uns aos outros' - quem disse isso? De quem é esse testamento? O relógio de pêndulo está batendo, insensível, hostil. São duas horas da madrugada. Os sapatinhos dela estão perto da sua cama, como se a esperassem... Digam, sinceramente, quando forem levá-la amanhã, o que vai ser de mim?"



Assim termina o último parágrafo de A Meiga, conto de Dostoievski. Tantos anos se passaram, guerras, tecnologia, feminismo... e eu repito a pergunta proferida pelo nosso mestre russo: Há um homem que viva nessa planície?

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A Maternidade

O inverno de 2006 foi realmente inesquecível para mim e para os moradores das áreas de risco da cidade do Recife. Já imaginaram o que é dormir estando sujeito a ter sua casa arrastada por uma enxurrada de lama, lixo e esgoto? Pois é assim que meio milhão de pessoas vivem nos morros da nossa cidade maurícia. Esse é um dos tantos problemas com os quais a população das áreas de morro precisa conviver, excluiremos do nosso relato as complicações com violência, educação, desemprego, saneamento básico. Num dia muito atribulado de abril de 2006, após três dias de chuvas torrenciais que fizeram rios e córregos de nossa cidade transbordarem, o telefone da Defesa Civil tocou, eu e meu parceiro Fidel, ficamos responsáveis por avaliar a situação de uma maternidade abandonada no bairro de Dois Unidos. Os moradores pediam, por telefone, uma solução para as infiltrções, pois o teto estava estalando e poderia desabar, inclusive. Pegamos o Fiat Uno da Prefeitura e partimos do bairro da Guabiraba até o bairro de Dois Unidos, ambos na zona norte do Recife.

Era um dia cinzento, por todo o lado havia barro nas ruas, moradores zonzando pelas avenidas. Na subida do Alto do Refúgio, uma contenção antiga da Prefeitura havia se rompido, obrigando todos os automóveis e moradores a se espremerem em apenas uma faixa. A chuva continuava, persistente, torrencial. As janelas fechadas deixavam o vidro embassado e o clima pesado. Não sabíamos ao certo onde ficava essa "maternidade". Perguntamos e chegamos numa avenida movimentada, cujo nome não me recordo, às margens do transbordante, raivoso e barulhento, Rio Morno. Esse rio, nasce como um pequeno córrego, vindo das matas de Sítio dos Macacos, passa quase imperceptível pelo bairro da Guabiraba e, ao que ouvi falar, vai se juntar ao Rio Beberibe. Mas, quando o inverno é forte e chove em abundância por vários dias, esse tímido rio assume uma raivosa aparência. Expulsa de suas veias o lixo jogado pelos moradores, seu refluxo faz transbordar toda a merda social de volta num ato de vingança contínuo.

Chegamos na maternidade. O ambiente desolador. Quantas famílias viviam alí? De quê viviam? Na minha prancheta, deveria tomar todas as informações e dar um encaminhamento para os superiores da Prefeitura decidirem o que fazer. Essas amarrações da burocracia me fazem lembrar o Castelo de Kafka, onde o agrimensor não consegue chegar aos superiores. Pois bem, eu era a ramificação menor do Programa. Relatava como os moradores estavam vivendo e minha papelada ia para um superior, para depois passar a outro superior que decidiria o que fazer com os moradores após consultar o outro superior... imaginem como as relações de poder não se constituem em ambientes como esse?! O que eu poderia colocar nas cinco linhas em que o cadastro pedia que eu relatasse a situação dos moradores que viviam naquela maternidade abandonada? Não me recordo o que escrevi nas cinco linhas, mas algo como: "Retirar esses moradores o mais rápido possível para algum abrigo." Vou explicar melhor o que encontrei.

Essa maternidade é mais uma das imensas obras-fantasma que nossos governos fazem, levantam paredes e não concluem. Antes da metade da obra, a verba acaba. É, né. Há quem acredite. Com o excesso de chuvas, ela estava toda inundada, de maneira que em momento algum estivemos com menos de um palmo d´água chapiscando nossas pisadas. Não havia luz elétrica, apenas fiações elétricas que, como patas de aranha gigante, pareciam desgarrarem-se do teto. Por toda a parte havia infiltrações e a água pingava de montes no chão, nas camas improvisadas, nos poucos leitos abandonados. Gente descalça, sem camisa, uma criança com os olhos expressivos de febre deitada numa cama toda ensopada. Senhoras velhas se perguntando por quê não morreram ainda, paredes manchadas. Um cenário perfeito para um filme de terror. Era manhã, uma estranha luminosidade provocada pelas nuvens que cobriam o sol, deixava o aspecto da maternidade lúgubre, sombrio. Um homem mais articulado fazia perguntas e pedia respostas. Eu limitava-me a dizer que passaria o caso para os superiores e que eles entrariam em contato. Mostrei ao homem o que tinha escrito na prancheta e fui embora, pois ainda havia outros casos de deslizamento de barreiras pra avaliar, lonas plásticas a entregar.
Hoje, lembrei-me dessa maternidade e da experiência daquela manhã. Voltava para casa um tanto desolado, ressacado, e prontamente lembrei-me daquelas pessoas que vivem num estado deprimente. Com certeza, naquela maternidade abandonada, na beira de um rio, havia ratos e outros animais que podem trazer contágio ao homem. A água parada, chapiscando aos nossos pés, o olhar daquela criança pedindo que a tirasse daquele lugar, queimando de febre numa cama molhada... Ainda hoje, não sei que fim levaram aqueles moradores, que resolução os superiores tomaram. Aquele tinha sido mais um caso entre os dez, doze, que tínhamos que avaliar por dia naquela operação de inverno. Meu Deus, o que esperar de um mundo que cultiva ambientes como esse?!

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Virada Russa

A exposição Virada Russa está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil no centro do Rio de Janeiro até o dia 23 de Agosto, oportunidade imperdível para conhecer de perto as obras dos grandes artistas plásticos russos do início do século XX. Na verdade, a exposição faz um corte temporal até 1930. O acervo veio do Museu Hermitage, localizado no centro de São Petersburgo e que duela com o Museu do Louvre, em Paris, a condição de possuir o maior acervo artístico do planeta. Entre os artistas que compôem a exposição estão Kandinsky, Maliévitch, Chagall, Filonov, Maliávin, Rodchenko, Tátlin, Goncharova, entre outros.

Quando da minha visita pela capital fluminense tive a oportunidade de passar uma boa parte de uma tarde a apreciar as pinturas que ao total somam 123 peças. Tem um quadro muito expressivo de Maliávin que não consigo encontrar pra postar pra vocês: uma mulher com o rosto muito vivo, as maçãs coradas na face, parecia saltar da tela, tamanha a vida naquele painel. Não entendo muito de pintura, sou leigo por completo, mas admiro aquilo que parece belo ao meu gosto, naturalmente. Outro quadro que você é capaz de ficar horas encntrando detalhes é o "Guerra com a Alemanha" de Filonov, um mosaico de pedaços de corpos entricheirados, uma cor forte, marrom escuro, arte denuciando o massacre. O queridinho da coleção é o promenade de Chagall, que deixo ao lado pra vocês, mas que confesso, não foi o que mais me impressionou. Gosto dos quadros que retratam o dia a dia do camponês, o cotidiano popular.

O problema é quando este cotidiano é invadido pela política comunista. No final da exposição, vem a parte da arte-panfletária, com dizeres nacionalistas e exaltação dos trabalhadores. Para mim, por mais que os artistas fossem criativos e talentosos, é a parte menos interessante. Ainda bem que a Rússia se livrou dessa lavagem cerebral que é o comunismo, a pior desgraça já inventada pelo homem. Infelizmente, enquanto o mundo estorva esses celerados, nosso país parece dar espaço para essa corja de assassinos e estupradores das individualidades. Chega! Não quero falar dessa gente. Voltemos ao tema das pinturas para que eu possa terminar essa postagem. Sou tão leigo do assunto que não me alardeio a taxar tal quadro como impressionista ou expressionista, pois cometeria mais uma gafe, entre as tantas que cometo nessa minha vida de pitaqueiro virtual. Quem tiver a oportunidade de visitar essa exposição que está entrando nos seus últimos momentos, se apresse, vale a pena mergulhar no universo de outra cultura. Quem acompanha meu blog sabe do apreço que tenho pela cultura russa (não-soviética, embora nesse período tenhamos grandes artistas que ultrapassam a obrigação política) e de outros povos ao redor do mundo. Para mim, conhecer outro povo é se conhecer também, estabelecer limites e ampliar fronteiras. Aliás, o endereço do blog é céu sem fronteiras, pois nesse reino da utopia que se coloca acima das disputas entre Zéfiro e Euros, há um reino a ser descoberto onde a harmonia e o respeito sejam ontológicos. Ah, e isso não tem nada a ver com comunismo!

Clint Mansell - The Fountain


As palavras se intrigaram de mim nos últimos dias. Tenho alguns temas para postar, artigos à escrever, pequenos trabalhos a apresentar. Porém, as palavras tem adquirido uma corpulência demasiada, tudo muito fastidioso. Não tinha em mente postar nada sobre música nesse momento. Guardo as postagens musicais para os momentos de escassez de assuntos. Mas, esse disco que quero deixar aqui, vem bem a calhar com meus últimos dias: tenso, sombrio.

Não sei dizer qual a relação que Clint Mansell tem com o Kronos Quartet, se ele é compositor, regente do grupo, não sei. Bem, que ele é compositor isto é claro, esse disco que vos deixarei é um exemplo. Pesado, meus amigos. Advirto logo. Talvez não faça bem aos primaveris sentimentos. Deixo para os lúgubres momentos, para a solidão da escuridão, da carência da regressão fetal, da inércia. Letárgico. Assim me parece esse disco que, paradoxalmente, chama-se A Fonte. É a trilha sonora do filme A Fonte da Vida que a despeito de alguns clichês bem batidos do cinema, é uma boa película. Clint Mansell, ao que me consta, é autor de várias trilhas sonoras, de filmes bem pesados como Requiem Para um Sonho. Esse fim de semana que passou convivi bastante com esse álbum e com a poesia de Alphonsus de Guimaraens, que ora inocente, ao menos é corajosa em afirmar sua obscuridade. Cá estou, perpetrando-me neste inverno do tempo com toda a força, nem um pouco me esforçarei para sair dele, toda a alegria será fingida e mal articulada, uma máscara rotunda de sociabilidade.


Clint Mansell - The Fountain: http://www.mediafire.com/download.php?yxzdecexjzt

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

O Equilibrista - Man on Wire


Acabo de chegar do cinema da FUNDAJ no Derby onde fui assistir o documentário sobre a "peripécia" de Phillipe Petit, um equilibrista que sem amarras que o garantisse qualquer segurança, atravessou o vão abismático entre as torres gêmeas do mitológico World Trade Center. O filme nos deixa sensível, estupefato, atônito mesmo. Colocar-se diante da morte é um coisa natural em todas as sociedades. O suicídio sempre existiu, mas o que chama atenção no caso do equilibrista francês é que não há um ato de desespero, enfrentamento, revolta, suicídio. Ele o faz com leveza, há uma amenidade em seu espírito que o torna estranhamente vago.

Os depoimentos das pessoas que estavam ao seu lado durante a empreitada chamaram-me mais a atenção do que os próprios discursos de Phillipe Petit. Ora, tantos anos após o ocorrido ele tem um arsenal de opiniões a dar que o tornariam grandiloquente. Após o reconhecimento mundial de sua corajosa travessia, sentimos um distanciamento das pessoas que o fizeram chegar até o topo do mundo, como ele mesmo cita. Seu melhor amigo aparece chorando duas vezes no depoimento sem dizer ao certo o que o distanciou do equilibrista. A ex-namorada, reconhecendo o amor e as coisas boas que viveram, ama-o com uma espécie de perdão pelo abandono que surgiu após o evento. Após atingir o lauréu da fama internacional, o equilibrista parece se afastar dos que caminharam ao seu lado. Não que isso diminua sua façanha ou que as pessoas tenham ficado menos interessantes ou sei lá qual outra explicação poderia se dar. Na verdade, o que me chamou a atenção em sua personalidade foi exatamente essa sutileza de caráter, esse desapego pode ser a explicação para sua imensa capacidade de realizar tal empreitada.


Em linhas gerais, queria apenas dizer o óbvio: que aquele grande homem tem pouco ou quase nenhum juízo. Talvez suas opiniões sejam fruto de comentários de admiradores e que toda sua teatralidade seja até forçada na velhice. Quando ele se diverte na corda pendurado há uma distância esfacelante, sorri e brinca, é o retrato de maravilhoso inconsequente que pouca consciência tem dos riscos e zomba na cara da morte e do perigo. Se não fosse sua leveza de espírito, talvez nada daquilo fosse possível. Seu ato foi maravilhoso, inconteste. Uma imagem para a eternidade. Até o destino lhe agraceou com a tragédia ocorrida nas mesmas torres em 2001, que torna a nostalgia do cenário tão grandiosas quanto a coragem do equilibrista. Aos homens de excesso de juízo: o peso da inércia, das distantes manipulações. Assim como o equilibrista me passou uma imagem de leviandade, é essa mesma leveza que o faz flutuar naquela corda, o torna excepcional, um legítimo ícaro de nossos tempos. Para determinadas ações que exigem mais atitude do que raciocínio, o melhor é estar distante dos excessivos pensamentos, do fardo do questionamento, do ônus da dúvida. Como um brincante, um bobo inconsequente, nos deslumbrou o equilibrista. Talvez eu esteja errado, mas com a imagem do filme tão viva e recente em minha cabeça, foi o efeito que me deixou na mente o equilibrista Phillipe Petit.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Inverno

Triste da flor que nascida na época errada, desabrocha.
Sofrerá as arranhuras do tempo e da ambiência.

sábado, 1 de agosto de 2009

O Velho da Montanha: Como Implantou o Paraíso e os Assassinos

Milice é um lugar outrora habitado pelo Velho da Montanha. Contarei a história conforme Messer Marco a ouviu.
O Velho é chamado na língua deles Aloodyn. Entre duas montanhas, ele mandara construir o maior e o mais belo jardim do mundo, no qual plantou todos os tipos de frutas, ergueu os mais belos palácios, todos pintados a ouro, e criou animais e aves. Abriu canais pelos quais corriam água, mel e vinho. Reuniu moças e rapazes, os mais belos do mundo e os que melhor sabiam cantar e dançar. O Velho fazia-lhes acreditar que aquele lugar era o Paraíso. Ele imaginou esse jardim, porque Maomé dissera que se alguém fosse para o Paraíso desfrutaria à vontade das mais belas mulheres e lá encontraria leite, mel e vinho. Assim o Velho pôs em prática a idéia de Maomé.
Os sarracenos da região acreditavam que lá realmente era o Paraíso. Mas naquele jardim só entrava quem o Velho conseguisse tornar assassino.
O castelo da entrada era tão bem fortificado que o Velho não receava nenhum ataque. A corte era formada por rapazinhos de doze anos, raptados e que prometiam tornar-se homens valentes. O Velho introduzia-os aos magotes de quatro, doze e até vinte de uma só vez, sob a ação de ópio, que os deixava inconscientes durante três dias. Ao acordarem, os meninos, vendo-se naqueles maravilhosos jardins, julgavam-se no Paraíso, pois se viam cercados por belas jovens que cantavam e dançavam, oferecendo-lhes as melhores coisas. Ninguém queria mais sair de lá. Dessa maneira, o Velho sustentava sua corte bela e faustosa.
Quando precisava mandar um daqueles rapazes para um lugar fora dos jardins, dava-lhe uma beberagem de ópio e, depois de adormecido, colocava-o do lado de fora. Ao acordar, vendo-se em lugar tão diferente daquele ao qual se acostumara, o rapaz se entristecia. Procurava, então, o Velho, que julgava ser um grande profeta, ajoelhando-se a seus pés. O Velho então perguntava: "De onde vens?". A resposta era: "Do Paraíso". E contava-lhe como era e como desejava voltar.
Assim, quando o Velho queria vingar-se de alguém, escolhia o mais vigoroso dos rapazes, colocava-o fora dos jardins, e quando o mocinho ia procurá-lo, suplicando-lhe que o fizesse voltar ao Paraíso, ele prometia-lhe o regresso somente depois de o jovem ter assassinado quem ele apontava. Os rapazes obedeciam-lhe de boa vontade, para conseguirem voltar ao Paraíso. Se conseguissem escapar depois de terem cometido o crime, voltavam a dar satisfação ao Velho. Se fossem presos, resignavam-se a morrer, certos de entrar novamente no Paraíso.
Desse modo, o Velho da Montanha eliminava todos os que lhe estorvassem os passos. Muitos reis, conhecendo o poder desse Velho, temiam-no e tornavam-se seus tributários.
Mas, no ano de 1277, Alau, senhor dos tártaros do oriente, que conhecia todas essas atrocidades, decidiu acabar com aquele abuso. Mandou que seus barões cercassem o jardim, mas só depois de três anos de cerco é que o Paraíso capitulou pela fome. O Velho foi preso e morto com todos os seus sequazes. Desde então não houve mais Velho algum inventor do Paraíso.